... "And now for something completely different" Monty Python

Tuesday, September 27, 2005

O Silêncio e a Palavra

“Aprende a estar em silêncio” disse Elie Wiesel que desejava gritar a sua história, a história de seis milhões, ao mundo. Este judeu romeno  nascido a 30 de Setembro de 28, Prémio Nobel da Paz  em 86, escritor aclamado e premiado por várias obras, entre elas a célebre Noite, sobrevivente de Auschwitz,  fala-nos constantemente do poder da palavra e da força do silêncio.


Parece-nos, hoje, muito distante esta realidade da Shoah. Na verdade, foi há 60 anos. Não é uma página amarela do livro de História, nem uma atrocidade que se deu quando a Civilização gatinhava.
Quando a palavra Holocausto ainda não era moda, era seguro usá-la. Fazia sentido. De repente, começaram a surgir os filmes de Hollywood em vez dos documentários, as colunas de opinião disparatadas em vez dos testemunhos de sobreviventes, a criação de um Estado que não  se aproxima da Terra Prometida.


De facto, todas as palavras se tornaram perigosas, quase vazias de sentido, porque se apropriaram delas os mestres da retórica de bancada. “Então, aprende a estar em silêncio” diz Wiesel. “Eu queria contar a história... mas como fazê-lo? Todas as palavras me pareciam inadequadas. Onde ia eu inventar um novo vocabulário, uma linguagem primordial? A linguagem da noite não era humana.” (Como Escrevo, 1978).


Que noite é esta? “Nunca esquecerei aquela noite, a primeira noite no campo que transformou a minha vida numa longa noite.[...] Nunca esquecerei as chamas, que consumiram a minha fé, para sempre.[...] Nunca esquecerei os momentos que assassinaram a minha alma e o meu D-us.” (Noite, 1958)


Depois da Guerra, Wiesel manteve-se em silêncio por 10 anos. “Há uma arqueologia no silêncio. Há uma geografia do silêncio. Há uma teologia do silêncio. Há uma história do silêncio. O silêncio é universal e podes trabalhar nele […] e fazer dele uma testemunha. […] Eu esperei 10 anos, porque queria ter a certeza de usar as palavras certas. Eu temia a linguagem.” ( Entrevista, 1996)


 É necessário não confundir esta preparação interior com indiferença. O silêncio pesado e brilhante de sentido não é o virar as costas ao Mundo, não é a negação da Vida. Mas Wiesel decidiu contar a historia do Holocausto porque não a contar seria envenenar a sua alma.


“Manter-me em silêncio ajudava-me, talvez, mas não ajudava mais ninguém. O silêncio nunca ajuda a vitima; abre espaço para o vitimador. […] Apercebi-me também que a indiferença faz de nós mortos antes da morte.” Como os Muselmanner, os que nos campos já nada sentiam, tinham perdido a sensibilidade antes de morrer…


Curioso é que a esperança se mantenha sempre, essa indescritível artífice que mantém os homens vivos. Para Wiesel, depois dos campos de concentração, depois da família morta, depois de perder a Fé aos 15 anos  (que é a Vida e o Amor de um judeu) “há mais para  celebrar que para denegrir no Homem”, como nos dizia Camus.