... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, May 25, 2006

Era Uma Vez...

Imbuída da maior boa vontade, decidi separar alguns dos livros que lia em criança para dar a uns miúdos que conheço e que gostam de ler. Isso de dizerem que os putos não gostam de ler é uma mentirada de todo o tamanho – a maior parte das bibliotecas infanto-juvenis têm mais adeptos do que as bibliotecas reservadas aos adultos e só isso já seria prova suficiente; claro que houve, há e sempre haverá crianças que não gostam, mas também não podemos ser todos iguais.


Os meus livros eram intemporais, coisas como a parafernália aventureira dos Cinco, dos Sete e outros em que a criançada come alarvemente grandes jantares e almoços ao ar livre, descobre, por intuição e esperteza congénitas, ladrões e contrabandistas muito mais depressa do que os totós da autoridade vigente, anseia pelas férias para ir acampar com o cão  perto de faróis e rochedos e anda de bicicleta a mil à hora. Logo, livros que contam coisas verosímeis, susceptíveis de acontecer a qualquer tipo que tem entre 10 a 12 anos. Além disso, lembro-me perfeitamente que os pais destes heróis eram pessoas muito fora da realidade, sendo um deles até um cientista que não sabia que andava neste mundo, apesar de ser invulgarmente inteligente. Tal e qual a imagem que uma criança tem dos pais.


Infelizmente, tive de pôr de parte estas extraordinárias sagas, porque os putos a quem eu ia dar os livros eram bem mais novos e não liam livros com tantas páginas. Virei-me, assim, para os contos de encantar de Grimm e de Perrault. Com honestidade, deviam ser chamados contos de terror, tal é o grau de violência que encontrei naquelas páginas ao fim de tantos anos – assassinatos (neste particular, há de tudo, de fraticídios a parricídios, passando pelas outras variantes), canibalismo, mutilações, e um não acabar de cenas que fazem arrepiar os cabelos! Não sei como podia eu ter um sono  descansadinho todas as noites, depois de ler uma historiazinha destas (“para dormir melhor”, meu Deus!).


Hansel e Gretel, por exemplo. Todos sabemos do que se trata: os pais  vêem-se na penúria  e decidem abandonar os filhos na floresta; eles, espertos, ouvem a conversa por acaso e tentam marcar o caminho com migalhas de pão que os passarinhos acabam por comer. Imaginem o sufoco que não terei tido, depois de ler este conto, quando ouvi discutir os problemas económicos lá de casa. Decerto nunca mais me senti confortável ao visitar o parque florestal do Capelo, intimamente pensando “é desta que fico atrás e não tenho irmãos mais velhos nem trouxe pão”. Felizmente, do Capelo até à Horta, seria fácil descobrir o caminho...


Polegarzinha, outro conto arrepiante. Nasceu de uma flor, sendo filha de uma senhora que desejava muito ter um filho. “Toma lá esta”, diz-lhe a fada. E a pobre da senhora tem de agradecer e tratar de uma filha do tamanho de um polegar! Não há direito! Isso é que há, segundo a moral da história, porque a senhora devia aprender a não desejar coisas para além do que a natureza lhe pode dar... A pobre da Polegarzinha ainda sofre mais do que a mãe; a certa altura, arranjam-lhe casamento com uma toupeira. Felizmente, tudo acaba como deve ser, claro. Isto dos humanos casarem com animais não é único deste conto, aliás, embora nunca seja explicado como é que as núpcias se processavam: A Bela e o Monstro, A Princesa e o Sapo, entre outros. Aliás, provavelmente, são as núpcias o único aspecto não explorado dos contos de fadas. Depois de viverem felizes para sempre, não há mais nada a acrescentar.


Porém, se não se pode falar de sexo, a violência não é um problema. Há uma carnificina quase constante e grandes chantagens psicológicas: bichos ardilosos atacam, como n’O Capuchinho Vermelho, perfídias angustiantes duram toda uma vida, como a miserável existência da Cinderela, famílias que nos odeiam e o mundo todo contra nós como o pobre Patinho Feio, gigantes que comem crianças e por aí fora. Acresce que nenhuma menina olhará com bons olhos uma madrasta depois de ler - e isto é só um exemplo - Branca de Neve, onde a malvada até o coração da enteada quis ter!... E já nem vou falar da fatal injecção que é para uma menina a ideia do Príncipe que nos há-de livrar dessas desgraças todas e que aparece em (quase) todas as histórias – compiladas por homens, claro!


Em todo o caso, como bem sabemos, os miúdos percepcionam o mundo de um modo completamente diferente dos adultos.Assim, “num primeiro nível, os contos de fadas ensinam pouco sobre a sociedade” tal como ela é hoje; mas ensinam muito “àcerca dos nossos conflitos interiores e soluções acertadas para estes” (Bettelheim). É por isso que continuam a ser tão populares – são terapêuticos e contêm a promessa de que o melhor ainda está para chegar: vamos ter todos um final feliz, mesmo que passemos muitas desventuras. Ou, por outras palavras, acaba tudo bem – se não estamos bem, é porque ainda não chegámos ao fim. 


Thursday, May 11, 2006

Isso de Ser Jovem

Ser jovem é um grande quebra-cabeças. Atenção que não estou a falar do pessoal da minha idade – os jovens na ressaca, os que “ainda” são jovens e estão a gastar aqueles últimos oportunos cartuchos da casa dos vinte anos antes de entrarem nos trinta, para passarem à fase do “subsídio”, conhecida por bancos, empresas e outros, e que, etariamente, se define por “jovem até aos 35 anos”. A partir daí, já não há juventude para ninguém, a não ser a de espírito. Não, nestas linhas estou mesmo a referir-me aos desgraçados dos adolescentes.


 Toda a gente fala com saudade do tempo em que era jovem e andava no liceu, sobretudo os pais de quem lá anda a penar agora. Estarão todos doidos? Até admira como é que se conseguiu resistir a tanta dor de alma, a tanta borbulha pungente e a tanta coisa secretamente nova, que aparecia de todos os lados. Além disso, o mundo, em geral, não ajuda nada os jovens; está repleto de ditadores, vulgo pais, professores, porteiros de discotecas, gajos que não nos deixam acampar onde a gente quer, etc, etc, etc. Isto para já não falar da falta de dinheiro gritante (porque não se ganha nenhum, claro) e do incómodo que é estar sempre a pedir aos progenitores uns trocos e ter de lhes dizer “para que é” e ouvir “vê lá não gastes isso tudo”... Uma pessoa pensa que, quando for mais velho, vai desforrar-se da vida e há-de ter muito mais dinheiro. Depois cresce e percebe que continua na miséria porque tem um emprego de treta e está cheio de contas para pagar. A diferença é que antes podíamos culpar os nossos ditadores de estimação por quase tudo o que nos acontecia (excepto casos de frustação amorosa, o que já era um grande rol...). Agora, não. Já nada nos salva. Espero, ansiosamente, pelos meus filhos, para os torturar com todas estas quezílias, segundo o bom método universal de “farás como te fizeram a ti”.


Tão ou mais importante é a ideia de liberdade. O que é que quer um adolescente? Quatro em cada cinco irá responder que quer mais liberdade. “Isso é que era bom”, diz o pai (ou a mãe, ou quem quer que tenha direitos de paternidade sobre o dito, que isto, hoje em dia, não é nada linear...). “Vens é para casa cedo, não bebas mais do que deves, diz-me lá com quem é que vais estar, e quem é que é essa gente, nunca ouvi falar deles...”, enquanto levantam a sobrancelha esquerda. Os pais, no fundo, querem é que os filhos tenham juízo. Eles, pais, não têm, mas toda a gente sabe que os pais desejam que os filhos sejam melhores do que eles. É justo, por isso que estas elevadas aspirações estejam enraízadas em todos.


Há um truque que todos os adolescentes têm tendência a usar, que é o mais que batido: “Pai, mas o pai do Miguel nunca faz essas perguntas, sou só eu que tenho de passar por isto.”  Amigos, não vão por aí. Secretamente, os vossos pais estão convencidos que são melhores pais que os outros todos. Os pais do Miguel, da Luisinha e da Cristina são uns desleixados e sempre foram tansos e está-se mesmo a ver que a desgraça lhes vai bater à porta. A desgraça virá, fatalmente, na forma de uns filhos mais que terríveis. O que é isso? Uns filhos de quem toda a gente fala! O melhor, para um pai, é ter um filho quase incógnito (para um filho também convém ter um pai low profile, mas isso o pai nunca suspeita...)


Ao fazer 18 anos, um jovem está convencido que alcança a glória. Desiludam-se. Fica tudo igual. Excepto o facto de poderem tirar carta e de serem presos quando infringirem a lei, não há muitas mais mudanças. Há outro importante facto, que é o de poderem votar, de modo que, a partir desse dia, fazem parte desse grande público que os partidos políticos designam como “Jovem” (com J maiúsculo, para causar impacto), e são, por isso, atacados por todas as frentes com slogans como “Jovem, junta-te a nós” ou “Jovem, estamos a par dos teus problemas” ou ainda “Jovem, vem construir o teu futuro” e outras banalidades do estilo. Passam a ser considerados como um “importante contributo social” só porque têm mais um dia no calendário. Antes desse dia em que podiam fazer cruzes nos boletins de voto, a preocupação com os jovens (vocês) não valia um chavo.


Outra fascinante mudança é terem de começar a pensar “o que é que vão fazer na vida”, como se não fosse a vida, na maior parte dos casos, a decidir o que vai fazer convosco. A maior parte das escolhas são saborosamente fruto de um acaso.


Dizer “os jovens”, no entanto, soa a tolice. É como dizer “os homens”” ou “os portugueses” – logo, uma generalização perigosíssima. Apesar de tudo, ainda acho que a juventude é capaz de ser a altura mais gira da vida. Ou então, não.