... "And now for something completely different" Monty Python

Wednesday, June 28, 2006

O Futebol é Assim...


Grosso modo, os portugueses podem dividir-se em dois grupos: os que gostam de futebol e os que até nem se importam com futebol mas vão vendo quando calha, nomeadamente (advérbio caríssimo aos comentadores desportivos!) quando a Selecção Nacional joga. Já a diferença entre aqueles que percebem de futebol e os que não percebem nada disso é irrelevante, pois, como é do conhecimento geral, todos os do primeiro grupo (os que gostam de futebol), são especialistas soberanos na matéria.


Portugal tem cerca de 6500 treinadores de futebol potenciais. Estão por todo o lado, mas o local preferencial de encontro é o café da esquina. Não havendo café e estando sol, a  esquina também serve.


É por esta razão que é tão difícil ser “treinador de facto”, já que toda a gente julga saber do negócio e, o que é mais importante ainda, está genuinamente interessada nele. Deve ser por isso que pagam tanto aos treinadores, coitados, para que possam aguentar a pressão vinda de tantos quadrantes. Pobres vítimas sociais! Em breve, haverá uma neurose denominada “Síndroma do treinador” se continuarmos a pressioná-los de forma tão inumana.


Ser jogador é mais fácil, porque a popularidade de um jogador é para o bem e para o mal. Tanto são elevados a heróis nacionais como subjugados a grandes estupores que não merecem a relva que pisam e deviam era comê-la (tudo depende, claro, do resultado do jogo). Excepção feita aos guarda-redes: os homens da baliza são uns marginais que nem na própria equipa se enquadram; estão sempre à parte, porque não são tidos para as vitórias mas são sempre lembrados nas derrotas. A única altura em que alguém se lembra dos guarda-redes com uma pontinha de orgulho é quando defendem uma grande-penalidade e, mesmo assim, logo chovem uma data de frases, como a célebre (e injusta): “Um penalty não se defende, marca-se” (outro chavão que confesso não saber quem disse originalmente, mas logo foi copiado por  todos os comentadores desportivos e treinadores de bancada, incessantemente, até hoje). Não há direito. Assim, não há miúdos que queiram ser guarda-redes. Os putos são forçados a irem para a baliza  nas escolas, porque não há ninguém que queira ir apanhar com as frustrações rematadas de toda a gente. Por outro lado, todos sonham em ser “jogadores de campo” (expressão giríssima, como se o o guarda-redes não estivesse em campo, mas na bancada ou na pastelaria em frente, debicando uma nata e bebendo um café durante os 90 minutos).


Pior que ser guarda-redes é ser árbitro. Ninguém, de nenhuma equipa, tem simpatia pelo árbitro. Está contra nós, foi, de certeza, subornado pelos outros, e – para cúmulo! – é muito claro que não sabe as regras. Qualquer adepto sabe mil vezes mais de futebol que o árbitro. É a ignorância dele que irrita, aliada à insegurança portuguesa e àquela pontinha de desconfiança que faz todos acreditarem que aquele “caramelo” só pode ter sido levado pela outra equipa a acabar connosco. Bandido! O mundo sempre esteve contra nós. Até admira como é que chegámos tão longe no Europeu. Ninguém nos ama e nós (pobrezinhos mas honrados) não compramos árbitros; não baixamos o nível como essa gente (os outros todos, todos).


Há uma série de mitos em relação ao futebol que importa fazer cair. O primeiro é que as mulheres percebem menos de futebol que os homens e que, quando vêem futebol, o fazem para observar os jogadores. Isto só pode ser uma ideia masculina, porque qualquer mulher com uma visão 20/20 sabe que os actuais jogadores deixam muito a desejar (deixar a desejar é o termo certo porque não há desejo que se acenda com uma observação dos ditos). Reparem no ar de menino-bem de alguns jogadores de agora, e no modo como passam a mãozinha pelo cabelinho. Apetece mandá-los mudar o sapatinho e irem jogar golfe, com os respectivos caddies. Depois, misturam o ar de rapaz-da-Linha-sei-lá com a escarradela para o chão a toda a hora (mesmo depois do jogo já ter acabado). Logo, não estou a ver a que propósito é que alguém se há-de encantar com semelhantes espécimes. Há poucos anos, havia jogadores giros, mas esfumaram-se. Paciência. Não se pode ter sempre uma equipa que cative turistas.


Outro mito é que o pessoal ligado ao futebol é pouco inteligente e dá respostas estúpidas. Em boa verdade, também só lhes fazem perguntas cretinas, que não são passíveis de boas respostas. Nunca esqueci estas: “Como é que se sente?” (feita a um jogador, vítima de fractura exposta, quando o infeliz estava a sair de maca); “O que acha de ter passado de besta a bestial?” (muito acertadamente respondida “já não é a primeira vez!”); “O que vai fazer para dentro do campo?” (feita a um avançado que entrou quando a sua equipa estava a perder). Não pode ser! Estupidificam-se os senhores e depois faz-se troça deles.


Há ainda a ideia de que os intelectuais portugueses não gostam de futebol, a não ser que o digam por motivos políticos. Na verdade, a maior parte gosta, mas carrega más memórias da escola, onde os tratavam mal porque eles não sabiam jogar. Reparem que a elite nunca é do Benfica, clube plebeu e de massas que, ainda por cima, fica geograficamente perto da Amadora, da Damaia e de todas essas zonas duvidosas onde o pessoal não usa gravata. Quando muito, usa navalha. A elite é do Sporting, muito mais Lumiar, Telheiras e sempre em festa. Do Porto, nem falo, porque todos sabemos que o dragão é uma coisa mitológica e não existe.


Porém, agora, somos todos portugueses e estamos com a selecção. Mesmo o pessoal cheio de ideias independentistas para os Açores, agora é orgulhosamente português. Embora não haja açoriano que não goste mais do Pauleta que dos outros jogadores... provavelmente porque ele, apesar de super estrela, é sempre o rapaz simpático, vizinho aqui do lado.   


Friday, June 9, 2006

A Cultura, essa Especialidade Geral



Não se sabe bem quando é que começou a aparecer em vários senhores e senhoras a “febre da cultura”, mas suspeita-se que seja contagiosa, porque tem atacado imensa gente que até há poucos meses nem sabia (o exemplo é arbitrário) distinguir um Picasso de um Monet - com este remate ficam a perceber que este texto não é sobre a cultura dos campos, e também podia ser, que a “cultura” em si tanto nutre corpos como espíritos (a prová-lo está a etimologia da palavra).  A febre de que falo bem podia ser uma  epidemia saborosa (passem por cima do paradoxo, se fazem favor, e vamos ao que interessa!)  que isto de se remeter os assuntos culturais para meia dúzia de iluminados pensadores e ilustres artistas, curiosamente sempre dentro da mesma roda de amigos (?), ora agora apresento eu o teu livro e amanhã fazes tu o prefácio para o meu,  cansa muito, é redutora e o cidadão dito comum não é parvo (enfim, alguns são mesmo idiotas, mas já sabem que tenho de falar no geral, não é?). Dizia eu, porém,  que a tal febre, infelizmente, é uma coisa por demais aflitiva, e quase se diria anti-cultural.


Podia, agora, pretensiosamente, encher umas páginas com várias definições de “o que é a cultura”, cedendo aos hábitos de docente, mas ficam os leitores deste jornal muito mais bem servidos se forem procurar por si próprios em Edward Taylor, Ernst Cassirer, Ortega y Gasset, por exemplo (e fico por aqui, porque é quase Verão e estas leituras não combinam com cerveja).


Convencionou-se que “cultura” é “tudo”. Depreendeu-se que, já que é “o conjunto dos produtos, dos actos e processos especificamente humanos” (Francisco Romero, uma definição possível), então cabe tudo lá dentro – com perdão da frase! Ora, já que é “tudo”, “qualquer um” (eu, tu, a vizinha Maria e o gato dela, o sr. Dr. Pancrácio deputado e o sobrinho dentista mais-a-menina-que-está-tirando-um-dente-e-tem-a-boca-aberta) pode opinar sobre isso. Isso o quê? Pois, isso tudo. Chamemos a senhora que vende uvas, a mulher do deputado e um assessor de imprensa e façamos um debate.


Agora vem a parte pior. Nos debates ninguém discute ideias. Dá-se um parecer - como na função pública-, tem-se um outro olhar - expressão tão na moda que todos os utilizadores de óculos se sentem, de repente, muito mais charmosos e importantes-,  dizem-se opiniões pessoalíssimas (e, como é sabido, cada qual tem a sua, sendo a da vizinha Maria tão válida, enquanto pessoa, como a do Pancrácio e a da menina-da-boca-aberta). Se tudo o que fazem é dar opiniões enquanto cidadãos e não especialistas em determinado assunto, então podemos todos dar opinião, viva, viva, eu também quero e o menino que está ali na Praça da República também tem algo de interessante a acrescentar a este tema e à problemática da questão. As construções com que mais se começam frases são “Eu acho que... Julgo que... Há aspectos importantes a ressalvar aqui, na minha opinião... Tenho ideia que...”  Se analisarmos bem a coisa aquele “Eu acho que... “ equivale a que não se percebe nada do assunto, mas lá ter-se uma opinião sobre ele, isso não falha! Os próprios jornalistas – manhosos! – já perguntam: “O que é que o senhor ministro acha disto?”, encurralando o infeliz na opinião de trazer por casa. Apetece responder “Cheira-me que a sra. jornalista é capaz de ter razão!” No fundo, ninguém percebe nada dos assuntos de que debita, mas o importante é nunca dizer “Não sei” e, sobretudo, emitir uma opinião porque há muita gente com o receptor ligado. Além disso, sofre-se de uma grande falta de conclusões verdadeiramente pessoais, o que é muito, mas muito mais grave. Grande parte das ideias são roubadas do Reader’s Digest, do vizinho, da internet que se devora, do que se ouviu dizer no café.


Antigamente, éramos um país de poetas. Hoje, não. Somos um país de pensantes (e não pensadores, coisa que implica que pensamos realmente quase todos e, como disse acima, isso é que era doce!) e, o que é mais, de pensantes cultos, especialistas em generalidades  - atenção ao contra-senso! - e que procuram subsidíos para a publicação de livros e a pintura de quadros (ainda não chegou a febre à música e à dança, mas o dia aproxima-se a passos larguíssimos!).  Todos conhecemos algumas destas obras sublimes: quadros que, por pudor, não confessamos serem tal e qual os desenhos que o nosso filho fazia na creche, acompanhados de títulos sonantes, do estilo “O Obscuro Impossível” ou “ Depois do Mito, o Feminino Esplendor” (estes inventei-os agora; rezo para que não sejam cartaz de nenhum pós-moderno!); livros de poem(inh)as, em que o “amor” por uma bela “flor” está sempre repleto de “dor” num tempo de “calor” (estes livros são um horror, mas o autor – perdão por tanta rima! – já se julga um Nemésio ou um Antero, porque são os dois únicos poetas açorianos que ele conhece, fora a Natália porque foi deputada).  Há ainda outro estilo, mais em voga nos auto-denominados novos intelectuais, que consiste numa página quase em branco com excepção de duas linhas de poema no fim da página, linhas essas de grande rebuscamento lexical, mas que, espremidinhas, são muito menos avassaladoras que um “ditado” da minha avó (salta a malta da cultura popular a lembrar que isso também é cultura!).


No fundo, o que  assusta é o afundamento da cultura, ao se pretender elevá-la. Seria desejável que assim fosse e que a sociedade partilhasse conhecimentos e experiências. Mas não parece que seja isso o que se procura nem o que está a acontecer. O Homem culto reflecte, tenta estabelecer relações, questiona, problematiza, mas as suas conclusões são provisórias, porque este mundo onde estamos todos - sim, todos! - não tem as certezas absolutas, as conclusões paginadas que os devoradores de enciclopédias (via net, por ser mais moderno)  e os debitadores de “a mim, parece-me que...” nos querem fazer engolir.