El Gran Laberinto, o novo livro de Fernando Savater, é um romance de aventuras juvenil. Este rótulo – é necessário enquadrar o que se escreve num género qualquer, para agradar aos teóricos e confortar os entrevistadores (e vice-versa!) – é explicado pelo autor: “Um livro que só agrade a uma criança não vale a pena nem para a criança. A literatura juvenil é aquela que também pode agradar aos jovens.” Fã incondicional de Júlio Verne, de R. L. Stevenson e de todos os relatos iniciáticos que marcam os anos inquietantes de aventura e descoberta adolescente, este catedrático de Ética da Universidad Complutense de Madrid opina que escrever para jovens obriga a renunciar aos artifícios pedantes de que geralmente se socorre um escritor: “Podes impressionar um adulto com uma citação de Habermas ou de Popper, mas um puto de 13 anos não se impressiona minimamente. Tens de te defender com as tuas próprias armas. Não te podes esconder em truques eruditos. Os jovens obrigam-te a seres directo, e isso faz com o que escrevas valha por si mesmo. Deitas fora as tuas muletas culturais. Nós, os do mundo académico, temos muitas vezes essa tendência: a de nos refugiarmos atrás das citações. São muralhas! È por isso que gosto tanto deste exercício – fico com o corpo a descoberto.”
Savater é muito conhecido pelos seus livros La infancia recuperada, Ética para Amador e Politica para Amador, todos eles com uma dimensão pedagógica acentuada. Educar é, para este professor, algo de apaixonante e não uma tortura, pelo que faz sentido passar essa mensagem nas suas obras. Entenda-se “educar” como “aproximar as ideias das pessoas para que possam ser melhor compreendidas” e não a filosofia discursiva de uma elite ou a massificação de um didactismo aborrecido. Aliás, a literatura pressupõe-se divertida. O próprio Savater confessa ser, como José Luís Borges, um leitor hedónico, que não seria nada mais se lhe pagassem somente para viver lendo: “A leitura é, em primeiro lugar, um prazer e os prazeres não se impõem, comunicam-se por contágio.O prazer da leitura tem de ser contagiante.”
A ideia de El Gran Laberinto foge à noção estrutural de um romance deste sub-género (na época pós-moderna, à falta de melhor adjectivação para o casino temporal em que vivemos, ainda subsistirão estes esquemas?) - a intenção do autor era construí-lo como se fosse um vídeo-jogo. De facto, foi a sua mulher, aficcionada dos vídeo-jogos e já cansada das críticas que se faziam a quem passava a vida de comando na mão, quem lhe deu a ideia: em vez de criticar tanto o pessoal fã dos jogos de computador, e de dizer que os putos não lêem e são uns viciados do ecrã, porque não tentar fazer um romance juvenil de aventuras que lhes desse exactamente o que lhes dão os vídeo-jogos – aventura, risco, o poder de decidir, de escolher, a febre da luta, a ultrapassagem de si mesmos e a glória de um objectivo final?
Savater entendeu que todo o vídeo-jogo não é mais que uma forma de mecanismo iniciático e, no fundo, de educação – fonte de experiência através de determinadas passagens e consultas, daí que agrade tanto ao adolescente. Com uma certa perícia, chega-se à glória; quando não, não há recompensa. São uma forma imaginativa de recuperar histórias. Para tempos diferentes, um modo diferente de narração.
El Gran Laberinto pretende ser, assim, um multimédia convertido em romance, em que cada viagem das personagens trata de um problema actual – o fanatismo religioso, a violência sobre os mais fracos, a ciência ao serviço da guerra, etc. Isto porque o autor acredita que a literatura é, a seu modo, uma espécie de farmácia, na qual há remédios para todas as doenças, basta procurarmos. Preocupa-o, de modo particular, a questão dos nacionalismos (Savater é natural do País Basco, sofreu variadas agressões na sua região e, assinale-se, venceu o Prémio Sakharov de Direitos Humanos). Segundo ele, “o problema dos nacionalismos não é um problema real como a fome, a educação ou o desemprego. Não são os territórios que têm direitos, mas sim os cidadãos. E é com os cidadãos, não com os territórios, que devemos preocupar-nos.” A mesma posição assume em relação à língua: “São os falantes que têm direito à língua, não as línguas que têm direito a procurar falantes. Se os falantes decidem falar outra, têm esse direito. Os nacionalismos crêem que tudo tem direitos, excepto as pessoas.”
Para este educador, as pessoas e o seu viver são o mais importante. Assim, ele gostaria que os seus livros fossem pontos de partida e não de chegada. Partidas para outras leituras, outros prazeres. É por isso que há tantas referências e pistas para um leitor atento.
El Gran Laberinto não deixa de ser polémico, sobretudo por se coadunar com a internet, de certa forma. Savater crê que não podemos negar a modernidade. Para ele, “ler é ler um livro” e nada retira o prazer do papel. Mas é compreensível que outras gerações tenham outros interesses porque nasceram dentro de outro espectro de circunstâncias: “O que é preciso é conservar vivo o prazer que a leitura encerra. Pensemos que muitos dos nossos antepassados, tão importantes intelectualmente, nunca tiveram um livro, em sentido moderno - Séneca, Aristóteles... nunca leram nenhum.”
Mas isso de ler não é fugir a uma vida, a um viver no sentido verdadeiro do verbo? Savater diz-nos que “as coisas mais belas, como o amor, como a religião, têm sido tremendamente mal usadas. Com a literatura, pode acontecer o mesmo.”