... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, August 10, 2006

O Turismo que Temos

O que se ouve dizer é que os Açores estão todos virados para o turismo. Houve a época da planta tintureira, a da laranja, a das vaquinhas (e ainda estão por aí, oh quantas!...) e agora – vou, elegantemente, fazer o salto no tempo de alguns booms económicos, porque se não sou historiadora tão pouco sou economista! -  quer-se apostar no turismo. Palmas.


Para perceber porque é que não temos mais turistas, convém sair dos Açores e voltar como se fosse turista, que é o mesmo que dizer como se não se soubesse do que é que a casa gasta. Na verdade, nem é preciso sair porque o bom português está sempre pronto a reclamar do que vê no seu país, quanto mais na sua região, na sua ilha brada aos céus (repare-se que um português insulta outro dizendo “essa tua atitude é mesmo portuguesa!”, frase que prova que o nacionalismo por cá nunca há-de vingar!)  não sendo de estranhar, por isso, que o turista – quantas vezes mais delicado e mais sorridente- também vá enfiando a sua farpa, murmurada noutro idioma.


Não pretendo com isto fazer a apologia desses senhores de sandália com peúga, não!  Bem sei que há muitos turistas a quem apetece apertar o pescoço, sobretudo quando começam a perguntar “porque é que não há aqui o doce de laranja igual ao doce que se faz na Suécia?” e se não temos “trufas negras para acompanhar o bife de porco, porque toda a gente sabe que só se pode comer bife de porco com trufas e é uma porcaria se não se come dessa maneira!”


Pessoalmente, quando vou a outro país, procuro as tradições e costumes desse lugar novo onde estou. Acredito que conhecer um sítio é, também, conhecer os cheiros, a comida, as danças, a música, as pessoas desse mundo novo e não só as paisagens e os museus. Se fosse só por isso, comprava um livro de fotografias e até me cansava menos. No entanto, é assombroso o número de pessoas que, quando viaja, espera encontrar a sua vidinha noutro lugar! Irritam-se por não verem a comida temperadinha com as mesmas especiarias e perguntam por marcas de vinhos que a gente nem sonha (ao que apetece responder, de imediato, “beba vinho do Pico que fica mais bem servido!”). Deste mesmo mal, sofrem muitos portugueses quando vão de férias, o mal de quererem levar a Pátria consigo, dentro de uma mochila de campismo. Essa Pátria da qual ainda há dois minutos diziam raios e coriscos, agora vai bem embrulhada na forma de pastéis de bacalhau (porque não se sabe se nessas terras do demo os fazem), de revistas mil, e até de papel higiénico (porque há certos países que não são tão limpinhos como o nosso... neste ponto, têm razão, mas adiante).


O certo é que se queremos turistas, temos de nos vender. Isto dito assim, parece mal, mas é verdade. Há que engolir uns quantos sapos, sorrir sempre e ter muita paciência. São turistas, não sabem a sua mão direita. Mas nós é que precisamos deles, a ver se entendemos isto.


Vamos pôr-nos outra vez na pele do turista, o que não é difícil – já sabemos que não há quem se sinta mais estrangeiro do que um português em Portugal (até há os que falam mal português e tudo!). Repare-se na cara de má-disposição que uma pessoa encontra quando vai a um estabelecimento. Longe vão os tempos em que se dizia “Bom dia!” Isso é que era! Agora, temos muita sorte se apanhamos um sorriso, ainda que breve, de quem serve. Regra geral, está tudo com uma fronha de ressaca. Nós é que fazemos o favor de ir ali comprar /comer/ dormir! Que fique desde já esclarecido, nem pio, venha o próximo da fila.


Os transportes são um drama.Certo, estamos em ilhas. Dependemos dos aviões e dos barcos. Não vou por aí, porque todos sabemos como dói voar (monetariamente) e nem sempre se pode andar no mar (dado que não há barcos no Inverno entre todas as ilhas). Depois de chegar à ilha em questão, qualquer que ela seja, o turista está absolutamente preso na cidade onde vai ficar. Os transportes terrestres são muito escassos e sem horário (muito) fixo. Ao fim-de-semana, então, nem pensar em sair da cidade, que ideia!... A não ser que se esteja disposto a pagar um balúrdio por um táxi.


A verdade é que qualquer cidade açoriana se vê num dia (um iluminado está a pensar, neste instante que Ponta Delgada oferece a possibilidade de ir fazer compras ao Parque Atlântico, mas centros comerciais existem em todo o mundo. Certo é que este tem uma baleia artificial como enfeite, mas estou em crer que baleias destas só são interessantes para quem nunca viu uma baleia real). Depois desse dia, procura-se a natureza, as paisagens, que são, enfim, aquilo que os Açores têm para oferecer de diferente e de genuíno.


 Sim, porque quem quer praias tórridas vai para o calor intenso das Caríbas ou do Mediterrâneo; quem quer neve, vai ao Norte. Não será o nosso clima incerto que vai atrair turistas. Não será a nossa História que, por mais interessante, não bate o Renascimento italiano ou a Grécia Antiga. Só nos podemos valer da natureza ainda agreste, do mar ainda puro e da simpatia que ainda resta nos olhos e mãos do povo. Assim, não vale de nada  construir dezenas de unidades hoteleiras para prender as pessoas numa cidade sem lhes dar um sistema de trasnportes em conformidade para que possam explorar o campo.


Os gregos, que vivem do turismo, são quase brutais no ataque ao turista. Vamos na rua e há criaturas que surgem de todos os lados a perguntar se não queremos experimentar o prato tradicional (do qual nunca é revelado muito), a baklava, ou se não queremos fazer uma excursão não sei onde. Todo o bocado de rocha, feio e tosco, saíu, de certeza, do Pártenon. O Olimpo multiplicou-se numa miríade de deuses e deusas em miniatura que todo o turista compra – eu própria fui ingenuamente levada na conversa de comprar uma deusa da água (duvidando muito da sua existência) porque “era mesmo parecida comigo!” segundo o vendedor - todos os que me lêem saberão que tenho muito pouco de deusa...


Outro aspecto muito nosso é a sorna domingueira. Ao Domingo, fecha tudo. O turista pensa que está numa cidade fantasma. Não há nada para fazer! Qualquer cidade que pensa fazer do turismo um negócio, tem tudo aberto ao Domingo. Ou então, deixamos de brincar com esta ideia do turismo e assumimos que não temos vocação para receber gente e que essa coisa de “cidade hospitaleira” é só uma semana por ano.