... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, May 18, 2007

A Opinião Pública


Esta opinião (a minha, não a pública) vem a propósito de uma conversa que tive noutro dia com um amigo, em que lhe disse que não me preocupava nada com a opinião alheia, nomeadamente no que concerne a assuntos pessoais, ao que ele me respondeu ser isso impossível porque todos temos necessidade de aprovação, sendo o Homem um ser social e blablabla.
Reformulando: não me preocupo nada com a opinião pública e julgo que qualquer pessoa com dois dedos de testa também não se preocupará.


Em primeiro lugar, a opinião pública é como um coro de vizinhas velhas e rabugentas, preocupadas com o seu quintal e com as laranjas da sua laranjeira que parecem estar a tombar para o nosso lado do muro, e não vá a gente lembrar-se de tirar uma. Porém, se por acaso, o gato delas roer as nossas plantas, até nos oferecem um cesto de laranjas com laço a decorar. A opinião pública muda como um catavento; se soubermos a razão da mudança ainda temos muita sorte.


Lembro-me sempre de uma situação engraçada acerca do valor das pessoas para o público: certa ocasião, quando o Eriksson era treinador do Benfica, a equipa estava a ter um campeonato muito fraquinho e andavam todos a falar mal do homem como se ele fosse pior do que um iogurte ingerido fora de prazo; entretanto, o Benfica jogou para a Taça dos Campeões e fez um figurão, passando o Eriksson de besta a bestial num espaço de 90 minutos. Houve mesmo um jornalista que lhe pôs esta questão – o eterno “Como se sente por o povo português agora passar a considerá-lo um herói quando ainda ontem se dizia tão mal de si?” O homem riu-se e disse que “Já não era a primeira vez!”.


De facto, tendo em conta que individualmente a maior parte das pessoas até pensa mais ou menos bem (ou, pelo menos, pensa) mas quando integrada num grupo parece perder as suas capacidades de lucidez e de raciocício - range os dentes e entra num espírito de carneirada, vamos todos por ali, por onde não se sabe bem, quase de olhos fechados que estão mas é por ali que vão - não sei por que carga de água se há-de atribuir grande importância à opinião desse rebanho. Experimentem perguntar-lhes o porquê de qualquer coisa / assunto / ideia  / ódio ou amor viscerais e a resposta será, 90 por cento das vezes, “eu ouvi dizer que…”. Logo, a opinião pública não só tem muito pouco de própria (no sentido de individualmente pensada) como de fundamentada nada tem. Vive de hits de momento, de foguetórios para animar a malta quando não há festarola nem há mais de que falar e de “ouviste a última? a mim, também me parece que sim”. O parecer é fundamental, porque ninguém quer ser responsável por dar certezas algumas de nada, claro está.


Não se pense que isto é exclusivo das classes sociais menos letradas. Nem pensar! Isto é de todos e para todos. Ou não fosse esta opinião… pública. A malta das literaturas, por exemplo, também tem opiniões assim elevadas e dadas a mudarem de rumo conforme sopra o vento (não raro estão eles a soprarem para que o vento mude de direcção mais depressa…). Como exemplo, Vladimir Nabokov expressou grande surpresa por um dos seus livros ter sido analisado – sincronicamente!- da seguinte forma, por dois grupos de críticos diferentes: “ A Velha Europa troçando da Nova América” e “A Nova América troçando da Velha Europa”  (Nabokov, On a Book Entitled Lolita, Nov. 1956).


Assim, é justo dizer que a opinião pública é uma espécie de mentira social, murmurada primeiro, gritada depois, levada em braços e, finalmente, deitada no lixo. Afinal, se pensarem dois minutos, vocês conhecem mais gente inteligente ou mais gente de mente desocupada e boca grande? Pois, são os fazedores da opinião pública.

Friday, May 4, 2007

Lusofobia e Lusofagia


Há pouco tempo atrás, quando trabalhava noutro país, um jornalista disse-me que a comunidade portuguesa era um caso curioso porque “não gostavam uns dos outros”. Como eu vivia muito deslocada daquilo a que vulgarmente se chama a comunidade emigrante (dado que na minha cidade praticamente não havia portugueses e no meu trabalho éramos duas, coisa sem relevância no meio da máquina trituradora de centenas), não pude pronunciar-me nem a favor nem contra. Hoje, porém, penso que os portugueses não gostam uns dos outros nem lá fora nem muito menos cá dentro, que é, como quem diz, em Portugal.


Basta pensar no caso simples dos portugueses em férias no estrangeiro. Não há nacionalidade que mais goste de comprar T-shirts com nomes de cidades. É vê-los com “LONDON”, “AMSTERDAM”  estampados nas camisas logo ao segundo dia de repouso e sol (se bem que escolhi maus exemplos para “sol”). Têm uma necessidade premente de se integrar na onda do sítio para onde foram, esquecendo que qualquer cidadão local (pelo menos os que gozam do seu perfeito juízo... pronto, isso exclui uma percentagem razoável) não usa uma T-shirt com o nome da cidade onde habita estampada em letras garrafais. Estão a ver o que era se andássemos por aí com camisas ostentando “HORTA”? Não respondam à retórica, por favor.


O português em férias também tenta não falar a sua língua, mas sim a língua do visitado. Isto pode ser um sinal de simpatia para com o país acolhedor, e até de um certo polilinguismo que nem todas as nacionalidades possuem, seja porque a língua portuguesa tem uma amplitude fonética muito grande (o que lhe permite “imitar” outras com uma certa facilidade), seja porque temos, culturalmente, maior acesso a vários idiomas que não têm acesso à língua portuguesa (quantas vezes um inglês terá ouvido falar português antes de chegar a Portugal, por exemplo?).


Porém, passe o facto de sermos simpáticos, espertos e abertos ao mundo – já vos dei elogios para 15 dias! -, a verdade é que o português também tem, muitas vezes, desgosto. Quantas nacionalidades diriam coisas como “Eu até  gosto de português, mas prefiro ouvir outra língua”?  O que ele, realmente, apreciava era aprender português assim como quem aprende a arte do origami: qualquer coisa exótica e distante, para preencher o fim de tarde. Tendo em conta a maneira como muitos se expressam ao falar, até leva a crer que é mesmo isso que andaram a fazer na primeira infância...


O português tem, sobretudo, vergonha dos seus compatriotas quando está noutro país. Vai no Metro de Paris (cidade mais recheada de portugueses que uma lixeira de moscas)  e ouve falar português (mal) misturado de francês (pior). É o chamado francoguês, que dá pérolas como esta: “Pleuvera-til, Mariana? Não, il ping, seulement.” O português ouvinte esconde-se atrás do jornal, cora, tem suores frios, está em pânico de que o resto da carruagem descubra, por azar, que ele também é português. Que infortúnio! Mas porque é que esta gente não vai toda para as suas casinhas na Serra?! Na verdade, um português julga-se sempre melhor que todos os outros portugueses  - já o francês julga-se melhor, e ponto final! 


Mas ainda nem vos falei da Lusofagia – vocábulo que roubei ao tal jornalista (mas ele também não sabe e quem lhe disser é um lusófago!). O caso é simples...
Uma comunidade de portugueses (quer habite na Mauritânia, na Serra Nevada ou na minha rua) tem dificuldade em dividir. Há uma espécie de jogo de vaidades onde toda a gente se queima e ninguém ganha coisa alguma. E isto não acontece por uma ambição natural de querer progredir – seja esse progresso íntimo de que natureza for -, mas por uma mal dissimulada inveja do “quintalinho do vizinho”, que se traduz em aparecer numa revista social, em ser distinguido, em não poder ver ninguém fazer nada que não se pense logo que o fez obscuramente, em pensar que de tudo se podem tirar dividendos do alheio para benefício próprio, em desculpar isto “porque todos o fazemos assim”.


Claro que vocês estão a pensar exactamente o que eu disse na época ao tal jornalista:  isto é universal, não é um drama exclusivamente português! Certo. Concordamos. O problema é que o nosso Portugal, e dentro dele, os nossos Açores são tão pequeninos que tudo se nota muito mais, como se a formiguinha, vista à lupa, fosse logo candidata a elefante.