... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, July 27, 2007

Fraldinha e Sabonete


Li, numa revista médica, que as mulheres engravidam mais nos meses de Verão. Havia uma data de razões apontadas, metade das quais não me lembro, mas sobretudo o nível de produção de hormonas de ambos os sexos -ao que parece, os níveis de testosterona dos homens são mais altos nos meses de calor - que, como todos sabemos leva a uma maior predisposição para fazer bebés (embora “fazer bebés” não seja aquilo que realmente se queira 98% das vezes).


O facto não me surpreende. Na minha própria família, quase todos nascemos na Primavera (e início do Verão, quando o pessoal já andava a gastar os últimos cartuchos...) Assim, contando nove meses para trás, as mulheres terão engravidado na época estival. 


Actualmente, a maior parte das minhas amigas estão todas a tentar engravidar Algumas já ostentam orgulhosamente uma barriguinha que só com muito esforço se vê. Agora que escrevo isto, reparo bem no contrasenso que é, porque até há bem pouco tempo atrás o que mais se queria era não engravidar e era uma grande desgraça se tal drama nos batesse à porta. De repente, querem todas  ter o primeiro bebé. É uma febre que ataca as mulheres que sentem chegar o fim da década dos vinte anos – acende-se um sinal vermelho dentro do cérebro que diz: “Alto, Maria! A Sara, a Sofia e a Bernardete já engravidaram... Tenho de me despachar senão qualquer dia não tenho assunto nenhum para falar com elas, porque elas já só falam de marcas de fraldas e de parto sem dor. Hum... A ver se me engano  na toma da pílula este mês...”


O assunto agrava-se quando há uma cunhada ou uma irmã que (supremo infortúnio!) já deu o primeiro netinho aos ansiosos avós. Já não vamos a tempo! A acérrima competição entra agora no campo familiar. Não raro a avó em potência excita as feras, com suspiros “O desgosto que tenho de ainda não ter uma menina correndo neste quintal, ao lado do netinho que a Luísa me deu. Ainda bem, Luísa, que me trouxeste a alegria desta criança!”, e aí temos esta Luísa (cunhada que sempre odiámos secretamente!), toda inchada de um pedaço de gente que berra e se baba todo o santo dia.


Depois, há o problema da idade. Ainda ontem éramos umas rapariguinhas – “Vê lá não chegues tarde a casa...”; “Quem é esse tipo com quem andas agora? Ainda me parece pior que o anterior!”; “Onde é que estiveste? ;”, etc, . Subitamente e sem aviso, já temos de nos despachar ou começamos a ser “um bocado velhotas para ter o primeiro filho”. Porquê? Porque senão o corpo pode não voltar a ser o mesmo, que é como quem diz não voltar a ter o mesmo peso, abrir estrias por toda a santa curva, descair o peito, ficar flácido aqui e acolá. Isto tudo vai fatalmente acontecer quer uma pessoa tenha filhos agora ou depois, e até há-de acontecer a quem nunca os tiver, mas nós, pobres ingénuas, gostamos de pensar que se seguirmos certas regras na vida, evitamos todas as misérias que a velhice traz. Mais tarde, quando chegar a pancada cruel, havemos de dar razão à nossa avó, mas não interessa porque aí já havemos de ter a idade dela e ninguém, sobretudo os filhos e netos que eventualmente tivermos, nos hão-de dar ouvidos.


Uma mulher é olhada muito de lado ao assumir que não quer ter filhos. Imediatamente, é um ser anti-social, mais ou menos como os que insistem em andar de bicicleta neste mundo de carros, os que preferem ter uma iguana como animal de estimação em vez de um cão ou os que não usam gravata no escritório. Neste mundo, só há um crime pior do que ser diferente – é ter genuíno prazer em sê-lo. “Mas porquê, Maria?” perguntam a amiga, a vizinha, a mãe dela,  e o patrão que antes refilou por contratar uma mulher dado que “as gajas engravidam e depois é uma chatice...”  Não interessam as razões da Maria, porque todos lhe hão-de dizer que não é natural  -  vigora a ideia de que uma mulher só se pode sentir realizada se der à luz.


Repare-se que não é educar que parece importante ao mundo, mas sim o acto de fazer nascer. Ter filhos é fácil (sobretudo para mim, que, efectivamente, nunca pari nenhum.) Como é coisa que já se vem fazendo desde que o Mundo é Mundo, julgo que a Natureza se encarregou de nos dotar com esse saber inato, sem necessidade dessa ideia tão pós-moderna e hollywoddesca – agora também nos Açores, iupi! - que são as “aulas de preparação para o parto”, que, segundo sei, não existem no Terceiro Mundo onde os bebés são mais que as mães  continuam. Mais difícil é criá-los depois.


Actualmente, há umas versões de “pai” e “mãe” muito em voga que são “o/a amigo/a mais velho/a”. Não têm conta os pais e mães que dizem “Eu o que quero é ser uma espécie de amigo/a mais velho/a do meu filho, não exactamente um pai/uma mãe”. Ora, se não querem ser pais nem mães, faz sentido terem filhos? É que amigos podem-se ter vários na vida, e escolhemo-los nós, mas pai e mãe será difícil arranjar outros...


É verdade que a educação é uma coisa ingrata – é preciso castigar as maldades e saber dizer que sim e que não e dar uns abraços apertados e proteger só na medida certa e blablabla e é o maior quebra-cabeças do mundo para se ter com alguém que na primeira oportunidade nos vai dizer que fizemos quase tudo errado.


Felizmente, está cheia de momentos inesquecíveis e divertidos. Não resisto a contar um, que se passou com um menino de cinco anos, a quem o meu sogro tentava ensinar algo sobre a bondade e a vida eterna. Depois de uma grande prelecção sobre boas acções, fez-lhe perguntas para se assegurar de que ele tinha percebido. “Então, se eu for à missa sempre, vou para o céu?”. “Não”, disse o miúdo. “Muito bem. E se eu tiver muito dinheiro vou para o céu?” “Não”. “Claro. O que é que é preciso para irmos para o céu?”. O menino não tinha dúvidas – “Temos de estar mortos”. 

Wednesday, July 4, 2007

O Choque Tecnológico


Vivemos numa época em que é (quase) tudo absurdamente fácil. Não nos damos conta disso porque estamos automaticamente programados para viver assim. As invenções e  esquemas novos que nos facilitam a vida entram depressa no nosso sistema e, passados uns meses, já nem nos lembramos como foi possível viver sem aquela tecnologia ou mecanismo.


Isto vem a propósito de um momento insólito que vivi recentemente. Vivo num condomínio, cujo portão nos permite a todos entrar para dentro do chão comum que nos leva aos nossos apartamentos, e esse portão funciona electricamente – carrega-se num botão e abre-se o portão; nada mais simples (e rima!). Acontece que a electricidade falhou. Algo que para os nossos pais (nem digo avós...) seria encarado como quase comum, mas nós maldizemos logo a EDA, as obras da Câmara, o Governo e a Assembleia (de notar que algumas destas entidades não têm absolutamente nada a ver com a falta temporária de electricidade, mas é extraordinário ver como são sempre metidas ao barulho sempre e quando falta qualquer coisa na vida de um cidadão).


Chegámos nós ao portão para sair de casa e, gesto automático, carregámos no botão. Não abriu. O pânico instalou-se. As vozes levantaram-se: “Não podemos sair; estamos presos em casa!”. A minha amiga lembrou: “Vamos saltar o portão!”, mas a vontade não era muita, porque é alto, complexo, e – obviamente - foi feito para que ninguém o saltasse… Só depois de analisadas várias hipóteses,  incluindo a solução Tarzan - saltar a varanda das traseiras (um risco físico muito pior do que saltar o portão, e susceptível de causar um ataque de coração à vizinha do prédio ao lado) e a solução Calimero – esperar, calmos e conformados, que voltasse a luz… - é que alguém (pronto, fui eu, podem bater palmas) se lembrou que devia haver uma chave do portão.


Primeiro, fomos ao portão confirmar que sim senhor, havia lugar a uma chave, não era de todo um portão ultra-hiper-extra-moderno, sem lugar para uma coisa tão corriqueira como um buraco de fechadura. Depois, ficámos com cara de palhaços (é o que somos…), porque não nos tínhamos lembrado do bom e velho método da chavinha na porta antes. Contemporâneos extravagantes! E agora, onde está a chave do portão?! Porque, evidentemente, nunca a tínhamos usado nem sequer dado conta da sua existência…


Este pequeno episódio doméstico não serve só para ilustrar que somos um pouco disfuncionais, coisa que, evidentemente, só interessa aos próprios. Serve, sobretudo, para dizer que neste mundo Moderno já ninguém se lembra do mais evidente. A tecnologia devia ser apelativa, sobretudo por poupar tempo para depois se aproveitar melhor a vida, mas, muitas vezes, impede as pessoas de pensar – não estaremos a ficar um bocadinho mais ignorantes com tanta facilitação? As criancinhas, agora, usam todas calculadora antes de saberem a tabuada, pelo que nunca a saberão; está fora de moda ensinar a gramática como deve ser, porque as regras gramaticais limitam a livre expressão (aliás, o erro, dependendo de quem vem, passou a ser considerado figura de estilo…).


 É fácil desculpabilizarmo-nos no mundo tecnológico – a culpa não é nossa, foi qualquer coisa na porcaria do sistema que falhou. E também posso culpar o computador porque, como diz um senhor que conheço, ele nunca há-de gritar a defender-se.


Pessoalmente, apesar de viver numa casa sem televisão, e de só muito tarde ter aderido ao telemóvel (e hoje não vivo sem ele, e tenho a firme convicção que me bastava mudar de número para mudar de vida… experimentem!), não posso conceber voltar atrás no tempo para aqueles dias sem as paredes que vomitam dinheiro chamadas Multibanco, sem máquinas digitais que fazem de toda a gente um grande fotógrafo e sem internet em casa que nos permite ser escritores ou músicos em potência, sem jogos virtuais, nos quais somos o Indiana Jones descobrindo templos e matando crocodilos, preguiçosamente sentados no sofá.


Às vezes, não há electricidade e uma pessoa pára. É obrigada a pensar de modo diferente. Até parece que usa uma zona adormecida do cérebro outra vez.