... "And now for something completely different" Monty Python

Wednesday, August 29, 2007

Tudo Bem


Tenho uma amiga que detesta a expressão “Tudo bem?” porque ninguém espera para ouvir a resposta. Ela tem razão. Mas, na verdade, é muito simples: temos medo de a ouvir e fingimos que estamos com pressa (sabemos todos que raras pessoas têm pressa em Portugal, porque a classe trabalhadora é composta por pouca gente e, dentro desta, ainda há que ver os que realmente trabalham...).


Imagine-se o que era descobrir que andava toda a gente tristíssima. Nós, os empáticos, temos imensa dificuldade em lidar com as desgraças alheias porque as sentimos como verdadeiramente nossas, ao menos um bocadinho. Se até chorámos com as criancinhas que, supostamente, morreram no 11 de Setembro! Se temos tanta dificuldade em ver as misérias do Iraque no telejornal! O que não faríamos se soubéssemos que com a nossa amiga “não está”, efectivamente, “tudo bem”. A nossa reacção e subsequente ajuda a um ente querido são pressurosamente inimagináveis.


Claro que há sempre a hipótese de estar, em boa hora, “mesmo tudo muitíssimo bem”. É um grande erro, caríssimos, responder que estamos bem, com cara de gente feliz. Certamente nunca se deve intensificar com o advérbio “muito” a nossa felicidade pessoal. E não é porque fique bem a rugazinha de pensamento soturno a meio da testa, mas sim porque a felicidade levanta suspeita.


Se andamos com um ar muito feliz, logo a reacção geral é de incómodo. Pensam imediatamente "Porque será que aquele caramelo anda todo satisfeito? Que será que ele já sabe que eu ainda não sei? ... De certeza que já meteu a patinha na parte que me cabia a mim! Humpf!" As pessoas têm, bem no fundo de si, a ideia de que a nossa felicidade se ganhou à custa da felicidade de outro alguém. Não há volta a dar-lhe.


De modo que o melhor, para manter a paz de espírito alheia - e , logo, a nossa - é ser o mais low profile possível. E, por mais feliz que estejamos, manter sempre um ar mais ou menos alheado. Um ar "mais ou menos", em suma.


A triste realidade deste mundo é que a maior parte das pessoas aguenta muito melhor a miséria alheia – porque esta lhes permite compadecer-se, humanizar-se, serem, enfim, seres plenos de caridade – do que a felicidade dos outros. O nosso triunfo acaba por suscitar nos demais sorrisos amarelos, elogios que soam a falso. O drama e a tragédia são muito mais apelativos ao coração generoso dos seres do que a partilha da glória. Daí resulta que aqueles para quem” tudo está bem” se sentem culpados da sua felicidade , tão terrível aos olhos dos outros.


Claro que isto do estar bem é sempre momentâneo, porque tudo é efeméro no ciclo vivencial. As criaturas que respondem “tudo bem” e se sentem realmente assim, também não estão completamente satisfeitas com a vida, mas (...pst, cheguem-se agora todos aqui para ouvir o segredo...) estão-se nas tintas para aquilo que não têm neste momento. Como dizia o meu avô: “Se não há, não é preciso.” Este é que é o segredo.


Pensando assim, nem há lugar para a inveja neste mundo. A inveja nasce, realmente, de um sentimento íntimo de comparação. As pessoas comparam a sua vida com a de outro e porque não estão satisfeitas com a vida que levam e supõem que a do outro é mais interessante, cobiçam-na, embora não saibam nada da verdadeira vida que ele leva, na maior parte das vezes. É a divagação, a fabulização de pequenas historietas mentais que causa esse sentimento – até porque o que lhes interessa não é tanto a realidade mas o que lhes permite canalizar o veneno interior. No fundo, a inveja é uma espécie de esgoto, a fossa asséptica da alma de cada um.


Por outro lado, as pessoas adoram dissertar compungidamente sobre os problemas alheios, falar das grandes misérias que bateram à porta dos vizinhos e dos amigos,martirizar-se com culpas e vergonhas de há anos a que juntam outras tantas inventadas, e não esqueçamos aquelas que desfilam o rol das suas doenças e as comparam em praça pública com as doenças dos outros. Depois, junta-se tudo num grande saquinho e fala-se mal da Região e do País, e etc. Apetece perguntar a estas pessoas porque não fizeram uma operação plástica, não se divorciaram, não mudaram de emprego/ amigos/ casa e emigraram. Estão sempre a tempo de mudar de vida, enquanto estiverem vivos. E, já agora, porque é que imaginam que, sempre que estamos a rir, nos havemos de estar a rir deles. Para eles, nunca põem a hipótese. Com eles, de quê? Isso é que era doce.


Enfim, não tenham medo de responder ao “tudo bem?”. Riam-se do mesmo modo que os estrangeiros se riem para os locais, sem razão e sem má interpretação. Já é tempo de começarmos a rir uns para os outros, de assumirmos que estamos mesmo bem, que isto do fado português sofrido e penado, da mulher de lenço preto que espera na praia, já nem a minha avó o fazia. Tenham paciência, mas as pessoas têm mesmo o direito e o dever pessoal de serem felizes.


Saturday, August 4, 2007

Eu Gosto é do Verão

Parece que chegou o Verão. Quase não se dá por ele, especialmente em certos dias brumosos, feios, encapotados e em que mais apetece, ilha por ilha, emigrar para a Sardenha ou para a Córsega ou - caso o desejo de sol seja muito - para S. Tomé.


A maior parte das pessoas (que não eu, escusadamente acrescento, porque “a maior parte” nunca me inclui e é com um desgosto escolar que o digo...) está de férias ou a contar os dias que faltam para as mesmas. As férias são a vingança anual do povo. Depois, já mais apaziguado, e quase “cansado da pasmaceira que é estar sem fazer nada” e dos “dias em família, torrando ao sol”, pode voltar ao trabalho.  Por esta razão, não se compreende porque é que a Natureza, geralmente cooperante, se mostra, este ano, tão antipática, a pôr a língua de fora. Isto só a nós é que nos chateia, porque os turistas (os poucos que temos, que são todos velhos e do Norte e, portanto, dispostos a pensar que estão nas Caraíbas) andam sempre de belo calção, mostrando a alva perna. Até dá jeito que o sol não seja como o sol mediterrâneo, para não queimar a frágil pele idosa e passível de tonalidades encarnadas perigosas.


Férias sem sol de jeito são especialmente cruéis para as mulheres. Anda uma mulher a preparar-se afincadamente, depila daqui e dali, compra creme anti-celulítico, faz dieta, inscreve-se no ginásio, corre a avenida toda ao fim da tarde e até sobe a estrada até à Santa, maldiz os nove meses em que comeu, bebeu, fumou quanto quis – que é o mesmo que dizer, os nove meses em que viveu normalmente - , faz pedicure por causa da sandália, compra um bikini novo, porque o bikini é melhor que o fato-de-banho já que bronzeia o estômago mas é preciso que seja um bikini que estilize a figura e aperte os papos da anca e não deixe sair os papos da barriga, e ainda, se possível, levante e/ou encha o peito ou o rabiosque de quem o tem descaído (o tempo que se perde e as viagens que se fazem para achar estas duas peças!!!). Finalmente, lá acaba por ir à praia, franzindo o nariz porque não há muito sol e o efeito não é tão espectacular como se esperava porque, enfim, não há público suficiente!  Profundamente injusto, o mundo. O mundo é a ilha, claro está. Felizmente, logo se anima, se há amigas por perto. As amigas na praia servem, fundamentalmente, para que a mulher se certifique de que a sua Operação-Verão foi bem sucedida (“Ai, querida, estás tão gira! E muito mais magra! Esse bikini fica-te mesmo bem! Onde arranjaste? Eu procurei uma coisinha assim imenso tempo!” ; “Mas tu também estás espectacular! Que segredo é o teu? Gosto imenso do teu novo corte de cabelo! Estavas a precisar de mudar! Assim estás muito melhor!”), e, não menos importante, para cortar na casaca de todas as outras mulheres. Atenção que isto não é por mal, evidentemente. Tão somente o fazem porque essas criaturas – as outras – não sendo amigas, são gordas (ou, se forem como eu, esqueléticas e desengonçadas), certamente fizeram esforços desumanos para serem assim (ou será que são doentes? “Sim, porque eu já ouvi dizer...”), e vê-se logo que estão mesmo a tentar chamar a atenção com aquele andar e aqueles olhos e aquela saia horrivelmente curta. Blargh. Devia ser proibido.


O Verão sem sol também é duro para os homens. Não há a possibilidade daqueles raios brilhantes como relâmpagos a faiscar nos carros fenomenais que se compraram, que vão dos 0 aos 250 km em poucos segundos, para impressionar os amigos, para fazer inveja aos vizinhos e para dar status. São carros completamente inúteis num sítio circular, curvadinho e centrado como é uma ilha, mas isso não interessa nada, porque o carro não foi adquirido para andar. Um carro não é para andar, eh eh eh, que noção! Um carro é para mostrar ao pessoal. Além disso, sempre se ouviu dizer que as mulheres gostam de homens com carros assim possantes (quem inventou esta estupidez gostava eu de saber?).


De qualquer modo, com sol ou sem sol, sempre há a possibilidade de dar largas ao tuning: faróis de cores, autocolantes, verificação das molas dos estofos (porque nunca se sabe se, em dias de sorte, o carro vai ser mais útil parado do que a andar...) Sobretudo,  pôr a música em altíssimos decibéis para chamar a atenção das miúdas, enquanto se ajeitam os óculos de sol -comprados nas barracas das festas- com a ponta do dedo indicador, e se baixa o vidro da janela do carro, devagarinho. Bonito.
Outro espécime é o surfista de Verão. Surfista que é surfista é-o todo o ano, e com maior razão no Inverno, porque ondas ferozes e boas é com mau tempo que se apanham. Mas nós temos essa especialidade gira que é o surfista estival. Cabelo todo wax, vocabulário cool, bronzeado e (quando calha) giro. Pena é que confunda surf com bodyboard e  não apanhe uma onda que seja sem se espetar. Podia ser interessante se fosse genuíno e, logo, não-sazonal.


Eu gosto do Verão, sinceramente. Adoro o sol. Tenho verdadeiro prazer em comer gelados (embora aí seja um pouco como a publicidade da OLÁ, passe a pub, gosto sempre). Agora, assusta-me é essa coisa de andarem por aí com campanhas de promoção da natalidade no país e no mundo. A natalidade sobe imenso no Verão, como se sabe, com as feromonas em alta e tudo o mais. Mas a mim parece-me que, com gente assim, já temos é pessoas a mais.