Tenho uma amiga que detesta a expressão “Tudo bem?” porque ninguém espera para ouvir a resposta. Ela tem razão. Mas, na verdade, é muito simples: temos medo de a ouvir e fingimos que estamos com pressa (sabemos todos que raras pessoas têm pressa em Portugal, porque a classe trabalhadora é composta por pouca gente e, dentro desta, ainda há que ver os que realmente trabalham...).
Imagine-se o que era descobrir que andava toda a gente tristíssima. Nós, os empáticos, temos imensa dificuldade em lidar com as desgraças alheias porque as sentimos como verdadeiramente nossas, ao menos um bocadinho. Se até chorámos com as criancinhas que, supostamente, morreram no 11 de Setembro! Se temos tanta dificuldade em ver as misérias do Iraque no telejornal! O que não faríamos se soubéssemos que com a nossa amiga “não está”, efectivamente, “tudo bem”. A nossa reacção e subsequente ajuda a um ente querido são pressurosamente inimagináveis.
Claro que há sempre a hipótese de estar, em boa hora, “mesmo tudo muitíssimo bem”. É um grande erro, caríssimos, responder que estamos bem, com cara de gente feliz. Certamente nunca se deve intensificar com o advérbio “muito” a nossa felicidade pessoal. E não é porque fique bem a rugazinha de pensamento soturno a meio da testa, mas sim porque a felicidade levanta suspeita.
Se andamos com um ar muito feliz, logo a reacção geral é de incómodo. Pensam imediatamente "Porque será que aquele caramelo anda todo satisfeito? Que será que ele já sabe que eu ainda não sei? ... De certeza que já meteu a patinha na parte que me cabia a mim! Humpf!" As pessoas têm, bem no fundo de si, a ideia de que a nossa felicidade se ganhou à custa da felicidade de outro alguém. Não há volta a dar-lhe.
De modo que o melhor, para manter a paz de espírito alheia - e , logo, a nossa - é ser o mais low profile possível. E, por mais feliz que estejamos, manter sempre um ar mais ou menos alheado. Um ar "mais ou menos", em suma.
A triste realidade deste mundo é que a maior parte das pessoas aguenta muito melhor a miséria alheia – porque esta lhes permite compadecer-se, humanizar-se, serem, enfim, seres plenos de caridade – do que a felicidade dos outros. O nosso triunfo acaba por suscitar nos demais sorrisos amarelos, elogios que soam a falso. O drama e a tragédia são muito mais apelativos ao coração generoso dos seres do que a partilha da glória. Daí resulta que aqueles para quem” tudo está bem” se sentem culpados da sua felicidade , tão terrível aos olhos dos outros.
Claro que isto do estar bem é sempre momentâneo, porque tudo é efeméro no ciclo vivencial. As criaturas que respondem “tudo bem” e se sentem realmente assim, também não estão completamente satisfeitas com a vida, mas (...pst, cheguem-se agora todos aqui para ouvir o segredo...) estão-se nas tintas para aquilo que não têm neste momento. Como dizia o meu avô: “Se não há, não é preciso.” Este é que é o segredo.
Pensando assim, nem há lugar para a inveja neste mundo. A inveja nasce, realmente, de um sentimento íntimo de comparação. As pessoas comparam a sua vida com a de outro e porque não estão satisfeitas com a vida que levam e supõem que a do outro é mais interessante, cobiçam-na, embora não saibam nada da verdadeira vida que ele leva, na maior parte das vezes. É a divagação, a fabulização de pequenas historietas mentais que causa esse sentimento – até porque o que lhes interessa não é tanto a realidade mas o que lhes permite canalizar o veneno interior. No fundo, a inveja é uma espécie de esgoto, a fossa asséptica da alma de cada um.
Por outro lado, as pessoas adoram dissertar compungidamente sobre os problemas alheios, falar das grandes misérias que bateram à porta dos vizinhos e dos amigos,martirizar-se com culpas e vergonhas de há anos a que juntam outras tantas inventadas, e não esqueçamos aquelas que desfilam o rol das suas doenças e as comparam em praça pública com as doenças dos outros. Depois, junta-se tudo num grande saquinho e fala-se mal da Região e do País, e etc. Apetece perguntar a estas pessoas porque não fizeram uma operação plástica, não se divorciaram, não mudaram de emprego/ amigos/ casa e emigraram. Estão sempre a tempo de mudar de vida, enquanto estiverem vivos. E, já agora, porque é que imaginam que, sempre que estamos a rir, nos havemos de estar a rir deles. Para eles, nunca põem a hipótese. Com eles, de quê? Isso é que era doce.
Enfim, não tenham medo de responder ao “tudo bem?”. Riam-se do mesmo modo que os estrangeiros se riem para os locais, sem razão e sem má interpretação. Já é tempo de começarmos a rir uns para os outros, de assumirmos que estamos mesmo bem, que isto do fado português sofrido e penado, da mulher de lenço preto que espera na praia, já nem a minha avó o fazia. Tenham paciência, mas as pessoas têm mesmo o direito e o dever pessoal de serem felizes.