... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, November 29, 2007

A Comunicação - Parte III - Entre Pais e Filhos

Quando esta relação começa, a geração mais velha está em vantagem porque a mais nova, pura e simplesmente, não sabe falar. Além disso, regra geral, são os pais que ensinam os filhos a falarem, após tentarem, sem qualquer sucesso, comunicarem com eles através de “gugu, nhánhá, pschtiii” e outras baboseiras, acompanhadas de gestos exagerados que nenhum ser que não seja pai de um bebé, palhaço ou domador de focas faz.


Depois de terem ensinado aos filhos a sua linguagem, os pais arrependem-se amargamente e haverá muitos momentos num breve futuro em que hão-de desejar tê-los mantido sem acesso à reinvidicação verbal. Como já antes salientei (ver “A Comunicação, Partes I e II, sff), a linguagem é uma fonte de mal entendidos. Tão só. Mas como não temos outra coisa  - já quase ninguém sabe código Morse e custa bastante fazer sinais de fumo num clima tão húmido – lá vamos falando...


De facto, em breve, as criancinhas que antes choravam para fazer entender que tinham dores de dentes, fome ou pura birra, agora querem explicar as suas razões. Convenhamos que, para a maior parte dos pais, as razões não interessam nada, desde que pare o berreiro. Ou não é verdade que cada vez há mais criancinhas mal-educadas batendo o pé na rua e rivalizando em competência sonora com as sirenes dos Bombeiros porque querem os chocolates e as Barbies e um telemóvel de brincar (Santo Deus!) ? É. Isto tudo numa saída normal de compras ao sábado de manhã. Nem imagino o que pedirão no Natal.


Estes insuportáveis espécimes que não raro nos pespegam pastilhas elásticas no cabelo mas que são, segundo o cliché, “o melhor do mundo” não têm culpa nenhuma de ser assim. A culpa é de outra espécie muito em voga que (não) toma conta deles, denominada “os pais que não querem ter chatices”. Estes pais fabulosos são muito amigalhaços dos filhos, que consideram crianças hiper-activas (outro conceito muito giro e que, hoje em dia, se aplica a quem se mexe um bocadinho mais do que seria desejável e mesmo até a quem se mexe saudavelmente, para aqueles pais hiper severos que têm as casas como se fossem museus, cheias de coisas inúteis e anti-criançada como porcelanas, pratas e jarros sem flores).


Na infância, há também uma fase de comunicação usualmente chamada “idade dos porquês” que irrita muito os progenitores. Este momento da vida deveria antes orgulhá-los pois nunca na existência os filhos voltarão a perguntar-lhes os porquês deste mundo, pela simples razão que não mais voltarão a acreditar que os pais são assim tão sábios.


Na verdade, ao passarem à adolescência, os filhos entram em cheio noutro momento, diametralmente oposto, no qual consideram que os pais, embora geralmente até sejam gajos porreiros, estão um bocado ultrapassados e, portanto, não vale a pena perguntar-lhes nada porque os infelizes cotas já não têm estaleca para tanto. Os próprios pais, nesta altura, vêem–se muitas vezes na situação de ter de pedir favores aos filhos, geralmente de ordem tecnológica: “Ó Rodrigo, será que podes explicar ao pai como é que funciona o blackberry que a empresa me deu?” Tirando estes momentos e os grunhidos monossilábicos com que os filhos respondem aos pais à pergunta “Está tudo bem?”, não há muito mais a dizer quanto à comunicação.


Já na vida adulta, há um desconcertante momento no qual os pais e os filhos estão, por assim dizer, activos e independentes. Como já não falavam há vários anos, não se lhes ocorre nada que possam dizer. É por isso que os avós e os netos são tão importantes nas festas de Natal e outras que juntam as famílias. Na falta de avós e ranchos de criancinhas que façam berreiro, convém ter uma televisão. E comida, claro, porque com a boca cheia as pessoas têm uma desculpa para não falar.


Segue-se, depois, a última fase, que depende do modo como as coisas se passaram na primeira. Quando os pais ficam velhotes e, logo, dependentes dos filhos (seja económica seja fisicamente por questões de mobilidade ou doença), não há filho que não se lembre da sua infância e um sentimentozinho muito humano de “olho por olho, dente por dente” renasce no mais terno e menos vingativo dos seres. Por alguma coisa, a Santa Casa da Misericórdia é a instituição mais rica de Portugal.


E assim termina este ciclo, no qual, como se viu, não é possível pôr grandes culpas na comunicação, dado que ela está cheia de fragilidades. A culpa (palavra feia!), não parece, porém, estar nestas coisas das ligações genéticas, porque, como diz Deborah Tannen, da Cornell University, “a razão pela qual as mães e as filhas não comunicam bem é porque ambas são mulheres.” Pronto. Melhor, só o Freud. 


Thursday, November 15, 2007

A Comunicação - Parte II - Entre os Povos


Outra coisa fenomenal sobre a comunicação são as diferentes línguas, claro. Sempre foi um tema fascinante para mim, não sei se por ser bilingue e depois ter aprendido outras línguas - o que me deu muito jeito, na vida pessoal e profissional; todavia, só me veio confirmar que ninguém se entende, até porque as línguas reflectem seguramente uma questão cultural e não raro também um ambiente.


Um exemplo prático quanto ao ambiente: o ano passado, vivi num país muito frio e foi a primeira vez que me vi envolvida em nevões e que tive de tirar a neve com uma pá da frente da porta para poder sair, muitas vezes diariamente. Antes disto, nunca tinha sequer tocado em neve. A primeira vez que me caíram uns flocozinhos em cima, fiquei numa excitação tremenda, e, muito prosaica e infantil como só um ser humano perante as sensações novas, comecei a dizer: “It’s snowing! It’s snowing!”. A minha colega de trabalho levantou a sobrancelha por cima do seu olho azul direito, dizendo-me “It’s not snow, Carla. It’s flurries.” Após uma semana, já eu tinha percebido a diferença entre a “verdadeira neve” e as “neves ligeiras” - impossível de traduzir melhor isto para português, porque não temos necessidade de mais do que uma palavra para o conceito de “neve” num país onde a mesma é rara e quando ela aparece não tem tantas variações que impliquem outras tantas palavras a condizer. Dizem-me que os inuits, que vivem no extremo norte da Terra, têm mais de cem palavras para definir os tipos de neve. Logo, língua equivale à nomeação do que me rodeia. Se algo não existe na minha realidade, nunca sentirei a necessidade de ter uma palavra para esse conceito.


Quanto à parte antropológico-cultural, idem aspas: mesmo se eu for uma barra em hebraico mas não tiver a sua vivência, sou muito capaz de não entender porque raio têm os hebreus determinadas questões religiosas e culturais, e logo nunca hei-de interiorizar realmente porque carga de água o verbo “yodea” significa igualmente e sem distinção, “amar” e “conhecer”.


O facto de falarmos diferentes línguas levanta, ainda, outra problemática: as expressões idiomáticas. Estas miseráveis são o quebra-cabeças de todos os tradutores e professores de línguas. É de uma beleza primitiva explicar a um estrangeiro frases como esta: “Bem, Maria, tens de fazer das tripas, coração!” Experimente-se dizer isto assim corridinho, como em certos filmes muito bem traduzidos por certas almas: “Well, Mary, you must make of your guts, your heart!” ; “Bon, Marie, tu doit faire de tes intestins, ton coeur!” E agora expliquem que esta expressão de transformar as entranhas num orgão sublime significa dar o máximo. Hã?! As tripas são o máximo?! Ninguém entende. Só um português. E talvez só um gajo do Norte.


Outro dos meus exemplos preferidos é o da distância. Vai um inglês a passar ao pé ali do mercado e pergunta se falta muito para chegar ao aeroporto. Todos sabemos como esse pessoal anda a pé que se mata. O português, solícito, diz-lhe “Hey, don’t go by foot, pá (o português diz sempre “pá”), the airport is in cork’s hooves”, que é como quem diz “em cascos de rolha”. O inglês, baralhado, procura logo “cascos de rolha” no mapa do Faial.


Temos também aquelas expressões lindas que envolvem as nacionalidades alheias. Viver muito bem, ou até com excesso de bens, é viver “à grande e à francesa”. Experimente-se explicar a um francês que «Ici, cher ami, on vivre à la grande et à la française». Com este tipo de frases, se criam conflitos diplomáticos extraordinários. Já para não falar da complicação de como seria, no momento actual da nossa conjuntura política, explicar-lhes a todos a frase: “nós cá não damos cavaco a ninguém”...


Claro que as outras línguas também têm frases feitas que nos dão a volta ao miolo. O espanhol, nisto, é fenomenal. Por exemplo: “Vamonos a tu casa cagando leches.” A primeira vez que ouvi esta expressão, fiquei um bocado atrapalhada, pensando como raio produziríamos tal milagre. Mas, afinal, “cagando leches” significa “rapidamente”, para minha tranquilidade.


Depois, há os falsos amigos linguísticos, aquelas palavras que, sendo iguaizinhas em ambas as línguas, têm, porém, um significado completamente diferente. Analisemos o caso de uma portuguesa que namore um italiano. Ele convida-a para jantar. É impossível a rapariga estar descansada: a “manteiga” portuguesa é “burro”em italiano; o “azeite” português é “olio” em italiano, e o nosso “vinagre é “aceto”, para confundir. Só isto torna impossível que se entendam. Já livres da refeição, não pensem que a digestão será livre de agrumos: “suave” em italiano diz-se “morbido” e “seda” diz-se “seta”. Duros golpes para uma rapariga apaixonada cujo conhecimento lexical da língua do outro não é brilhante. E “subir” diz-se “salire” o que pode terminar a noite duma forma inesperadíssima e ninguém sabe como é que aquilo acabou.


Concluindo com uma verdade de La Palisse: a Babel impede que as pessoas se entendam. Devemos deixar de falar e entendermo-nos só por linguagem gestual? Nem pensar. A linguagem gestual também varia de povo para povo. Experimentem pôr as mãos abertas e esticadas à vossa frente, estilo stop, ao falarem com um grego e arriscam-se a levar um murro.


E vamos lá a ser sinceros: a linguagem gestual portuguesa também deixa a desejar – quem é que alguma vez percebeu a lógica da célebre “hum, este arrozito está de trás da orelha” enquanto apertamos a dita? Pois eu também não.