N.B.: Este texto foi revisto e alterado para ser publicado na edição do dia 29 de Abril de 2011 no jornal Açoriano Oriental.
Estava eu a conversar com uma rapariga da Lituânia que tem uma paixão desmedida por Portugal e vai daí ela perguntou-me porque raio num país como este, bem fornecido de sol, de temperaturas amenas, de bonitas paisagens, de gente (mais ou menos) calma e sem fomes nem misérias de maior na sua generalidade, os portugueses estavam sempre a suspirar e a dizer “Ai, paciência!”.
Eu cá nunca me tinha dado conta que recomendávamos tanta paciência uns aos outros e, ademais, éramos tão plenos de suspiros! Mas é bem verdade. A mais comum das exclamações é mesmo capaz de ser esta, exceptuando outras que, embora não seja de bom tom eu escrever no jornal são, paradoxalmente, as mais ouvidas na rua e das primeiras que qualquer estrangeiro aprende se quiser sobreviver em 70% dos ambientes de trabalho lusos.
Atacando o assunto: porque precisa o português de tanta paciência, sincopadamente suspirada? Eu também não sei!
Confesso, porém, que este hábito já vem de trás... Já a minha bisavó era amiga deste dito. Daqui concluo que o tão apregoado pessimismo português (repare-se que muito pessoal até diz “festa de fim de ano” e nunca “festa de princípio de ano” semanticamente tomando uns copitos pelo ano que passou e não pelo que há-de vir!) nem é bem pessimismo – é uma espécie de amortização da queda. Afinal, o português até quem consciência que vive no “melhor dos mundos possíveis”, como apregoava Leibniz. Simplesmente, de vez em quando lá aparece uma pedrinha no caminho – nada que um espírito navegante e conquistador como o nosso não resolva com meia dúzia de suspiros e caldos de paciência.
Outra coisa que muito gostamos de fazer é chamar por Deus. Mas na base da confiança! Raros povos alcançaram um tu-cá-tu-lá com o divino como nós. Enquanto que, por exemplo, os espanhóis têm tanto respeitinho a Deus que, só de pensarem nele intensamente, há centenas de espanhóis que sofrem de stigmatae (vulgo, estigmas, aquelas feridas sanguinolentas e absolutamente inexplicáveis), os portugueses são tratados por Deus na pura, que é como quem diz, na maior descontracção. Os irlandeses, coitados, passam agruras do demo por quererem praticar a sua religião. Os portugueses estão sempre na boa e contam-se pelos dedos os fiéis. Há pessoal nas Filipinas que se esfola todo para demonstrar a Deus que sofre por Ele, tal como Ele. O português não está nem aí para demonstrações de nenhuma espécie. O português acha que se alguém tem de demonstrar alguma coisa é Deus, não é ele. Mas, verdade seja dita, não se chateia se a demonstração levar anos ou mesmo não acontecer porque temos tempo... e sol e temperaturas amenas (vide primeiro parágrafo). Em suma: somos um convite à lazeira.
Assim, apesar de não darem troco nenhum a Deus, não é raro ouvir os portugueses chamar pela mãezinha d’Ele: “Oh Virgem Maria!”, ou outros de Sua proximidade “Ai santa Bárbara! Que escuridão”, etc, revelando uma clara familiaridade com as entidades celestiais. Eis a minha exclamação favorita: “Oh Jesus Cristo! Anda cá abaixo ver isto!” que, não só rima, como é uma espécie de invocação imperativa que sujeita o pobre Jesus a ser humano e a passar por aquelas desgraceiras todas outra vez.
Mesmo os ateus e os não-católicos (como eu) se saem às vezes com frases destas. Aqui, não é preciso uma epifania para entender o porquê: é que ninguém tem bem a certeza (excepção honrosa feita ao meu irmão) de haver ou não Reinos que não sejam deste Mundo – perdão, João de Melo. Assim, o português arranjou um truque fixe que é o de tratar Deus como um amigalhaço, na onda cool e tal, porque, assim, se Ele não existir não fez figura de parvo a dedicar-se-Lhe e se Ele existir, o tuga já fez o seu papel. Tudo salvaguardado.
Os próprios ateus (com raríssimas excepções) costumam dizer que “não acreditam em Deus mas numa entidade superior que nos criou” o que é a mesma coisa que um oriental dizer que não acredita no Buda mas admite a existência de um manda-chuva gordo e careca, sentado à chinês...
Senhores, resolvam-se. No sítio. Senão, é preciso vir Jesus cá abaixo ver isto. Até que se resolvam, a gente vai ter muita, muita paciência... (suspiro!).