... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, January 15, 2009

Indizíveis Sobre a Vinda de um Menino

Enquanto temos os nossos pequeninos do tamanho de uma couve, todas as senhoras se recordam de como foi bom estarem grávidas e verem os filhos recém-nascidos. Mal comparado, é um bocado como ser jovem – todos nos dizem “Ah, como eu adorei passar por essa fase da vida! Passa tão rápido! Goza bem, que depois queres é voltar atrás!” 


É deixado a cada uma descobrir os tormentos inerentes à condição; é por isso que se inventaram tantos mitos absurdos à volta da gravidez e do pós-parto, sendo que as espertas das mulheres também se aproveitaram e construíram outros tantos, como a célebre ideia, muito divulgada, de que é necessário satisfazer os “desejos” da grávida. Por mim, nunca senti nenhuns, aparte aqueles que sinto sempre, porque de caprichos ocasionais todo o ser humano está cheio, esteja grávida ou não.


De qualquer forma, a mais importante questão é que nem tudo é celestial. A parte do inferno – e não querendo abusar da paráfrase do Sartre – são os outros. Explico melhor.


Durante a nossa maternidade em estágio (vulgo, gravidez), todas as mulheres nos contam como foi a sua gravidez e parto. Pormenorizadamente, fiquei a conhecer tudo, desde ventosas a forcéps, partos em que os bebés saem de nádegas a cesarianas, e pude estimar que muito pouca gente considera ter feito um parto normal. Mesmo aquelas que clinicamente o registam, acham sempre que o seu parto foi certamente anormal (ou na dor ou no tempo), o que até é correcto porque cada caso é único.


Também fiquei a par de todas as maleitas e desgraças que me haviam de acontecer. É curioso que antes de engravidar, todas nos encorajem a tal; depois de engravidarmos, dão-nos as más novas sobre a condição – passam a ser nove meses de vómito, varizes e horror o que nos espera e, por fim, a sentença de que “nunca mais voltarás a ser igual!” Pois, futuras mamãs, o bom é dizer sempre que sim, de rosto compungido, a toda a gente, ainda que nunca soframos de males semelhantes. É que as pessoas não o fazem por mal, mas por decalque da sua experiência ou por aquele gozo tão miseravelmente humano de observar uma aflição alheia.


Se pensam que o vosso rol de penas acabou quando dão à luz, estão muito enganadinhas. Ainda agora vai no adro. Saltando elegantemente por cima do parto (que no meu caso foi cesariana e, portanto, não é tão elegante como isso...), começa desde logo mais uma dança, e esta um pouco pior. Primeiro, o médico diz-nos para fazermos a nossa “vida normal”, excepto rir, chorar, discutir, espirrar, tossir, fazer força, levantar e deitar sem ajuda ou “qualquer outra coisa que envolva os músculos da zona afectada”. Desconfio que não sou a única pessoa que acha que a primeira parte da frase não faz sentido algum, dado que no quotidiano faz-se disso tudo abundantemente. Além disso, ninguém no Hospital respondeu à minha dúvida premente: o que aconteceria se eu, com os meus 18 agrafos prendendo a sutura, passasse perto de um íman? Nunca como agora tive tanto sonho desagradável de índole magnética.


Segundo, toda a gente pensa que sabe tratar melhor do bebé do que nós próprias. Quem inventou os telemóveis? Éramos bem mais felizes sem eles, digo eu. A seguir à chamada da bem intencionada tia dizendo que se deve deitar o bebé sempre de costas para baixo, segue-se o telefonema da experiente amiga recomendando que se deite o bebé sempre, mas sempre de lado e não é de desprezar a simpática opinião de uma ex-namorada do pai da criança que jura que muitos bebés morrem de morte súbita se não forem deitadinhos de costas. Caras mães, há duas hipóteses: podem sempre chocar as pessoas, revelando o vosso enigmático passado e dizendo do filho que tiveram naqueles anos em que andavam a fazer trabalho voluntário na Índia (afinal, nunca ninguém conhece a nossa vida tão bem como presume, não é?) ou podem aceitar, sorridentes, as palavras de todos e fazer o que bem entenderem (hipótese mais jeitosa para quem gosta de ser low profile).


Este corropio de conselhos começa logo na Maternidade. Por exemplo, o aconselhamento à amamentação. Acho muito bem, atenção. O que acho mal são as palavras escolhidas. A nós (mães do quarto triplo onde estava) disseram-nos: “Têm de aprender a usar o vosso corpo”. Convenhamos que não é a frase mais adequada. Toda a mulher deitada naquelas caminhas usou o corpo, de certeza, ou não se encontraria na presente condição. De facto, do que não queremos ouvir falar no momento é de voltar a usá-lo resultando no mesmo fim.


Depois, há os “invasores”. Às visitas de sala, convém notificar que estamos em muita má condição para sermos anfitriãs (lembram-se da tal vida normal à qual estamos limitadas?) Há também os que atacam o bebé, que estava tão tranquilo na sua sorna, e agora acorda num berreiro derivado das beijocas. Depressa percebi que não era a única mãe cansada das multidões, quando com um telefonema a minha colega de quarto despachou 16 sobrinhos, “pelo menos até chegar a casa, e então logo se vê como lido com eles”.


Finalmente, há o momento das comparações: o recém-nascido de dois kg tem o nariz do pai, a boca da mãe, as orelhas e o dedo mindinho curvado do tio Alfredo e uns suspeitos olhos cinzentos que angustiam e deixam cheios de incertezas os conhecidos da família. Serão verdes como os da avó? Escuros como os da mãe? Violeta como os da Elizabeth Taylor? Conclusão: nem quando nascemos, temos direito a ser nós próprios. Sim, mesmo “aquela maneira de chorar” é tal qual a do primo!


Há duas coisas nas quais passei a acreditar: primeiro que criar um bebé é como a História do Velho, do Rapaz e do Burro – toda a gente tem uma opinião diferente daquilo que estamos a fazer independentemente do que seja e, o que é mais, toda a gente se julga no direito de a verbalizar; depois que a depressão pós-parto afinal não existe: nenhuma mãe está deprimida consigo, por mais esburacada ou dorida que esteja porque não há tempo, com tanto trabalho extra e, sobretudo, com tanta fúria pós-natal.


De qualquer modo, toda a mãe se esquece rapidamente de si se pensar que o bebé está a passar pela maior revolução que passa um ser humano – ainda agora vivia no quente e de repente foi atirado para um mundo de estímulos bons e maus, aos quais tem de responder, a toda a hora, sem ensaio nem escolha. Ainda bem que nenhum de nós guarda memória disso…