... "And now for something completely different" Monty Python

Monday, February 16, 2009

O Faial, uma Área Remota e Obama, um Muçulmano Perigoso

Decidi fazer algumas compras pela Internet, coisa que nunca faço. Parecia simples, vinham por um serviço postal rápido que garantia entrega em todo o lado. Era tão eficaz que, diariamente, eu fui recebendo um e-mail sobre a evolução do paradeiro da encomenda. Até que me telefonaram. Estava encravada.

“Sorry, ma’am (gosto muito quando me tratam por s’óra, é sempre um sinal de respeito à idade que faço por ter, e que até ao telefone se nota), we cannot deliver your package immediatly”.

Depois de eu ter perguntado porquê, o senhor explicou-me: “We just found out you live in a remote area”. E ainda me deu uma leve admoestação por eu não ter avisado a companhia postal que vivia num sítio obscuro e inacessível, segundo eles. Demoraram bastante tempo para o encontrar no mapa. Nalguns mapas, nem existia. De facto, telefonaram para ter a certeza que eu não estava a gozar com a companhia, dando um endereço phoney… (a tradução para isto em português não é tão boa, se eu digo “falso” falta aquele toque trocista que a palavra em “americano” tem).

Garanti que morava mesmo no fim do mundo e que era seguro entregar coisas cá - nem sequer serpentes temos, pelo menos das que são bichos. O homem diz-me que seria impossível adivinhar pelo meu nome que eu vivo onde Judas perdeu as botas: “Your name sounds decent.” Yeah, right. Se em vez de Carla Cook eu me chamasse, por exemplo, Ahorangi Waitakere (fantástico nome mahori) já seria legítimo esperar coisas terríveis do meu habitat, e de mim apenas o pior.


E por causa de nomes, agora toda a gente é fã do Obama. É quase tão “in” e tão nova-vaga ser fã do Obama como gostar de jazz e usar óculos escuros à noite. Oh sim, eu sempre detestei o povo americano sobre a administração Bush mas agora que o Obama é presidente reconheço que a América é uma nação extraordinária. Esperam-se grandes coisas. Um povo é seguramente o seu Presidente em qualquer situação. De facto, os portugueses são, e sempre foram desde as eleições presidenciais, a cara chapada e os ideais do Cavaco Silva. Eu, ao tocar no meu nariz, sinto a ponta afilada do nariz acavacado por baixo. É mais ou menos o que sentem os americanos, revendo-se nos lábios grossos do Obama (e antes, claro, reviam-se nos olhinhos pequeninos do Bush). Fielmente.

Paradoxalmente, toda a gente é contra os muçulmanos. Sim, o D. José Policarpo teve razão. Raparigas portuguesas, afastai-vos dos muçulmanos. De todo o rapaz muçulmano que a gente encontre, ainda que giro e quiçá outras coisas mais, só pode vir chatice final. Lembrai-vos da pancadaria que podeis apanhar e que em casas cristãs nunca se apanha, como sabeis. Lembrai-vos dessas relações castradoras que não as há com mais nenhuma religião. Lembrai-vos das regulações de poder paternal que são tão difíceis com muçulmanos caso vocês se divorciem (oh, hora abençoada) e tão suaves e fáceis com cristãos, muito embora de um cristão jamais vocês se devam divorciar, portanto, caso seja difícil, lembrai-vos que esse calvário é a paga pelo pecado da separação.



No entanto (e aqui reside o paradoxo da febre actual), Obama é de origem muçulmana - o seu pai era muçulmano (uso o verbo no passado porque o senhor já faleceu). De facto, Obama teve de vir a público dizer que não era praticante do Islão, o que é mais ou menos que eu dizer “Meus amigos, eu até acredito na Igreja Católica, mas não me condenem por isso, porque nunca vou à missa, ok?”. Os seus Serviços emitiram um desmentido de rumores sobre a sua prática dos preceitos religiosos islâmicos (que não incluem nada sobre as suas crenças, very smart, até porque ninguém tem nada a ver com isso) e explicaram que o seu nome é islâmico, sim senhor, e é tão só igual ao nome do seu pai, Barack Hussein Obama Jr., significando “o abençoado” (Barack) e “bom” e/ou “bonito” (Hussein). Quem diria que este segundo nome sofreria tal transformação aos olhos ocidentais, hã? Ainda há pouco, Hussein era nome de mass-killer e qualquer Hussein nos EUA era logo encostado à parede. Há coisas fantásticas, não há? Mas sobre isto também foi explicado que “Hussein é um nome comum” nessas terras inóspitas, obscuras e remotas de onde veio o pai do Sr. Presidente. Apenas se esqueceram de explicar que, segundo os preceitos e leis muçulmanas, filho de pai muçulmano é muçulmano (tal como filho de mãe judia é judeu)…

Mais risível ainda é ver os intelectuais portugueses (or so they like to be called) a vociferar contra as pessoas de sangue muçulmano - outra ridicularia, como se o sangue legitimasse ou não bondade - e a apoiar Obama.


Toda a guerra étnica, religiosa ou territorial consiste neste obtuso pensar que apenas e só o nosso povo é abençoado e os outros – ditos estrangeiros – são todos feios, porcos, maus e perigosos. Claro que a ignorância sobre o outro tem um papel predominante nesta linha de pensamento, mas não me alongo mais… Afinal, eu sou daqueles que nem aparece no mapa!