... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, June 6, 2013

O jornalismo

Há já bastante tempo que “O Provedor do Ouvinte” (programa da Antena 1 da RDP) me levantou uma questão interessante. Neste programa, os ouvintes têm o direito de se manifestar por carta, pedindo contas ao “Provedor” sobre o que não lhes parece muito correto e gostariam de ver esclarecido. No caso, um ouvinte escreveu a perguntar se era eticamente correcto e profissionalmente não reprovável que a jornalista Eduarda Maio continuasse a coordenar as manhãs informativas, mesmo após a publicação da biografia do então Primeiro Ministro José Sócrates, da sua autoria.

A jornalista deu uma resposta muito interessante: ressalvou que a biografia tinha sido um estudo e não uma apologia; que a pergunta do ouvinte derivava da pouca tradição biográfica que havia em Portugal, onde qualquer biografia era vista como um elogio ou uma crítica, sem imparcialidade; que por ter feito a biografia de um socialista não tinha de se converter ao socialismo (citando a este respeito a boa biografia de Álvaro Cunhal, feita por um social democrata reconhecido do qual não há memória que se tenha tornado comunista) e acabou dizendo que, dentro deste prisma, ainda bem que não fizera um tratado de culinária pois corria o risco de se transformar em breve num formoso repolho.

Mas tudo isto levanta uma questão maior: porque é que se desconfia tanto dos jornalistas? Lato sensu, do jornalismo?

Há algum tempo atrás, o jornalismo era o quarto poder e havia respeito por ele, como existia por todos os poderes instituídos, mitificados ou exercitados. No entanto, actualmente, há descrédito acerca da classe e do trabalho jornalístico.

A verdade é que a notícia é feita para o público e esse bicho volúvel e esfomeado não está muito preocupado com a verdade e nem sequer com a veracidade – interessa-lhe mais a polémica circense.

Será inteiramente justo criticar o jornalista per si ou aquilo em que se transformou o jornalismo? Ele não é mais que um reflexo da sociedade e do que esta quer. Será que o jornalista vende um produto (o órgão de comunicação social para o qual trabalha) ou informa? Põe à frente o dever público ou o dever comercial?

Dúvidas metódicas à parte, se se modificou a escola jornalística é porque assim o quis a maioria social. Quando ouvimos dizer que o (tele)jornal se transformou na crónica do crime e no relato diarístico dos partidos, convém também pensar que a esmagadora maioria das pessoas só fala das desgraças deste mundo e das “caras conhecidas” – que substituíram, desde há muito, as conversas de janela das vizinhas de antigas gerações.

Outra questão obtusa é a enorme confusão que se anda a fazer – até por parte de muitos media – entre o jornalista e o comentador / analista. Vemos analistas convidados a pronunciarem-se sobre determinado assunto a dar notícias em primeira mão enquanto os jornalistas exprimem abertamente a sua opinião, misturando papéis lamentavelmente. As colunas de opinião dos jornais e os editorais deixaram de ser os únicos sítios onde há opinião – ela pulula como ginjas nas notícias propriamente ditas; onde os factos são acontecimentos que “podem” ser, cheios de reticências e exclamações. Como é que um emissor de opinião se pode permitir andar a distribuir pseudo-notícias? E porque há-de um jornalista dar as suas opiniões?


Há qualquer coisa que ficou esquecida no fundo da gaveta, como a naftalina… Se a deontologia é a “ciência do que convém” (e aqui não há qualquer tipo de “conveniência” tal como hoje a entendemos, mas sim elevada à conduta útil) está seguramente ligada à ética, à “maneira de fazer”. Hoje, estas palavras pouco designam o modo costumeiro de fazer da maioria… são conceitos pesadões e quase sem sentido. Mas onde reside, ao certo, a responsabilidade?