Há já bastante tempo que “O Provedor do Ouvinte” (programa da Antena 1 da
RDP) me levantou uma questão interessante. Neste programa, os ouvintes têm o
direito de se manifestar por carta, pedindo contas ao “Provedor” sobre o que
não lhes parece muito correto e gostariam de ver esclarecido. No caso, um
ouvinte escreveu a perguntar se era eticamente correcto e profissionalmente não
reprovável que a jornalista Eduarda Maio continuasse a coordenar as manhãs
informativas, mesmo após a publicação da biografia do então Primeiro Ministro
José Sócrates, da sua autoria.
A jornalista deu uma resposta muito interessante: ressalvou que a biografia
tinha sido um estudo e não uma apologia; que a pergunta do ouvinte derivava da
pouca tradição biográfica que havia em Portugal, onde qualquer biografia era
vista como um elogio ou uma crítica, sem imparcialidade; que por ter feito a
biografia de um socialista não tinha de se converter ao socialismo (citando a
este respeito a boa biografia de Álvaro Cunhal, feita por um social democrata
reconhecido do qual não há memória que se tenha tornado comunista) e acabou
dizendo que, dentro deste prisma, ainda bem que não fizera um tratado de
culinária pois corria o risco de se transformar em breve num formoso repolho.
Mas tudo isto levanta uma questão maior: porque é que se desconfia tanto
dos jornalistas? Lato sensu, do
jornalismo?
Há algum tempo atrás, o jornalismo era o quarto poder e havia respeito por
ele, como existia por todos os poderes instituídos, mitificados ou exercitados.
No entanto, actualmente, há descrédito acerca da classe e do trabalho jornalístico.
A verdade é que a notícia é feita para o público e esse bicho volúvel e
esfomeado não está muito preocupado com a verdade e nem sequer com a veracidade
– interessa-lhe mais a polémica circense.
Será inteiramente justo criticar o jornalista per si ou aquilo em que se transformou o jornalismo? Ele não é mais
que um reflexo da sociedade e do que esta quer. Será que o jornalista vende um
produto (o órgão de comunicação social para o qual trabalha) ou informa? Põe à
frente o dever público ou o dever comercial?
Dúvidas metódicas à parte, se se modificou a escola jornalística é porque
assim o quis a maioria social. Quando ouvimos dizer que o (tele)jornal se
transformou na crónica do crime e no relato diarístico dos partidos, convém também
pensar que a esmagadora maioria das pessoas só fala das desgraças deste mundo e
das “caras conhecidas” – que substituíram, desde há muito, as conversas de
janela das vizinhas de antigas gerações.
Outra questão obtusa é a enorme confusão que se anda a fazer – até por
parte de muitos media – entre o
jornalista e o comentador / analista. Vemos analistas convidados a
pronunciarem-se sobre determinado assunto a dar notícias em primeira mão enquanto
os jornalistas exprimem abertamente a sua opinião, misturando papéis
lamentavelmente. As colunas de opinião dos jornais e os editorais deixaram de
ser os únicos sítios onde há opinião – ela pulula como ginjas nas notícias
propriamente ditas; onde os factos são acontecimentos que “podem” ser, cheios
de reticências e exclamações. Como é que um emissor de opinião se pode permitir
andar a distribuir pseudo-notícias? E porque há-de um jornalista dar as suas
opiniões?
Há qualquer coisa que ficou esquecida no fundo da gaveta, como a naftalina…
Se a deontologia é a “ciência do que convém” (e aqui não há qualquer tipo de “conveniência”
tal como hoje a entendemos, mas sim elevada à conduta útil) está seguramente
ligada à ética, à “maneira de fazer”. Hoje, estas palavras pouco designam o
modo costumeiro de fazer da maioria… são conceitos pesadões e quase sem sentido.
Mas onde reside, ao certo, a responsabilidade?