Só à conta do título já os leitores do costume têm o estômago em aflição e os intestinos em nó. Calma, geração de pedra. Esta crónica é sobre a política do país em geral. Como dizia o saudoso Professor José Martins Garcia “ainda que queira, nem toda a gente se qualifica para ser personagem”.
Estando eu afastada do país, sigo as notícias pela internet mas sem grande método. Nunca fui fã da política, porque tenho muitas opiniões orwellianas. Ouvindo políticos a discursar, confirmo-as. Conhecer políticos é pior, porque entra-se num mundo de processos de Kafka, de onde eles não nos deixam sair – compreende-se porque não lhes deram mais trabalho com que se entreter. Voltando às notícias, não ignorei o resultado das eleições portuguesas em Outubro 2019. Não foi surpresa o resultado – se António Costa foi Primeiro Ministro na eleição anterior sem ter ganho as eleições, acho justíssimo que o seja agora, finalmente ganhando. Ao Imperador o que é do Imperador – não coloquem aqui outras palavras que seriam um trocadilho fácil e indigno. Pequena nota ainda quanto ao facto de alguém ser eleito sem ganhar as eleições: o Trump fez o mesmo nos E.U.A., mas o tuga achou estúpido, até aberrante tal situação nos E.U.A. mas normal na Lusitânia; assim é o português, sofre de astigmatismo que, como sabemos, não tem cura. Pessoalmente, eu fiquei bem satisfeita por António Costa ter finalmente ganho as eleições livrando-se do termo “geringonça” porque esta era uma palavra muito difícil de explicar para quem, como eu, está no estrangeiro. Experimentem traduzir “O governo do meu país é uma geringonça”: “my country´s government is a contraption”. Talvez possam traduzir também por “device” ou “gizmo”. Não dá. Era uma frase que, internacionalmente, não inspirava confiança nenhuma e só fazia levantar sobrancelhas. Agora, temos, finalmente governo sem traduções manhosas. É um gosto.
Porém, ainda incompreensível para um estrangeiro perceber, é porque é que tendo a Assembleia 230 lugares elegíveis, só se ouvem falar de dois deputados após as eleições. Serão deputados do governo, que sentou 108 pessoas? Serão deputados do partido em oposição, que sentou 79 pessoas? Ao menos, serão deputados da tal defunta geringonça? Nada disso. Só se ouvem ecos de dois deputados, ambos eleitos singularmente, como uma vozinha única. Só ouço notícias de Joacine Katar Moreira e de André Ventura.
Joacine, gaga q.b. mas nem sempre; que chegou a Portugal com 8 anos mas que nunca se integrou (mas chegou a deputada, que seria ela se realmente se tivesse integrado!); inicialmente do Livre mas depois abertamente contra as ideias do próprio partido, dizendo “que não tem de explicar o porquê dos seus votos a ninguém” (esta é um bocado chata, porque o eleitorado que a elegeu exige explicações, a cadeira de deputada tem custos, realmente não muitos, mas esse mínimo). Depois, foi também notícia o assessor de Joacine que vestia saia para as sessões parlamentares. Achei bem, condizia com o nome do partido e arejava o baixo ventre. Mas um assessor ser notícia é o oposto da sua função. Quando muito, ele faz notícia mas jamais é o foco da mesma – por mais fashion que seja o modelo, do qual gostei, embora o achasse demasiado elite para a classe trabalhadora que pretende representar.
André Ventura, sem dúvida personagem. Não concordo de todo com as ideias nacionalistas do Chega. No entanto, basta ouvir este homem falar uma vez para perceber que ele é inteligente e corajoso, duas qualidades que são raras e que explicam o porquê de terem tanto medo dele. Digo “medo” porque só isso explica os nervos infantis dos restantes quando fala, o facto de não lhe conseguirem responder, da comunicação social ter de subitamente passar a publicidade, do presidente dizer que ele pura e simplesmente não pode falar. Cortar a voz a alguém é um claro e velho sinal que não engana. Além disso, confesso ter ficado impressionada com o facto de Ventura falar fluentemente seis línguas, pois não é qualquer tipo que aprende árabe para perceber muçulmanos apesar de não concordar com a visão destes. Ainda não vi contrariarem Ventura com argumentos, mas apenas com chavões. Conclusão: os deputados têm de começar a trabalhar a massa cinzenta se querem opor-se à massa cinzenta de Ventura (que não é pouca). Digo-o insuspeitamente, porque não sou sua apoiante.
Finalmente, estou em pulgas com as Presidenciais do ano que vem. Marcelo concorre, quiçá em despique com a popularíssima apresentadora de TV Cristina Ferreira, que já disse não desdenhar concorrer a Presidente. Já imagino Cristina Ferreira a representar o país em encontro com a Rainha Isabel II. A voz estridente fazendo furor em Buckingham Palace, com as exclamações habituais. “Ai, você precisa de consertar os dentes, Elizabete! O serviço de saúde daqui deve ser muito mauzinho”. Pelas almas, Portugal! Poupem-nos de explicar tais idiossincrasias ao mundo.