As férias nem sempre são um oásis de gozo e de lazer - pese embora (com perdão desta expressão que odeio, até porque praticamente só é usada por quem andou na Faculdade de Direito) o momento que atravessamos de liberdades muito restritas fazer com que qualquer ideia de férias seja muito acarinhada e até idolatrada.
Pela minha parte, posso afiançar-vos que já passei pelas férias mais
horríveis que se podem imaginar. O que pode acontecer de errado em época de
descanso? Muita coisa. Exemplifico a seguir apenas com o que já me deparei.
Primeiro, ser roubada. Acrescento, ser roubada num país onde não sabemos
bem como funciona a Polícia e onde a corrupção é grande (pior que em Portugal?
Sim, existem locais mais corruptos que Portugal, ainda que tal pareça
inimaginável). O importante quando se é roubado é não lutar contra o ladrão,
porque antes ficar sem dinheiro do que sem estômago à conta de alguma
navalhada. O desfalque é um revés que temos de aguentar.
Segundo, perder os documentos. Felizmente, nunca carrego a documentação
original comigo – aprendi que devo deixá-la em cofre-forte. No entanto, conheço
várias pessoas que carregam os documentos na mochilinha e quando se vai a
mochila vai-se o passaporte. Tenho uma amiga, muito original, que carrega o
passaporte nas cuecas. A única desvantagem deste esconderijo é que já foi
parada pelas autoridades no estrangeiro, e tendo sido interpelada para se
identificar, abriu as calças, o que causou alguma confusão aos agentes, tendo
um deles dito mesmo que “se encontrava em serviço” antes de perceber que se
tratava do local de resguardo do documento.
Terceiro, levar a miudagem. Nem todos os miúdos reagem bem à
sobre-estimulação das férias. Felizmente, tenho sorte com os meus rapazes.
Porém, admito que a sobrecarga de museus, monumentos, galerias; a mudança de
rotinas, camas, comidas; ou, simplesmente, a contínua voragem de viagens na
estrada pode causar algumas reacções inesperadas nos miúdos, soterrados na
obrigação de terem de se divertir com novidades (para quem encara as férias
assim, felizmente nem todos o fazem). O que é preciso é calma e conforto.
Quarto, acidentes chatos. O piquenique passa a ser um drama quando um leva
uma picada de abelha e o outro tem uma intoxicação devido à sandes de atum. A
praia deixa de ter piada quando se apanha um escaldão sério. Um acidente de
barco ou ser mordido por um animal já eleva a coisa para outro patamar.
Quinto, comida. Apesar de não ser tão aventureira neste aspecto quanto o
meu par, que come de tudo sem perguntar o que é ou donde veio, já comi minhocas
encarando-as como uma iguaria. Porém, uma coisa é imaginar que somos o Anthony
Bourdain nas suas exóticas viagens por algum night market mais esconso e outra,
bem diferente, é comer Pagpag. Deus nos livre de tal experiência.
Sexto, doenças. Passando por cima do sistema de saúde de alguns locais, existem
aquelas doenças da praxe, que incluem sintomas de febres tropicais, suores,
delírios.
Sétimo, a clássica viagem de praia, sendo mulher no Verão. O exame popular
ao nosso corpo. Se somos copa B ou copa D. Se o rabo está mais firme ou mais descaído.
Se fizemos cesariana ou não. Se há estrias ou celulite. Se o bronzeado “pega”
ou não. Enfim, toda a praia é uma constatação e um centro de comparações, por
mais que se queira fugir a isso.
Oito, a também típica viagem de férias de regresso a casa da família de
origem para quem vive longe. Não tendo eu a sofrência deste desígnio, vejo,
porém, como são as coisas com o meu par, numa espécie de sentimento de “Que
saudades, já cá estamos! Quando é que vamos embora?” Afinal, nunca é por acaso
que se decidiu viver longe.
Férias: vivê-las pode ser difícil; mas viver sem elas é que não se pode.