... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, October 8, 2020

Mindfulness e coisas assim

 

De todas as palavras estrangeiras que ultimamente entraram no vocabulário português para serem usadas de forma corrente, a mais complicadinha é “mindfulness”. Algumas instituições atribuem a “mindfulness” a qualidade de ser um “soft skill” - mais um momento anglófono, com perdão de todos os que me lêem e não estão virados para a anglofonia… ainda que hoje tenhamos de admitir que não ser versado em inglês língua-franca seja quase como não saber escrever.

Então, o que é essa coisa do mindfulness? Etimologicamente, e por divisão da palavra, o vocábulo indica a plenitude da mente, isto é “mind” e “fulness”. Porém, a parte da plenitude tem muito que se lhe diga até porque “full” é o mesmo que estar “cheio de” enquanto que, em boa verdade, o conceito de mindfulness implica exactamente um certo despojamento e uma libertação do desnecessário, razões pela qual não coincide com uma superlotação espessa e carregada mas antes aponta para uma abundância leve e relaxada. Abundância leve, porém, é um paradoxo e é por isso que mindfulness nem sempre é fácil de perceber.

Nos últimos anos, é cada vez mais comum encontrarmos terapias que recomendam mindfulness para combater stress, ansiedade, depressão e outras maleitas, particularmente relacionadas ao combate a vícios. A ideia é fazer meditação e. através desta, praticar o estado da mindfulness. De tais conselhos, entende-se que mindfulness é um momento circunstancial, e – por isso mesmo – é algo efémero e não um patamar que, sendo atingido, fica preenchido e pronto. Quando se levam práticas meditativas a sério, é necessária entrega e tempo. Estas dádivas são das mais difíceis porque tempo é sinónimo de vida e, como tal, é o que ninguém tem a desperdiçar; entrega é dar de si, algo bem difícil quando muitas vezes o indivíduo nem sabe quem é e, portanto, é complicado dar seja o que for.

Para além disto, é importante aceitar que não há forma de aquietar a mente e fazê-la não pensar em nada. O popularismo do “esvaziar a mente” que é dito em muitos vídeos e por muitos gurus caseiros é falso. Um ser humano naturalmente saudável é curioso e de mente irrequieta. Se alguém a esvazia e não pensa em nada, talvez seja – por si só – um tipo com alguma tendência à abulia e, como tal, a precisar de energia. É natural que a mente vagueie por mil e um pensamentos. O importante e essencial é controlá-los, ao invés de deixar que nos controlem a nós – nisto reside a chave da temperança.

Mindfulness não aponta para um estado de plenitude nirvânica - aliás, o famoso “nirvana” enquanto objectivo budista ou hindu não é possível de alcançar por um humano no estado evolutivo desta dimensão. Mindfulness é antes a vivência devotada integralmente ao estado presente, sem qualquer outra ideia que não seja isso, nem as amarras do passado nem as expectativas do futuro. Mais ainda, implica a vivência do presente sem julgamentos sobre ele. Apenas estar.

Esta segunda parte é tanto mais importante quanto o “crítico” dentro da nossa mente é imparável e, em muitos casos, mordaz e até cruel, tanto com o mundo e os outros como connosco próprios. Só neste mesmo texto já critiquei várias coisas, inclusive a mim mesma (ainda que possam não dar por isso). Resumindo: a parte mais complexa é o “julgador” que habita dentro de cada um de nós, pois nada há de mais letal do que esse insaciável juiz. Desde já assumir que é impossível calá-lo mentalmente, tal como é impossível deixar de pensar. A única coisa que se pode fazer é escolher como reagir a estes pensamentos de constante tentação de desvio da paz interior.

A prática da meditação não tem de ser estática e pode envolver vários tipos de actividades, ainda que muita gente se sinta confortável com o foco na respiração por permitir a sensação de ancoragem suave tanto ao próprio corpo como ao momento presente. É assim como uma espécie de retorno seguro à fonte de vida.

Para terminar, quero ressalvar que não sou especialista em nada disto. Tão somente tenho vizinhos imensamente dedicados a estas actividades por inclinação religiosa espiritual e, não podendo eu resistir aos mantras e aos momentos constantes que observo, juntei-me a eles. Mas estou ainda longe de ter aquela calmaria que eles têm sempre… e que não é a da menina comercial, vestida com LuluLemon, que faz yoga porque é giro.