De todas as palavras estrangeiras que ultimamente entraram no vocabulário
português para serem usadas de forma corrente, a mais complicadinha é
“mindfulness”. Algumas instituições atribuem a “mindfulness” a qualidade de ser
um “soft skill” - mais um momento anglófono, com perdão de todos os que me lêem
e não estão virados para a anglofonia… ainda que hoje tenhamos de admitir que
não ser versado em inglês língua-franca seja quase como não saber escrever.
Então, o que é essa coisa do mindfulness? Etimologicamente, e por divisão
da palavra, o vocábulo indica a plenitude da mente, isto é “mind” e “fulness”.
Porém, a parte da plenitude tem muito que se lhe diga até porque “full” é o
mesmo que estar “cheio de” enquanto que, em boa verdade, o conceito de
mindfulness implica exactamente um certo despojamento e uma libertação do
desnecessário, razões pela qual não coincide com uma superlotação espessa e
carregada mas antes aponta para uma abundância leve e relaxada. Abundância
leve, porém, é um paradoxo e é por isso que mindfulness nem sempre é fácil de
perceber.
Nos últimos anos, é cada vez mais comum encontrarmos terapias que
recomendam mindfulness para combater stress, ansiedade, depressão e outras
maleitas, particularmente relacionadas ao combate a vícios. A ideia é fazer
meditação e. através desta, praticar o estado da mindfulness. De tais
conselhos, entende-se que mindfulness é um momento circunstancial, e – por isso
mesmo – é algo efémero e não um patamar que, sendo atingido, fica preenchido e
pronto. Quando se levam práticas meditativas a sério, é necessária entrega e
tempo. Estas dádivas são das mais difíceis porque tempo é sinónimo de vida e,
como tal, é o que ninguém tem a desperdiçar; entrega é dar de si, algo bem
difícil quando muitas vezes o indivíduo nem sabe quem é e, portanto, é
complicado dar seja o que for.
Para além disto, é importante aceitar que não há forma de aquietar a mente
e fazê-la não pensar em nada. O popularismo do “esvaziar a mente” que é dito em
muitos vídeos e por muitos gurus caseiros é falso. Um ser humano naturalmente
saudável é curioso e de mente irrequieta. Se alguém a esvazia e não pensa em
nada, talvez seja – por si só – um tipo com alguma tendência à abulia e, como
tal, a precisar de energia. É natural que a mente vagueie por mil e um
pensamentos. O importante e essencial é controlá-los, ao invés de deixar que
nos controlem a nós – nisto reside a chave da temperança.
Mindfulness não aponta para um estado de plenitude nirvânica - aliás, o
famoso “nirvana” enquanto objectivo budista ou hindu não é possível de alcançar
por um humano no estado evolutivo desta dimensão. Mindfulness é antes a
vivência devotada integralmente ao estado presente, sem qualquer outra ideia
que não seja isso, nem as amarras do passado nem as expectativas do futuro.
Mais ainda, implica a vivência do presente sem julgamentos sobre ele. Apenas
estar.
Esta segunda parte é tanto mais importante quanto o “crítico” dentro da
nossa mente é imparável e, em muitos casos, mordaz e até cruel, tanto com o
mundo e os outros como connosco próprios. Só neste mesmo texto já critiquei
várias coisas, inclusive a mim mesma (ainda que possam não dar por isso).
Resumindo: a parte mais complexa é o “julgador” que habita dentro de cada um de
nós, pois nada há de mais letal do que esse insaciável juiz. Desde já assumir
que é impossível calá-lo mentalmente, tal como é impossível deixar de pensar. A
única coisa que se pode fazer é escolher como reagir a estes pensamentos de
constante tentação de desvio da paz interior.
A prática da meditação não tem de ser estática e pode envolver vários tipos
de actividades, ainda que muita gente se sinta confortável com o foco na
respiração por permitir a sensação de ancoragem suave tanto ao próprio corpo
como ao momento presente. É assim como uma espécie de retorno seguro à fonte de
vida.
Para terminar, quero ressalvar que não sou especialista em nada disto. Tão
somente tenho vizinhos imensamente dedicados a estas actividades por inclinação
religiosa espiritual e, não podendo eu resistir aos mantras e aos momentos
constantes que observo, juntei-me a eles. Mas estou ainda longe de ter aquela
calmaria que eles têm sempre… e que não é a da menina comercial, vestida com
LuluLemon, que faz yoga porque é giro.