... "And now for something completely different" Monty Python

Wednesday, May 4, 2022

O amor é egoísta

 

Ultimamente, tenho lido alguns estudos sobre o amor, já que este era o tema subjacente a umas aulas que tinha de leccionar. Sublinho que aqui se entende “amor” no seu sentido mais lato. Afinal, em toda a relação de parceria está idealmente sub-entendida uma relação de afecto, identificação, companheirismo. Mas vamos lá à conclusão: o amor é, essencialmente, uma emoção egoísta. A pouco generosa conclusão não é minha e está aberta a discussão. No entanto, analisando, acabamos por verificar que assim é. Vou lançar umas ideias sumárias daquilo que li, e quem tiver interesse pode ir pesquisar mais e até discordar.

Quando fazemos uma escolha – seja essa escolha um parceiro, um trabalho, etc – fazemo-lo, em última análise, perseguindo o nosso bem-estar. Acreditamos que essa é a melhor escolha para nós, nesse determinado momento, dentro do contexto que nos cerca. Alguma expectativa nossa é preenchida com essa escolha. Sendo que as escolhas são mútuas, é claro que também estamos a preencher uma expectativa do outro lado – seja do parceiro que também nos escolhe, da entidade patronal que também nos seleciona, etc. Porque o ser humano saudável vive em busca do que lhe dá mais prazer e foge à dor, é óbvio que estamos a escolher algo ou alguém que nos traz mais alegria, mais gosto pela vida, enfim mais momentos de felicidade, por oposição a outra situação que não seria tão prazeirosa. Aqui, já começamos a ver o porquê do egoísmo se aplicar ao amor, em última análise.

No entanto, reparem que usei o adjectivo “saudável” acima. A pessoa saudável toma decisões tendo em conta o que considera ser melhor para si. Luta pelos seus valores, pela sua protecção. Este processo nem sempre é consciente mas está presente, como um escudo de auto-cuidado, no indivíduo. Faz parte do amor-próprio. Porém, a pessoa cujo instinto de auto-preservação está danificado tem problemas com estas escolhas e forma relações pouco saudáveis. Exemplo: escolhe trabalhos onde “cumpre uma missão” mas está insatisfeito; fica com alguém que o trata abaixo de cão mas acredita que “a vida é assim”. Como já disse, toda a relação tem dois lados. Nestas relações em que existe alguém com espírito de vítima, existe sempre alguém com espírito de vampiro sugador: um dá demais, e o outro tira continuamente. O melhor exemplo destas relações com desequilíbrio de poder (e logo, não saudáveis) são as relações do toxicodependente: os seus “amigos” são, por regra, pessoas que ou lhe fomentam o vício ou se aproveitam dele sugando-lhe dinheiro. No entanto, o dependente chama-lhes “amigos”.

A teoria valida-se. Associamo-nos com aqueles que acreditamos trazer algum benefício (que pode até ser espiritual) para as nossas vidas. O importante é decidir as nossas prioridades a fim de escolhermos bem as nossas parcerias.

Os relacionamentos de amizade (sendo que a amizade acaba por ser outra forma de amor, retirando a componente erótica) não são diferentes na sua sustentabilidade. Para que uma amizade seja sustentável, tem de existir autenticidade e propósito de ambas as partes. Quando alguém finge ser o que não é – mesmo que seja para agradar o outro – a relação está condenada, cedo ou tarde, ao fracasso. Na verdade, jamais existiu. Tratou-se de uma ilusão, porque lhe faltou autenticidade de uma das partes. Não é possível haver relacionamentos sem genuinidade, entrega, lealdade, e duas pessoas vibrando na mesma onda. Isto é válido tanto para amigos quanto para relações românticas, salientando que um companheiro não pode ser apenas amigo… mas deve ser também amigo. A amizade é mais leve porque a paixão física traz algo avassalador. No entanto, romance sem componente apaixonada é como ter um irmão ali ao lado.

O importante é conhecermo-nos bem. Dado que procuramos e nos conectamos com aqueles que se ligam à nossa essência, não podemos realmente saber com que tipo de pessoas nos queremos associar se não sabemos do que gostamos, quais os nossos valores profundos, qual a nossa energia. Exemplos: se eu gosto de massagens e de filosofia tântrica, dificilmente farei boa parceria com alguém que abomina o toque; se eu gosto de animais, será muito complicado fazer par com alguém alérgico; se eu luto pelos direitos humanos, é complicado ligar-me a quem não dá duas favas para esse assunto. Posso ligar-me a alguém oposto? Com certeza. Serão relações com prazo de validade, que servem para nos ensinar que relações de oposição são pesadas, tornam-se um fardo, desgastam, não agregam, são relações onde não podemos ser nós. Na verdade, o que todos queremos é a liberdade de sermos nós mesmos. É esse direito à existência que procuramos.