Ultimamente, tenho lido alguns estudos
sobre o amor, já que este era o tema subjacente a umas aulas que tinha de
leccionar. Sublinho que aqui se entende “amor” no seu sentido mais lato.
Afinal, em toda a relação de parceria está idealmente sub-entendida uma relação
de afecto, identificação, companheirismo. Mas vamos lá à conclusão: o amor é,
essencialmente, uma emoção egoísta. A pouco generosa conclusão não é minha e
está aberta a discussão. No entanto, analisando, acabamos por verificar que
assim é. Vou lançar umas ideias sumárias daquilo que li, e quem tiver interesse
pode ir pesquisar mais e até discordar.
Quando fazemos uma escolha – seja essa
escolha um parceiro, um trabalho, etc – fazemo-lo, em última análise,
perseguindo o nosso bem-estar. Acreditamos que essa é a melhor escolha para
nós, nesse determinado momento, dentro do contexto que nos cerca. Alguma
expectativa nossa é preenchida com essa escolha. Sendo que as escolhas são mútuas,
é claro que também estamos a preencher uma expectativa do outro lado – seja do
parceiro que também nos escolhe, da entidade patronal que também nos seleciona,
etc. Porque o ser humano saudável vive em busca do que lhe dá mais prazer e
foge à dor, é óbvio que estamos a escolher algo ou alguém que nos traz mais
alegria, mais gosto pela vida, enfim mais momentos de felicidade, por oposição
a outra situação que não seria tão prazeirosa. Aqui, já começamos a ver o
porquê do egoísmo se aplicar ao amor, em última análise.
No entanto, reparem que usei o adjectivo
“saudável” acima. A pessoa saudável toma decisões tendo em conta o que
considera ser melhor para si. Luta pelos seus valores, pela sua protecção. Este
processo nem sempre é consciente mas está presente, como um escudo de
auto-cuidado, no indivíduo. Faz parte do amor-próprio. Porém, a pessoa cujo
instinto de auto-preservação está danificado tem problemas com estas escolhas e
forma relações pouco saudáveis. Exemplo: escolhe trabalhos onde “cumpre uma missão”
mas está insatisfeito; fica com alguém que o trata abaixo de cão mas acredita
que “a vida é assim”. Como já disse, toda a relação tem dois lados. Nestas
relações em que existe alguém com espírito de vítima, existe sempre alguém com
espírito de vampiro sugador: um dá demais, e o outro tira continuamente. O
melhor exemplo destas relações com desequilíbrio de poder (e logo, não
saudáveis) são as relações do toxicodependente: os seus “amigos” são, por regra,
pessoas que ou lhe fomentam o vício ou se aproveitam dele sugando-lhe dinheiro.
No entanto, o dependente chama-lhes “amigos”.
A teoria valida-se. Associamo-nos com
aqueles que acreditamos trazer algum benefício (que pode até ser espiritual) para
as nossas vidas. O importante é decidir as nossas prioridades a fim de
escolhermos bem as nossas parcerias.
Os relacionamentos de amizade (sendo que
a amizade acaba por ser outra forma de amor, retirando a componente erótica)
não são diferentes na sua sustentabilidade. Para que uma amizade seja
sustentável, tem de existir autenticidade e propósito de ambas as partes. Quando
alguém finge ser o que não é – mesmo que seja para agradar o outro – a relação
está condenada, cedo ou tarde, ao fracasso. Na verdade, jamais existiu.
Tratou-se de uma ilusão, porque lhe faltou autenticidade de uma das partes. Não
é possível haver relacionamentos sem genuinidade, entrega, lealdade, e duas
pessoas vibrando na mesma onda. Isto é válido tanto para amigos quanto para
relações românticas, salientando que um companheiro não pode ser apenas amigo…
mas deve ser também amigo. A amizade é mais leve porque a paixão física traz
algo avassalador. No entanto, romance sem componente apaixonada é como ter um
irmão ali ao lado.
O importante é conhecermo-nos bem. Dado
que procuramos e nos conectamos com aqueles que se ligam à nossa essência, não
podemos realmente saber com que tipo de pessoas nos queremos associar se não
sabemos do que gostamos, quais os nossos valores profundos, qual a nossa
energia. Exemplos: se eu gosto de massagens e de filosofia tântrica,
dificilmente farei boa parceria com alguém que abomina o toque; se eu gosto de animais,
será muito complicado fazer par com alguém alérgico; se eu luto pelos direitos
humanos, é complicado ligar-me a quem não dá duas favas para esse assunto.
Posso ligar-me a alguém oposto? Com certeza. Serão relações com prazo de
validade, que servem para nos ensinar que relações de oposição são pesadas,
tornam-se um fardo, desgastam, não agregam, são relações onde não podemos ser
nós. Na verdade, o que todos queremos é a liberdade de sermos nós mesmos. É
esse direito à existência que procuramos.