Deve haver poucas coisas mais enervantes e meladas do que o Dia dos Namorados para alguém que está sozinho. Eu, quando era miúda (pausa para aqueles que me conhecem se rirem porque só tenho 1,60 m e peso a condizer) nunca se ouvia falar neste dia. Depois, os profes de inglês começaram a envenar-nos na escola com o Valentine’s Day e outras tolices anglo-saxónicas, como se S. Valentim fosse inglês! Mais tarde, vim a descobrir que era um romano que desafiou um Imperador cuja lei ditava que os soldados fossem todos solteirinhos (e não tivessem amantes) para melhor desempenharem as suas funções. Enfim, não nos alarguemos. O certo é que, subitamente, deu-se uma avalanche comercial e não passou a haver ano em que não florescessem coraçõezinhos, florzinhas, cupidozinhos, bombonzinhos, peluchezinhos, cartõezinhos e iloveyouzinhos em todas as montras. E nós, paspalhos consumistas, lá vamos.
Uma pessoa sem par sofre imenso neste dia. Uma pessoa com par também.
O “sem par” não consegue fugir. De todo o lado saltam coisas cor de rosa. O mundo inteiro, que ainda ontem se odiava, hoje é vermelho de paixão. Uma pessoa sente-se até infeliz! Sempre conviveu tão bem com a sua solidão voluntária, e, de repente, neste dia malfadado, sente-se culpado por não ter uma boca a quem dar um beijo obrigatório. Se vai comprar o jornal, é logo atacado com a pergunta:“Então, não quer levar uma prendinha para aquela pessoa especial?”; “Não, eu sou ímpar.” É logo olhado com estranheza, talvez até piedade. Ímpar a 14 de Fevereiro é quase doença terminal. Na rua, os casalinhos são como cogumelos: aparecem às centenas! Onde andava esta gente escondida nos outros 364 dias do ano?! Se vamos aos restaurantes, querem acender-nos velinhas! Velinhas, santo Deus! Para alumiar a nossa miséria, certamente. E a rosa vermelha na jarra em frente, e a musiqueta que perguntam se queremos ouvir. E o desconto era só para casais! Vamos, então, ao cinema para fugir de toda essa casta conspiradora. Piorou. Somos os únicos que foram ali ver o filme. O resto são parzinhos que podiam ter ficado em casa –qual é a graça de tanto apalpanço em público? Ainda não percebi, mas também compreendo que quando não se tem casa nem carro, uma pessoa tem de dar largas à imaginação toponímica – e mal vão as luzes abaixo, temos dois filmes à escolha. Uma pessoa acaba o 14 de Fevereiro com vontade de atirar setas ao Cupido.
E o ser “com par”? Não pensem que está melhor. O “com par” sofre da obrigação social de comprar uma prenda. É tradição. Definitivamente, começou há coisa de 10 anos. Está profundamente enraízada na nossa cultura, como se pode verificar. Se se esquecem as prendas, há verdadeiras catástrofes no seio de certos casais: “O quê?! O Miguel não te ofereceu nada?! O Filipe ofereceu-me flores, 5 rosas! Ah, eu, se fosse a ti, mostrava-lhe como é! Ai, eu castigava-o bem!” Ora, todo o homem sabe como uma mulher insatisfeita é mestra em perfídias.
Por outro lado, as prendas nunca são do agrado de quem as recebe, a julgar pelos comentários pós-prenda com os/as amigos/as: “Pá, não gostei nada dos boxers com diabinhos que a Maria me ofereceu. Nem sei se ela espera que os use? Achas que espera?”, diz o Manel com uns boxers na mão que envergonhariam o avô dele, que são para ele do maior desconforto, e que a Maria está convencida que ele adora (porque a dona da loja disse que todos os homens adoram, que o marido e o filho dela – que nunca os vestiriam- adoram) . O Manel só os há-de usar, se achar que isso convence mais depressa a Maria a tirá-los – isto, se por acaso, ainda estiverem na fase em que precisam de estar com esta jogatana toda...
E eu, que sou firmemente contra datas que nos fazem gastar dinheiro à toa, que sou ainda mais obtusamente contra dias para demonstrar o nosso carinho por alguém, que sempre achei uma denguice melada e espalhafatosa este dia, que não preciso que me ofereçam presentes, antes quero abraços, obrigada, guarda lá isso, esquece essa treta, a quem irritam as beijoquices excessivas, e que fico, sobretudo, irritada, com o aproveitamento comercial que se faz de tudo... até eu, confesso, culpada, que me lembro ainda de um cartão piroso que me deram neste dia, na escola, há imensos anos atrás.