... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, March 2, 2006

Os Países "Desenvolvidos"


Estavam à espera que vos falasse do Carnaval, mas tenham paciência... É que no país onde, actualmente, estou a viver não se celebra o Carnaval e a coisa passou-me ao lado como se nem existissem balões de água e serpentinas. Isto não é inteiramente verdade, dado que há uma coisa vagamente carnavalesca na parte francófona do Canadá, a que chamam Mardi Gras. Portanto, até pelo nome, podem ver que o Carnaval do Canadá resume-se a uma Terça-feira Gorda.  E só existe no Quebéc, que nem é onde estou.


Carnavais à parte (e a minha vida à parte, que também não vos interessa), já acabou esse rito de fantasia e já podem deixar cair as máscaras. Foi a propósito de máscaras e fantasias que me ocorreu esta ideia sobre os países desenvolvidos.


Todos nós – vá lá, a maior parte, porque de certeza há-de aparecer um iluminado a dizer que nunca teve este conceito entranhado... – pensamos no mapa e, pelo que ouvimos veiculado nas notícias, pelo que aprendemos na escola, pelo que fomos adquirindo no convívio social ao longo dos anos, criamos esta imagem de um certo número de países que chamamos desenvolvidos por oposição áqueles que não o são (ou que o são em menor grau). Claro que há aqui uma interessante escadinha: um português, por exemplo, dirá que a França é um país desenvolvido (ou que os E.U.A. são um país desenvolvido, dependendo da conotação que cada qual entender dar à palavra). Já um cingalês, por exemplo, pode achar que Portugal é um país desenvolvido (escolho esta nacionalidade à sorte, porque na minha profissão deparo-me com muitas e esta situação já me aconteceu; eu cá nunca fui ao Sri Lanka e não sei como se vive por lá!).


Note-se que o “desenvolvido” pode vir seguido de uma adversativa “mas...” se não concordarmos com as posições político-humanitárias dos países em questão. O desenvolvimento não está só patente na economia, que se reflecte imediatamente na qualidade de vida da maior parte dos cidadãos – da maior parte, sim... porque não têm todos carros e não falta gente a dormir na rua – mas também no grau de liberdade de pensamento dos mesmos, na igualdade de oportunidades, etc, e na tolerância que se manifesta para com outras culturas. Isto posto assim, não sei se estes países que “admiramos” serão tão desenvolvidos, com o maior respeito que tenho por todas as culturas... E apontando o dedinho acusador para nós próprios também.


O que mais me faz impressão nos países desenvolvidos é a falta de conhecimento que têm acerca das culturas que eles julgam ser inferiores à sua – a não ser que as achem “giras e muito típicas” para umas feriazitas a contar aos amigos. Assim, o Canadá desconhece  completamente o que será isso de Portugal (Açores então, nem falemos nisso!) e frequentemente pessoas bem intencionadas me perguntam se posso tirar-lhes dúvidas acerca da gramática espanhola. É preciso explicar que Portugal é um país, com língua própria e tudo, ahn? Obrigada. Já sei, os senhores vão dizer-me que a vossa família no Canadá conhece muita gente que sabe tudo sobre Portugal. Como sabem, as comunidades emigrantes, seja de que país forem, vivem em bairros todas juntinhas... Se sairem daquelas zonas, entram num mundo onde Portugal, a Ucrânia, o Paquistão já não existem. Eu vivo onde Portugal não existe.


Outro dia, na zona internacional do aeroporto de Toronto, uma senhora hispânica perguntava ao funcionário se era ali que saíam os passageiros do voo de Cuba. “Isso depende”- diz ele -“Cuba... isso é no Canadá?”. “Não, não! Cuba... a ilha. Sabe, o país!”, responde a senhora, cheia de paciência. “Sei lá, minha senhora, nunca ouvi falar.” “É um país.” “Tem a certeza? Se é um país qualquer, a senhora está no sítio certo; se é um sítio remoto do Canadá, tem de ir para outro terminal.”


A ignorância pelo que consideram, seja de que modo for, inferior... Lamentável. Não vejo como a ignorância corresponde a desenvolvimento. Devia estar a dormir quando passaram a ser sinónimos.


Em Portugal, agora que somos, em tanta coisa desenvolvidos, começamos a comportar-nos assim... para com quem achamos inferior, claro. Porque para com os que nem sabem o nosso nome e onde ficamos no mapa, temos uma reverência canina. Só falta abanarmos o rabo e fazermos ão ão. Nem sei bem qual o respeito que perdemos mais: se aquele que tínhamos por nós mesmos ou que devíamos ter pelo próximo.