Trabalho num lugar cheio de regras de “boa educação”- como todos, pensam vocês. Isso é que era doce! Há certos lugares onde se podem largar uns palavrões se, por acidente, tropeçamos no tapete e batemos com a canela na esquina da mesa; há outros ambientes onde qualquer palavra mais “solta” é encarada com um olhar ríspido e uma tossezinha seca e outros, ainda, onde a palavra proferida chega a manchete de jornal. Para além de trabalhar num sítio onde devemos ter cuidado com a língua (esta frase tem um sentido duplo, porque, de facto, temos mesmo de ter cuidado com o modo como usamos a língua, dado que todo o erro linguístico que façamos pode ser usado contra nós - “Então, a sra Prof. não sabia que isto se dizia assim? Louvado!” - Então?! Julgavam que o sentido duplo era o quê? Suas mentes perversas!), trabalho num país obcecado por regras. Em Portugal, as pessoas são mais libertas de preconceitos, apesar do que se pensa. Todos sabemos que um dos passatempos preferidos dos portugueses é criticar Portugal. Quantos países vocês conhecem que se auto-criticam tanto? Ah, pois é.
Todo este preâmbulo para chegar à estória das palavras. A minha colega tinha tido um dia mau. Quando chegou ao escritório, o computador não funcionava, para cúmulo. Ela soltou um:“What the f*ck is going on with this computer?!” que paralisou sete pessoas, em instantâneo. A infeliz ficou gelada, porque se deu conta que tinha lançado uma palavra proibida. Foi preciso substituir a coisa por um: “Something is wrong with our IT services today, gentlemen.” Suspiraram todos, de alívio. Bom, já se podia trabalhar em sossego. Ela dourou aquela pílula.
Claro, todos conhecemos o “dourar” da palavra. Às vezes, a mensagem fica tão críptica e cifrada que quase necessitamos de um dicionário (mais um diconário de sinónimos, excelente ferramenta que não me canso de aconselhar!) para decifrar o que quer dizer o emissor. Infelizmente, nem sempre temos tempo - para não falar do incómodo que é andar com essas coisas pesadíssimas – para estas manobras de detective, sobretudo quando o discurso é, todo ele, complexo e emaranhado, e não tem ponta de simplicidade nem do que se costuma chamar sumo. Como – e eis um exemplo inocente para que todos possamos compreender - os discursos dos candidados em época eleitoral. Neste caso, resta-nos dizer um “ah”de entendedor no fim, como se tivéssemos, efectivamente, percebido e, mais tarde, tentar compreender algo da alagaraviada apressada – porém repleta de palvaras distintas e sonantes – que nos foi martelada. Digo, enviada. Isto, claro, se ainda nos lembrarmos dela.
Há ocasiões – como nas conferências, por exemplo – em que se nos pusermos a analisar (se não nos der sono...) a verdadeira mensagem dos participantes, chegamos à triste conclusão que cerca de 70% por cento dos conferencistas tem um conteúdo muito pobre... mas um discurso cheio do que antigamente (na boa e directa linguagem dos nossos avós) se chamava “palavras de dez mil escudos!”. Não nos estão a dizer nada de particularmente inteligente, nem seguramente nada de original... mas o embrulho é furta-cores berrante, o laço de fita é colorido e, sobretudo, faz um estardalhaço a abrir. Palmas no fim.
Com tanto douramento de palavras, imagino já que no futuro isto se estenda a toda a população. Afinal, para alguma coisa havemos de educar os nossos “piquenos”. Eia, lá vamos! Não mais se dirão palavrões, vivam as palavras douradinhas (isto quase se aproxima a uma publicidade da Igloo; arrisco-me a ser processada por plágio!).
Certas coisas perderão, de todo, a sua essência, a sua pureza. Os jogos de futebol, por exemplo, não mais serão os mesmos. Eu cá tenho certa dificuldade em visualizar diálogos como este, que nos esperam no futuro caso insistamos em banir os palavrões:
- Membro sexual masculino! Este filho de uma senhora que se dedica a actividades sexuais a troco de dinheiro está a roubar a nossa equipa! Macho da cabra em versão aumentativa! Aperto-lhe os tomates!
(porque tomates ainda não é palavrão... mas concordo que não fica bem; vá lá, banir por banir, que se substituam por uma leguminosa menos sanguinolenta, tipo insultuosas ervilhinhas, ou, se se quiser fazer a coisa em grande, uns elegantes repolhos.)
Perante esta nova linguagem, que confundirá os mais velhos e levará tempo a entrar no ritmo de todos, poucos ficarão contentes. Suspeito que apenas – para além dos já citados senhores que já andam a treinar-se nisto há anos – só as mães dos árbitros ficarão satisfeitas com esta nova nomenclatura. Além disso, certos nomes sonantes não mais poderão abrir a boca – a não ser com intérpretes. Casos do Pinto da Costa, do Alberto João e do Valentim Loureiro, que terão de reformular todo o seu vocabulário, de A a Z.