... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 6, 2006

Mudam-se os Tempos...


Em conversa com alguns miúdos (enfim, não tanto como isso, já são maiores de idade e têm mais 20 cm de altura do que eu,  mas, dado que 10 anos nos separam, a tendência é para os «miudizar» - sou capaz de ter inventado o verbo agora mesmo, atenção dicionário Houaiss!), descobri que a minha antiga escola secundária, hoje mais conhecida por uma sigla qualquer que me recuso a repetir por achar ridículo vivermos num mundo de siglas, proibíu que se dêem beijos na boca dentro do recinto escolar.


Serei só eu a única adulta, sã em mente e corpo (pelo menos ainda não fui internada por nenhuma mazela respeitante a estes) a achar esta medida absolutamente estapafúrdia?


A coisa torna-se ainda mais engraçada se pensarmos que a proibição é ideia de um grupo de pessoas que, quando eram jovens (basta fazermos as continhas à idade que têm…), seriam certamente todas muito arejadas e algumas até auto-denominadas hippies – vá lá, à escala do arquipélago, onda a onda hippie chegou muito mais tarde e foi sempre bem mais soft . De qualquer modo, quando andavam no liceu, estes senhores e senhoras – hoje tão predispostos a ver num beijo um pecado! - estavam  dentro da onda  da liberdade e do flower power. Todos sabemos que a máxima vigente da época destes senhores era MAKE LOVE NOT WAR e com isto está tudo dito. Resta saber se o make love era tão directo que se ia lá sem beijos nem nada. Espero, sinceramente, que não.  Estes senhores e senhoras ainda falam dos namoros e atrelamentos que tinham «no liceu» (e não «naquele tempo», note-se o pormenor semântico), mas agora querem convencer a malta que namorar dentro da escola «não se deve fazer», seguindo as boas regras de Frei Tomás, faz o que ele diz e não o que ele faz.


Entretanto, estes senhores cortaram os cabelos, fizeram as barbas, as senhoras subiram cada vez mais os saltos dos sapatos e puseram maquilhagem, eles e elas empinocaram-se nas roupas (não esquecer as fundamentais gravatas para eles) e começaram a ficar muito cansados. O cansaço crescia à medida que passavam mais tempo sentados em confortáveis cadeiras, normalmente conhecidas por «cadeiras executivas». São cadeiras que se vendem no hiper, mas só dão estatuto quando se pode fazer leis (umas a torto, outras a direito) ou mandar em meia dúzia de gente (nem que seja na comissão de moradores do prédio) sentado nelas. Depois, o cansaço engorda, o pessoal deprime-se e para chatear aqueles com ar juvenil e bem-disposto é caçá-los – cortar-lhes isso da beijoquice, por exemplo. Que pouca vergonha é essa agora ? Eles, no seu tempo (perguntem-lhes)  não beijavam ninguém  na escola!


Decerto haverá pais preocupados e professores iluminados que defendam que os namoros dos filhos/alunos dentro do recinto escolar lhes desviam a atenção das disciplinas a serem estudadas. Ah ah ah ! E outra vez : AH AH AH ! É mais ou menos como dizer que as batatas fritas estão no prato para tirar o lugar ao bife. As indecentes. A partir de hoje, devíamos comer só bifinho. Sem salada, sem batatas, sem arroz, sem molho. Seco e duro. Toma lá. Até o saboreias melhor.


A escola é onde um adolescente passa mais tempo. Não é unicamente o lugar onde vai aprender Português, Matemática, Biologia, Inglês, Desporto (embora também seja isso, o que já não é nada dizer nada pouco!). É também  o lugar onde aprende a viver em sociedade, porque o microcosmos familiar é uma célula demasiado pequena  (e quantas vezes deficiente ou até inexistente) para que ele possa apreender as ligações inter-pessoais que, de qualquer modo, são demasiado ricas e vastas  para se realizarem em pleno (só) aí. O amor faz parte da vida, e quando não faz é de lamentar. Parece-me muito perigoso incutir esta noção como regra – a de que uma manifestação de amor  (porque um beijo é tão só isso e não o tabu que querem fazer dele) está proibida.


Bem sei que muitos pais (e certos professores, meus caros colegas) abanam a cabeça a dizer que os meninos que querem namorar podem ir para casa fazê-lo. Do ponto de vista de um pai preocupado com a sua filha (porque é disso que se trata) não me parece muito inteligente. Qualquer casa oferece muitos mais perigos, com tanto chão para rebolar, sofás e camas fofinhas e (sobretudo) portas que se podem trancar.  Quem diz casa, diz outro local com chave. A imaginação de alguém a quem uma proibição foi imposta é quase ilimitada. Como sabemos, proibir é incentivar a vontade de um coração rebelde. Então, um apaixonado trepa paredes lisas.  


Se for rigorosa na sua proibição do beijo, a escola dentro em pouco levará à sua própria desertificação, excepto nos momentos absolutamente necessários para a prática do desporto e para a assistência de aulas. Isto porque ninguém prevê quando é que um beijo pode acontecer, certo?


Caros pais e colegas, a vossa preocupação é um pouco excessiva. Afinal, que a ciência tenha conhecimento, ainda não se engravida pela língua…