Todos sabemos como é que é, hoje em dia, concorrer para um emprego. Ou o nosso sobrenome é Cunha ou então nada feito – com raríssimas e honrosas excepções, algumas decorrentes até da sorte e não, propriamente, do mérito. Aliás, como ninguém neste mundo (sim, não é só em Portugal…) ignora este facto – ao ponto de já se dar a coisa por instituída e se achar que é natural (um mal de que se padece e para o qual não há cura, como a subida constante das taxas de juro, a corrupção na justiça ou a inércia pasmadinha que reinam em grande parte destas nossas tribos) – não vamos falar dele aqui. Até porque seria coisa para ofender dois terços da população e nós não queremos ofender ninguém – muito menos gratuitamente.
Reparem como estava, até aqui, a usar o plural majestático (também chamado de modéstia, porque esta forma verbal dá para ser grande ou pequenino mudando o tom para o que nos convem… e, ao usá-la, ganha-se um grande conforto!)
O certo é que, por descargo de consciência e porque a esperança é a última a morrer –mas morre, ainda que na praia… - lá se vai concorrendo a empregos (embora duvidando muito do uso do verbo «concorrer» quando utilizado na mesma frase que o substantivo «emprego»). O facto de se ser mulher condiciona ainda mais.
Pronto, já sei que é tabu falar-se disto num tempo iluminado e esclarecido como o nosso, em que a igualdade entre os sexos é ponto assente e homem que disser que não é assim é machista (espécime peludo, cuspidor para o chão, criatura cuja noção de «mulher» implica «aquela cujos metros quadrados a percorrer se desenrolam entre o quarto de cama e a cozinha») e mulher que disser que não é assim é feminista (espécime também peluda, pouco maternal, criatura cuja noção de «homem» implica «aquele que se pode abater após se ter retirado o esperma necessário à continuidade da vida»). Os de entre nós que são simplesmente a favor de uma perspectiva igualitária mas que acham que ela não existe são olhados com uma desconfiança de canto. Verdade, verdadinha, a mulher ainda não é vista como igual ao homem no que ao trabalho diz respeito.
Antes que me venham dizer «Ah, pois é, o bem que se fazia era meter às senhoras um sacho nas mãos para criarem calos!», digo-vos já que não vejo porque não. Não se pode negar que os homens têm – regra geral – mais força física. No entanto, não vejo porque não pode uma mulher pegar num sacho e cavar terra ou numa lixa e lixar as madeiras todas dum barco. Hipoteticamente, pode até demorar mais tempo, mas o trabalho fica feito (e, quem sabe, mais perfeitinho?). Não é uma questão de sexos, mas de indivíduos. Haja quem queira trabalhar e trabalhar com perfeccionismo e vontade. Aliás, temos muitos exemplos de mulheres a fazerem o que, vulgarmente, se denomina «trabalho d’homem» (e não é preciso recuar na História, ao tempo em que os homens iam à guerra e as mulheres tinham de fazer o que, anteriormente, lhes cabia a eles; basta olhar para algumas fábricas, algumas quintas, alguns navios, etc…)
Voltando, porém, aos «concursos» (entre aspas…), é curioso que uma mulher tenha de responder a determinadas questões que a um homem nunca são postas. Vá lá, ainda posso perceber que se coloquem questões como «pensa ter filhos?», porque a lógica patronal é que uma jovem mulher engravida, tem bebé(s) e depois não trabalha (mas recebe, caso esteja na raríssima situação contratual, porque recibo verde é esse ser inexistente) durante seis meses. É chato. Isto já para não falar dos eventuais problemas das grávidas em risco de aborto espontâneo que vão para casa mais cedo – sim, porque fora isso não se compreende que não se trabalhe até ao rebentamento das águas, como desde sempre e para todo o sempre, ámen.
Não posso entender, porém, que um (futuro) patrão ponha questões do tipo: «O seu marido… porque já lhe perguntei se é casada… o seu marido, que diz? Acha bem que a menina / a senhora concorra a este emprego?» É tal qual como perguntar a uma menor de idade se o paizinho dela concorda, se dá autorização e assina a folhinha. Tenho a certeza que, a um homem, patrão algum (ou patroa, já agora…) pergunta se a mulher concorda com – e, convenhamos, não tem nada que perguntar, porque a vida pessoal, cada um resolve-a como quiser, sem ter de dar contas ao emprego, partindo do princípio que um funcionário inteligente e responsável não deixa sequer que isso afecte a sua prestação.
Com a passagem do tempo, começo a perceber o que é que se entende por uma «boa rapariga» - é, afinal, uma rapariga amorfa. Quanto menos fazemos e dizemos, melhores pequenas somos. Se, porém, temos alguma atitude (quer seja ou não de valor), a par da meia dúzia que declara que «somos mulheres de garra», logo se levanta uma dúzia em coro a gritar que «afinal, com aquela cara de anjo, é o diabo em pessoa!». Mas boas raparigas, após mostrarmos a nossa voz, é algo que nunca voltaremos a ser…