... "And now for something completely different" Monty Python

Wednesday, November 22, 2006

Desculpe, Disse "Igualdade de Circunstâncias"?


Todos sabemos como é que é, hoje em dia, concorrer para um emprego. Ou o nosso sobrenome é Cunha ou então nada feito – com raríssimas e honrosas excepções, algumas decorrentes até da sorte e não, propriamente, do mérito. Aliás, como ninguém neste mundo (sim, não é só em Portugal…) ignora este facto – ao ponto de já se dar a coisa por instituída e se achar que é natural (um mal de que se padece e para o qual não há cura, como a subida constante das taxas de juro, a corrupção na justiça ou a inércia pasmadinha que reinam em grande parte destas nossas tribos) – não vamos falar dele aqui. Até porque seria coisa para ofender dois terços da população e nós não queremos ofender ninguém – muito menos gratuitamente.


Reparem como estava, até aqui, a usar o plural majestático (também chamado de modéstia, porque esta forma verbal dá para ser grande ou pequenino mudando o tom para o que nos convem… e, ao usá-la, ganha-se um grande conforto!)


O certo é que, por descargo de consciência e porque a esperança é a última a morrer –mas morre, ainda que na praia… - lá se vai concorrendo a empregos (embora duvidando muito do uso do verbo «concorrer» quando utilizado na mesma frase que o substantivo «emprego»). O facto de se ser mulher condiciona ainda mais.


Pronto, já sei que é tabu falar-se disto num tempo iluminado e esclarecido como o nosso, em que a igualdade entre os sexos é ponto assente e homem que disser que não é assim é machista (espécime peludo, cuspidor para o chão, criatura cuja noção de «mulher» implica «aquela cujos metros quadrados a percorrer se desenrolam entre o quarto de cama e a cozinha») e mulher que disser que não é assim é feminista (espécime também peluda, pouco maternal, criatura cuja noção de «homem» implica «aquele que se pode abater após se ter retirado o esperma necessário à continuidade da vida»). Os de entre nós que são simplesmente a favor de uma perspectiva igualitária mas que acham que ela não existe são olhados com uma desconfiança de canto. Verdade, verdadinha, a mulher ainda não é vista como igual ao homem no que ao trabalho diz respeito.


Antes que me venham dizer «Ah, pois é, o bem que se fazia era meter às senhoras um sacho nas mãos para criarem calos!», digo-vos já que não vejo porque não. Não se pode negar que os homens têm – regra geral – mais força física. No entanto, não vejo porque não pode uma mulher pegar num sacho e cavar terra ou numa lixa e lixar as madeiras todas dum barco. Hipoteticamente, pode até demorar mais tempo, mas o trabalho fica feito (e, quem sabe, mais perfeitinho?). Não é uma questão de sexos, mas de indivíduos. Haja quem queira trabalhar e trabalhar com perfeccionismo e vontade. Aliás, temos muitos exemplos de mulheres a fazerem o que, vulgarmente, se denomina «trabalho d’homem» (e não é preciso recuar na História, ao tempo em que os homens iam à guerra e as mulheres tinham de fazer o que, anteriormente, lhes cabia a eles; basta olhar para algumas fábricas, algumas quintas, alguns navios, etc…)


Voltando, porém, aos «concursos» (entre aspas…), é curioso que uma mulher tenha de responder a determinadas questões que a um homem nunca são postas. Vá lá, ainda posso perceber que se coloquem questões como «pensa ter filhos?», porque a lógica patronal é que uma jovem mulher engravida, tem bebé(s) e depois não trabalha (mas recebe, caso esteja na raríssima situação contratual, porque recibo verde é esse ser inexistente) durante seis meses. É chato. Isto já para não falar dos eventuais problemas das grávidas em risco de aborto espontâneo que vão para casa mais cedo – sim, porque fora isso não se compreende que não se trabalhe até ao rebentamento das águas, como desde sempre e para todo o sempre, ámen.


Não posso entender, porém, que um (futuro) patrão ponha questões do tipo: «O seu marido… porque já lhe perguntei se é casada… o seu marido, que diz?  Acha bem que a menina / a senhora concorra a este emprego?» É tal qual como perguntar a uma menor de idade se o paizinho dela concorda, se dá autorização e assina a folhinha. Tenho a certeza que, a um homem, patrão algum (ou patroa, já agora…) pergunta se a mulher concorda com – e, convenhamos, não tem nada que perguntar, porque a vida pessoal, cada um resolve-a  como quiser, sem ter de dar contas ao emprego, partindo do princípio que um funcionário inteligente e responsável não deixa sequer que isso afecte a sua prestação.


Com a passagem do tempo, começo a perceber o que é que se entende por uma «boa rapariga» - é, afinal, uma rapariga amorfa. Quanto menos fazemos e dizemos, melhores pequenas somos. Se, porém, temos alguma atitude (quer seja ou não de valor), a par da meia dúzia que declara que «somos mulheres de garra», logo se levanta uma dúzia em coro a gritar que «afinal, com aquela cara de anjo, é o diabo em pessoa!». Mas boas raparigas, após mostrarmos a nossa voz, é algo que nunca voltaremos a ser…

Saturday, November 11, 2006

A Tradição Já Não É o que Era


Bem sei que Outubro é um mês a roçar o deprimente. O Outono nos Açores não é especialmente bonito nem colorido, chove quase tanto como em Abril com a agravante de que o que nos espera é o Inverno, estamos na ressaca do Verão e não apetecia nada deixar os dias morninhos e longos por um capacete de nevoeiro. Além disso, verifica-se uma debandada geral de gente: de estudantes que vão para fora da ilha, de turistas (pronto, está bem, podem sufocar o riso, já sei que não temos assim tantos, mas no Outono é que não vamos vê-los a tirar fotografias à torre do Relógio e ao seu largo de aspecto arruinado, de certezinha!), de iatistas que estão todos de férias na época baixa de Outubro (a Horta é incaracterística e meia despovoada sem eles), de emigrantes que já fizeram as visitas à família.  Juntemos a isto os rostos das criancinhas que já perderam a frescura expectante do regresso às aulas e temos uma melancolia quase generalizada.


Cada um lida com ela a seu modo. Há aquelas cidades (sim, nos Açores também, embora, felizmente, a Horta tenha o bom senso de não o fazer e espero que continue assim!) que se enfeitam prematuramente para o Natal, com bolas, luzes, pinheiros – de plástico, senão não aguentavam tanto tempo, já se vê… - e, sobretudo, um número infindável de pais natais, renas e bonecos de neve. Faz todo o sentido que nos preparemos para o Natal, essa festa de partilha, com tanta antecedência. Se eu fosse comerciante, ficaria deliciada! Como não sou, quando chega à quinzena natalícia, já estou capaz de dar um tiro ao primeiro bonequinho fofinho com nariz vermelhinho que me faz sacar da carteira porque é Natal (é que já há dois meses que vem sendo Natal e já ninguém aguenta tanta dádiva com cântico de fundo…)


A par disto (e deste mal, não se escapa também por cá), resolveu-se animar o fim de Outubro com uma importação irlandesa. Estou convencida que a culpa foi da minha geração porque julgo que antes (tanto quanto sei, mas estejam à vontade para me rebater com provas em contrário)  não havia memória de se celebrar uma coisa chamada Noite das Bruxas ou - mais apropriada e celticamente falando – Halloween. A coisa começou muito inocentemente, numa versão brincalhona, em que nos mascarávamos de qualquer coisa assustadora (enfim, alguns com menos esforço que outros…) nessa noite, para nos divertirmos e porque isso era mais uma oportunidade de sermos outro alguém por umas horas.


De resto, como é do conhecimento geral (por um milagre que se chama televisão-que-passa-a-vida-a-mostrar-filmes-americanos) o Halloween é a noite antes do Dia de Todos os Santos (uma contracçãozita de All Hallows Eve). Há mil e uma versões sobre como se iniciou esta tradição e como se propagou – fácil é perceber que chegou com os colonos aos E.U.A., mais difícil é entender porque é que foi bombardeada nos últimos anos para todo o mundo, como se tivesse alguma coisa a ver connosco, e mais ainda porque é que engolimos isto tudo tão bem e pedimos mais. Realmente, hoje em dia não há santa terrinha onde não se veja uma lojeca no mês de Outubro a vender uma abóbora com um sorriso cortado à faca e iluminada por dentro, tipo lanterna, ou uns caramelos embrulhados em papel com bruxas para as fatais criancinhas que agora hão-de (tradicionalmente!) bater-nos à porta nessa noite, ou fantasias de fantasma e vampiro ou até – pasme-se ! – livros sobre «Como enfeitar a sua casa para o Halloween»   não vamos nós agora ter uma casa menos adequadamente decorada do que a do vizinho para esta novíssima tradição que se impõe. É preciso estar a par. Afinal, não somos menos que a América. Também queremos uma Noite das Bruxas.


Até há bem poucos anos atrás, tínhamos a nossa própria tradição, no Dia de Todos os Santos, chamada Pão por Deus. Muito diferente do Halloween, mas com um ponto em comum – também nos batiam crianças à porta, mas era muito mais simpático, porque não nos ameaçavam com o terrível «doce ou susto!» que dizem os putos do Halloween . A mim, apetece-me logo dizer «Olha, por acaso não tenho doces, prega-me lá o susto que quiseres, filho…», porque me aborrece este ultimato. Já a tradição do Pão por Deus é muito mais terna e, sobretudo, é nossa. Não cheira a baú da América, cujas roupinhas Portugal usa mas ficam-lhe largas e vê-se logo que não são suas.


Não tenho absolutamente nada contra as celebrações das tradições de outros lugares, quando o fazemos sabendo que estamos a fazer isso mesmo: a celebrar festas de outras culturas e a aprender com isso. Mas esta mania de incorporar na rotina de um povo datas que nada têm de intrínsecamente a ver com ele não lhe acrescenta nada, pelo contrário. Cada povo é único e característico por ser diferente e são (também) as tradições tão diversas que trazem encanto e beleza a cada um, e que fazem valer a pena viajar, conhecer, aprender, inter-relacionarmo-nos com  pessoas de outras nacionalidades. Querer, a toda a força, implementar costumes que não são nossos não é uma prova de inteligência nem sequer uma boa estratégia turística, dado que ficamos iguaizinhos a outros tantos. Iguais, não; uma imitação parola e comercial.


Qualquer dia, inventa-se o Thanksgiving como grande tradição portuguesa, que não é mais que dizer excelente forma dos supermercados expandirem o negócio dos perus.