Bem sei que Outubro é um mês a roçar o deprimente. O Outono nos Açores não é especialmente bonito nem colorido, chove quase tanto como em Abril com a agravante de que o que nos espera é o Inverno, estamos na ressaca do Verão e não apetecia nada deixar os dias morninhos e longos por um capacete de nevoeiro. Além disso, verifica-se uma debandada geral de gente: de estudantes que vão para fora da ilha, de turistas (pronto, está bem, podem sufocar o riso, já sei que não temos assim tantos, mas no Outono é que não vamos vê-los a tirar fotografias à torre do Relógio e ao seu largo de aspecto arruinado, de certezinha!), de iatistas que estão todos de férias na época baixa de Outubro (a Horta é incaracterística e meia despovoada sem eles), de emigrantes que já fizeram as visitas à família. Juntemos a isto os rostos das criancinhas que já perderam a frescura expectante do regresso às aulas e temos uma melancolia quase generalizada.
Cada um lida com ela a seu modo. Há aquelas cidades (sim, nos Açores também, embora, felizmente, a Horta tenha o bom senso de não o fazer e espero que continue assim!) que se enfeitam prematuramente para o Natal, com bolas, luzes, pinheiros – de plástico, senão não aguentavam tanto tempo, já se vê… - e, sobretudo, um número infindável de pais natais, renas e bonecos de neve. Faz todo o sentido que nos preparemos para o Natal, essa festa de partilha, com tanta antecedência. Se eu fosse comerciante, ficaria deliciada! Como não sou, quando chega à quinzena natalícia, já estou capaz de dar um tiro ao primeiro bonequinho fofinho com nariz vermelhinho que me faz sacar da carteira porque é Natal (é que já há dois meses que vem sendo Natal e já ninguém aguenta tanta dádiva com cântico de fundo…)
A par disto (e deste mal, não se escapa também por cá), resolveu-se animar o fim de Outubro com uma importação irlandesa. Estou convencida que a culpa foi da minha geração porque julgo que antes (tanto quanto sei, mas estejam à vontade para me rebater com provas em contrário) não havia memória de se celebrar uma coisa chamada Noite das Bruxas ou - mais apropriada e celticamente falando – Halloween. A coisa começou muito inocentemente, numa versão brincalhona, em que nos mascarávamos de qualquer coisa assustadora (enfim, alguns com menos esforço que outros…) nessa noite, para nos divertirmos e porque isso era mais uma oportunidade de sermos outro alguém por umas horas.
De resto, como é do conhecimento geral (por um milagre que se chama televisão-que-passa-a-vida-a-mostrar-filmes-americanos) o Halloween é a noite antes do Dia de Todos os Santos (uma contracçãozita de All Hallows Eve). Há mil e uma versões sobre como se iniciou esta tradição e como se propagou – fácil é perceber que chegou com os colonos aos E.U.A., mais difícil é entender porque é que foi bombardeada nos últimos anos para todo o mundo, como se tivesse alguma coisa a ver connosco, e mais ainda porque é que engolimos isto tudo tão bem e pedimos mais. Realmente, hoje em dia não há santa terrinha onde não se veja uma lojeca no mês de Outubro a vender uma abóbora com um sorriso cortado à faca e iluminada por dentro, tipo lanterna, ou uns caramelos embrulhados em papel com bruxas para as fatais criancinhas que agora hão-de (tradicionalmente!) bater-nos à porta nessa noite, ou fantasias de fantasma e vampiro ou até – pasme-se ! – livros sobre «Como enfeitar a sua casa para o Halloween» não vamos nós agora ter uma casa menos adequadamente decorada do que a do vizinho para esta novíssima tradição que se impõe. É preciso estar a par. Afinal, não somos menos que a América. Também queremos uma Noite das Bruxas.
Até há bem poucos anos atrás, tínhamos a nossa própria tradição, no Dia de Todos os Santos, chamada Pão por Deus. Muito diferente do Halloween, mas com um ponto em comum – também nos batiam crianças à porta, mas era muito mais simpático, porque não nos ameaçavam com o terrível «doce ou susto!» que dizem os putos do Halloween . A mim, apetece-me logo dizer «Olha, por acaso não tenho doces, prega-me lá o susto que quiseres, filho…», porque me aborrece este ultimato. Já a tradição do Pão por Deus é muito mais terna e, sobretudo, é nossa. Não cheira a baú da América, cujas roupinhas Portugal usa mas ficam-lhe largas e vê-se logo que não são suas.
Não tenho absolutamente nada contra as celebrações das tradições de outros lugares, quando o fazemos sabendo que estamos a fazer isso mesmo: a celebrar festas de outras culturas e a aprender com isso. Mas esta mania de incorporar na rotina de um povo datas que nada têm de intrínsecamente a ver com ele não lhe acrescenta nada, pelo contrário. Cada povo é único e característico por ser diferente e são (também) as tradições tão diversas que trazem encanto e beleza a cada um, e que fazem valer a pena viajar, conhecer, aprender, inter-relacionarmo-nos com pessoas de outras nacionalidades. Querer, a toda a força, implementar costumes que não são nossos não é uma prova de inteligência nem sequer uma boa estratégia turística, dado que ficamos iguaizinhos a outros tantos. Iguais, não; uma imitação parola e comercial.
Qualquer dia, inventa-se o Thanksgiving como grande tradição portuguesa, que não é mais que dizer excelente forma dos supermercados expandirem o negócio dos perus.