Quando eu era criança, tinha um livro que se chamava As Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Era, de tal modo, fascinante que nunca mais as esqueci e posso ainda enunciar uma por uma. É uma pena que só restem as Pirâmides do Egipto, mas o mundo não pára e essas maravilhas eram todas obra humana e, portanto, perecível.
Há pouco tempo, soube de uma votação para eleger as novas Sete Maravilhas do Mundo, que serão as Sete Maravilhas do Mundo Moderno. O conceito de Moderno é muitíssimo vasto, porque “a concurso” (se assim se pode dizer...) estão a Acrópole de Atenas e a Torre Eiffel, as tais Pirâmides do Egipto e a Ópera de Sydney, só para citar algumas. De qualquer modo, já cá faltava esta eleição. Estávamos com necessidade de eleger os sete lugares do mundo mais bem feitos, mais grandiosos, mais bonitos e que mais vale a pena visitar actualmente. Como foi possível esperar milénios por umas novas Sete Maravilhas, meu Deus? Surpreende-me que a Humanidade tenha sobrevivido tanto tempo sem este roteiro turístico. Felizmente, Lisboa vai salvar o mundo, pois será em Lisboa – mais precisamente em Julho deste ano – que acontecerá a Cerimónia Oficial da Declaração das Sete Maravilhas do Mundo Moderno. Isto dar-se-á no dia 07.07.2007. A cabalística destes números arrepia!
Mas não parámos por aqui, não. Logo a Comissão achou por bem eleger também as Sete Maravilhas de Portugal. Primeiro, havia 77 nomeados (reparem como continuamos na tradição da cabala); neste momento, o círculo já se adensou para 21 finalistas de entre as nossas muitas belezas man-made, de entre as quais – lamento dizer – nenhuma se encontra nos Açores, apesar de Angra ser património mundial com a sua arquitectura. O resultado desta crucial votação será revelado no mesmo dia que o da votação para as maravilhas mundiais.
Mas não estávamos satisfeitos ainda... Foi, então, com agrado que vimos aparecer a votação para Os Grandes Portugueses. Ena, que polémica fenomenal! E documentários, que sempre dão para saber pormenores da vida de cada um. E gerações discutindo à mesa de jantar qual merece ganhar a disputa entre o Salazar e o Cunhal, prova mais que provada que Portugal pouco avançou nas mentalidades desde o dia 25 de Abril de 1974. Não se deu por isso. Uns são ditadores e outros revolucionários, mas poucos vivem sem sobressaltos, num país que podia ser menos dado ao drama e, em contrapartida, mais eficaz e com cara mais alegre. Isso de Portugal não ser alegre é um mito em que a gente acreditou e vai crendo ainda.
Finalmente, a última destas votações é O Maior Açoriano de Sempre: uma votação decalcada desta última, que circula aí pela internet e tem uma data de apoiantes. Novamente, os candidatos têm uma espantosa e confusa vastidão temporal (pois falamos do maior de sempre) e têm, igualmente, uma grande dispersão cultural entre si. Há de tudo, desde Vitorino Nemésio a Vasco Garcia (a escolha dos nomes citados é puramente aleatória, como calculam), desde Diogo de Silves (não me consta que fosse açoriano!) a Nelly Furtado (que até gere muito bem a sua carreira, mas estão mesmo a eleger o maior açoriano de sempre ou nem por isso?), passando por nomes como Teotónio Simão de Ornelas Bruges Paim da Câmara, 1º visconde de Bruges e 1º visconde da Praia (ufa!!!). Da última vez que vi, esta lista já tinha mais de 200 nomes, e aceitava propostas!!! Eu própria fiquei a saber que conheço imensa gente ilustríssima a quem não ando a prestar as devidas honras.
Porém, o ponto principal de toda esta súbita chuva de votações para entretimento de um povo (quer ele seja local, nacional ou mundial) é o sentimento de circo que se retira daqui. Parecemos regressados à velha máxima romana panem et circens (“pão e circo”) – alimentados e distraídos. E, se calhar, é isso mesmo que a gente quer, a julgar pela votação dos Grandes Portugueses que descambou em ridículo, pela patética invenção do Maior Açoriano e pela necessidade das nossas Maravilhas todas. É isso mesmo que a gente quer e tem.