... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, February 23, 2007

O Circo Eleitoral


Quando eu era criança, tinha um livro que se chamava As Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Era, de tal modo, fascinante que nunca mais as esqueci e posso ainda enunciar uma por uma. É uma pena que só restem as Pirâmides do Egipto, mas o mundo não pára e essas maravilhas eram todas obra humana e, portanto, perecível.


Há pouco tempo, soube de uma votação para eleger as novas Sete Maravilhas do Mundo, que serão as Sete Maravilhas do Mundo Moderno. O conceito de Moderno é muitíssimo vasto, porque “a concurso” (se assim se pode dizer...) estão a Acrópole de Atenas e a Torre Eiffel, as tais Pirâmides do Egipto e a Ópera de Sydney, só para citar algumas. De qualquer modo, já cá faltava esta eleição. Estávamos com necessidade de eleger os sete lugares do mundo mais bem feitos, mais grandiosos, mais bonitos e que mais vale a pena visitar actualmente. Como foi possível esperar milénios por umas novas Sete Maravilhas, meu Deus? Surpreende-me que a Humanidade tenha sobrevivido tanto tempo sem este roteiro turístico. Felizmente, Lisboa vai salvar o mundo, pois será em Lisboa – mais precisamente em Julho deste ano – que acontecerá a Cerimónia Oficial da Declaração das Sete Maravilhas do Mundo Moderno. Isto dar-se-á  no dia 07.07.2007. A cabalística destes números arrepia!


Mas não parámos por aqui, não. Logo a Comissão achou por bem eleger também as Sete Maravilhas de Portugal. Primeiro, havia 77 nomeados (reparem como continuamos na tradição da cabala);  neste momento, o círculo já se adensou para 21 finalistas de entre as nossas muitas belezas man-made, de entre as quais – lamento dizer – nenhuma se encontra nos Açores, apesar de Angra ser património mundial com a sua arquitectura. O resultado desta crucial votação será revelado no mesmo dia que o da votação para as maravilhas mundiais.


Mas não estávamos satisfeitos ainda... Foi, então, com agrado que vimos aparecer a votação para Os Grandes Portugueses. Ena, que polémica fenomenal! E documentários, que sempre dão para saber pormenores da vida de cada um. E gerações discutindo à mesa de jantar qual merece ganhar a disputa entre o Salazar e o Cunhal, prova mais que provada que Portugal pouco avançou nas mentalidades desde o dia 25 de Abril de 1974. Não se deu por isso. Uns são ditadores e outros revolucionários, mas poucos vivem sem sobressaltos, num país que podia ser menos dado ao drama e, em contrapartida, mais eficaz e com cara mais alegre. Isso de Portugal não ser alegre é um mito em que a gente acreditou e vai crendo ainda.


Finalmente, a última destas votações é O Maior Açoriano de Sempre: uma votação decalcada desta última, que circula aí pela internet e tem uma data de apoiantes. Novamente, os candidatos têm uma espantosa e confusa vastidão temporal (pois falamos do maior de sempre) e têm, igualmente, uma grande dispersão cultural entre si. Há de tudo, desde Vitorino Nemésio a Vasco Garcia (a escolha dos nomes citados é puramente aleatória, como calculam), desde Diogo de Silves (não me consta que fosse açoriano!) a Nelly Furtado (que até gere muito bem a sua carreira, mas estão mesmo a eleger o maior açoriano de sempre ou nem por isso?), passando por nomes como Teotónio Simão de Ornelas Bruges Paim da Câmara, 1º visconde de Bruges e 1º visconde da Praia (ufa!!!). Da última vez que vi, esta lista já tinha mais de 200 nomes, e aceitava propostas!!! Eu própria fiquei a saber que conheço imensa gente ilustríssima a quem não ando a prestar as devidas honras.


Porém, o ponto principal de toda esta súbita chuva de votações para entretimento de um povo (quer ele seja local, nacional ou mundial) é o sentimento de circo que se retira daqui. Parecemos regressados à velha máxima romana panem et circens (“pão e circo”) – alimentados e distraídos. E, se calhar, é isso mesmo que a gente quer, a julgar pela votação dos Grandes Portugueses que descambou em ridículo, pela patética invenção do Maior Açoriano e pela necessidade das nossas Maravilhas todas. É isso mesmo que a gente quer e tem.


Wednesday, February 14, 2007

O Planeta Azul e o Mundo Dentro Dele

O planeta Terra esteve sempre, constantemente, em mudança ambiental. Essa mudança faz parte do fenómeno que é a Vida – o que está vivo muda, transforma-se, ajusta-se, adapta-se como pode ou segundo o que as circunstâncias fizerem dele.


As provas dessa mudança estão presentes em mil e uma descobertas científicas, em achados arqueológicos que nos mostram um Ser Humano muito diferente de nós (já para não falar de tantas outras espécies; reparem como o ser humano é bem egoísta, puxa tudo para si!), em teorias evolucionistas e de selecção natural – enfatizando natural, nada de misturar Darwin com ideias sociais de superioridade racial – e noutras semi catastróficas.



Nestas últimas, encontramos quedas de meteoritos, épocas glaciais e outras de degelo – no fundo, brutais alterações climáticas ou choques com outros astros que levam a uma alteração demasiado rápida da Vida no planeta e, consequentemente, à extinção de várias espécies, algumas dominantes (como na época dos dinossauros).



Estou a dizer alguma coisa de novo? Não. Debito o que aprendi em Biologia.

O problema actual é que a espécie dominante é a nossa, a humana, e estamos a ver a vidinha a andar para trás... O outro problema é que o Homem pensa (enfim, nem todos, mas a espécie, que é o que pretendo referir aqui, pensa!), logo duvida. Descartes errou na frase.



A dúvida humana dos dias que passam consiste nisto: continuar a aproveitar hedonisticamente o planeta que tem, gastando-o enquanto pode, o mais que pode, sem se importar com o que aí vem ou com as gerações futuras (afinal, sabe-se lá se as haverá dado que até pode cair um meteoro na nossa rota de colisão ou haver uma terceira guerra mundial e algum world leaderfazer cabummmm nisto tudo...) ou, pelo contrário, ser generoso com os seus bisnetos e os bisnetos dos americanos, dos chineses, dos iranianos e da vizinha Miquelina, e começar já amanhã a fazer reciclagem de plástico, papel, pilhas e vidro, aderir ao Greenpeace, poupar água e propangadear as energias renováveis.



O Homem divide-se, assim, entre o egoísmo e a dádiva para com futuros seres que nunca chegará a conhecer... Está-se mesmo a ver o que é que a maior parte dos seres humanos faz! Claro que há honrosas excepções, perante as quais me curvo. Mas mesmo esses hesitam entre viver o momento e ser previdentes em relação a um futuro que lhes parece hipotético, mau grado a comunidade científica bradar aos céus que não é hipótese, é fato consumado se a malta persistir nesta trilha de autodestruição. Ah, mas nós, Édipos e Electras, bem sabemos que nada apela mais ao ser humano que a autodestruição, um pouquinho encapotada e infalivelmente trágica!

Claro que alguns cientistas também mudam de opinião como quem muda de camisa (não direi de cuecas, porque espero, sinceramente, que não seja o caso). Portugal quando entrou para a Comunidade Europeia achou que era muito feio ter baleeiros e caçar baleias nas ilhas dos Açores, porque a CE assim o dizia. Vai daí, em 1986 (no mesmo ano, portanto) passou a ser proibida a caça de cachalotes. Todos sabemos que os meios de caça eram ruralmente artesanais (botes a remos de sete homens, arpão manual, etc) e o número de animais caçados por ano tão ínfimo que não causava qualquer distúrbio ao equilíbrio ecológico. Nada que se compare à indústria norueguesa, muito menos à mega-caça japonesa. Ninguém morreu de fome por cá à conta desta proibição. Mas muita gente perdeu o espírito. Um homem do mar é um homem do mar e não é feliz em aventuras terrestres.


Portugal, no entanto, faz Aquacultura (fishfarming) em variadíssimos locais, empregando biólogos e até arquitectos, nessas redes onde tanto barco vai dar. É “o futuro da indústria”, pesqueira e de mariscos. É pena que seja também altamente condenável pelas associações ambientais internacionais, onde estão outros tantos biólogos marinhos, que consideram estas redes “aspiradores dos oceanos”, perturbadoras dos ecossistemas marinhos, focos de bactérias, redes assassinas de baleias e golfinhos, um perigo para a navegação, em suma, uma mentira global. Veja-se, por exemplo:http://oceans.greenpeace.org/en/our-oceans/fish-farming. Porém, enquanto a CE achar bem, fazemo-lo e com muito orgulho.



É que o mundo é uma construção política e o ambiente depende, também, do que nos fizerem acreditar que é bom para nós.



Aqui o nosso editor-mor da Reacção Cultural pediu-me para eu fazer o meu Perfil. Eu disse: "Claro que eu faço! Eu sou mulher-camaleão, adapto-me a tudo..." Mas depois pensei: "Ai, perfil, perfil... Não pode ser antes frente-a-frente?"

Friday, February 9, 2007

Os Generosos Avisos da Santa Madre



Sou contra proselitismos. Sou contra marketing disfarçado. Detesto que me inculquem coisas, sejam essas coisas ideias, conselhos (oh, as generosas pessoas que dão conselhos de graça!...), a margarina ou o detergente em promoção do hiper, a roupinha da moda ou qualquer política de opressão. Deixem-me pensar e agir por mim. Obrigada pela mãozinha, mas já sei que vem aí um braço agarrado.



Há semanas (repito, semanas!) que venho recebendo no correio uns papelinhos que me avisam - e este é o termo certo! - para votar "não" a 11 de Fevereiro, na questão da despenalização da IVG.


Apelam ao catolicismo (sabem lá se sou católica ou não...), ao desrespeito que é terem marcado o referendo para o dia de Nossa Senhora de Lourdes (sempre muito comemorado em Portugal, como sabemos; quem não vai em peregrinação daqui até Lourdes, França, ponha a mão no ar... bem me parecia!), aos 90 anos da aparição da Virgem que é a nossa mãe celestial e chora verdadeiramente por estes abortos que estas senhoras vão todas fazer quando as famílias fizerem este atentado brutal e cobarde contra os inocentes, relembram que a Virgem disse que "em Portugal conservar-se-á sempre o Dogma da Fé" (lá que os outros países  e outras fés caiam no Inferno não interessa aos santos... Portugal católico, sublinho católico porque há outras realidades dentro de Portugal que são esquecidas, está a salvo e sob a protecção da Virgem, enquanto não abortar indefesos!).


Este papel avisa-me que, para não decepcionar a minha "Mãe do Céu", devo também comprar um terçozinho, o Terço da Vida, para rezar ao menos uma vez antes do referendo e participar na grande súplica nacional a Nssa. Sra. de Fátima (de repente, já não é a de Lourdes, dando-se aqui uma elegante metamorfose para o produto nacional).


Muito me surpreendia se não se fizessem uns dinheiritos à custa disto... Realmente, a compra do Terçozinho da Vida vem a calhar. E, ainda, o livrinho ilustrado "O Rosário da Vida", tudo para que não mais se ouçam os gemidos dos inocentes por nascer e não mais corram as lágrimas da Virgem.


Claro que todos temos direito à nossa opinião. Martelá-la na cabeça dos outros é que já me parece absolutamente desnecessário. Ameaçá-los com o fogo eterno, dizendo-lhes que serão excomungados se votarem "sim", é abusar do poder eclesiástico e aproveitar-se do medo de alguns. Já nem falo da restrição de liberdade que tudo isto é.


Quanto à venda final, expressa no papelinho, não é de espantar... A partir do momento em que as Igrejas mais bonitas deste mundo passaram a vender postaizinhos, cruzes e imagens dentro do próprio local de culto, incomodando  a genuína fé de quem reza com a seringada de turistas a tilintar o dinheiro, passámos a um curioso espectáculo: nenhum(a) catequista pode explicar, hoje em dia, a uma criança o episódio de expulsão dos vendilhões do Templo por Jesus Cristo, já que a Igreja Católica chamou para dentro de portas os vendilhões e abençoou-os.


Os papelinhos que me metem no Correio têm, em mim, o efeito contrário. Se eu já era pelo "sim", por todas as razões e mais alguma, hoje sou-o ainda mais.