... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 22, 2007

A Importância de um Local que Soe Bem


Sei que a toponímia está na moda, mas não vou aqui dissertar sobre os nomes dos Açores, até porque há obras recentemente publicadas sobre a questão de indiscutível valor (as obras, não a toponímia, que deixa um pouco a desejar como sabemos).  É certo que este deve ser dos temas mais caros a toda a gente, sobretudo para nos picarmos uns aos outros com questões da naturalidade e da residência de cada um, expressas em nomes infelizes.


Estou convencida (e isto para dar um exemplo clássico) que os indivíduos de Rabo de Peixe passaram a sofrer agruras de troça do restante arquipélago exactamente por nascerem e/ou viverem num sítio denominado assim. Não me venham com a história da pronúncia dos seus  habitantes (que não é menos compreensível que a de muitos outros sítios da ilha de S. Miguel) ou com questões socio–culturais e económicas (tão gritantes ali como noutras freguesias). Não, não. O azar destes senhores foi mesmo terem nascido no Rabo de um Peixe qualquer. Marca para toda a vida aos olhos dos demais.


É por isto mesmo que os naturais de Rosto de Cão (também na ilha de S. Miguel, como sabemos) se sentem eminentemente superiores. Afinal, eles nasceram no Rosto e os outros infelizes vêm do Rabo. A vida é injusta, porque dá a estes segundos um longo caminho a percorrer, enquanto que aos primeiros coloca-os já na pole-position. E, se formos mais longe, a coisa é ainda mais séria, porque os do Rabo são de um Peixe e os do Rosto são de um Cão, grandes companheiros da espécie humana, inteligentes e semper fidelis, etc, etc. Mesmo assim, não se livram de serem gozados, toda a vida, pelos demais, que tiveram a sorte de não nascerem/não residirem em locais com denominações tão peculiares.


As ruas – das quais se esperaria terem nomes mais vulgares e ajuizados, porque não se escapam com questões de tradição – vão pelo mesmo triste caminho. Tive um colega  que morava na Rua das Necessidades, perto da velha estrada da Ribeira Grande. Rua das Necessidades! Podem imaginar…O rapaz, que era inteligente e simpático, sofria sempre imenso cada vez que tinha de dizer a sua residência. Via-se na cara das pessoas o gozo fenomenal. Ah, que necessidades seriam essas? E ele, em particular, estaria necessitado de algo? Imagino que a primeira coisa que deve ter feito foi mudar-se dali para fora. A zona, hoje, é toda bastante mais in, muito via rápida, mas continua a ter aquela ruazinha assim denominada. Fica-lhe bem.


Há outra interessante rua (hesito entre a Fajã de Cima e os Arrifes e aceito correcções, porque a minha memória recusa-se a lembrar-se disto muito bem, como podem entender…): é a Rua do Mata-Mulheres. Calculo que deve haver uma história por detrás desta invulgar tabuleta. Louvo a coragem das senhoras que habitam ali. Cada manhã é uma vitória sobre o mito.


Lamento ter trabalhado tão pouco tempo na ilha Terceira e não estar suficientemente por dentro da fascinante toponímia da cidade de Angra. Mas sempre me fascinou a Rua do Galo, completamente desenquadrada dos restantes nomes, quase todos sonantes da cidade do Heroísmo, património mundial e tudo o mais. O Frango está ali só para chatear, para dar uma ideia de cobardolas esquecido e de situações mal resolvidas, sei lá, chatices que acontecem pelo meio das pernas.


Convenhamos que também estamos bem servidos no Faial, a começar pelo nome da cidade. Pois bem sei que deriva do nosso primeiro capitão-donatário flamengo Van Huertere, blablabla, mas o certo é que hoje é Horta e lembra logo repolhos. Se bem que Ponta Delgada para nome de cidade também é algo muito pouco pujante (não bastava ser pontinha, mas ainda é delgadinha, Senhor Deus, que fraqueza!). A Ribeira Grande, neste aspecto, faz-lhe sombra.
Mas olhem que dentro do Faial – como nome de ilha não está mal pensado, é melhor que a denominação cardinal e vulgar de Terceira – temos ainda outras preciosidades, onde se inclui essa valorosa terra (abundante de dinheiros e dada à leitura da Vogue magazine) que dá pelo nome de Espalhafatos.
E que dizer da freguesia das Angústias, como abreviadamente é conhecida? Um dos meus momentos catárticos é passar ali perto da Polícia, virar à esquerda e dar de caras com esta tabuleta -  “Parque Infantil de Angústias”. Lida de um só fôlego e com esta preposiçãozita sem artigo (DE Angústias) é de homem! Eis um local que se assume. Aqui, meninos, podeis e tendes o dever de dar largas às vossas ansiedades.


No entanto, talvez mais importante que a toponímia é a antroponímia, que é o mesmo que dizer o nome pessoal de cada um. Saberão vocês, pais e mães, a responsabilidade que pesa sobre vós ao escolher o nome dos vossos filhinhos ? Marca um destino para uma vida inteira, senhores.
Recordo sempre um Inspector-Geral da Portugal Telecom que se chamava Luís Todo Bom. Isso mesmo. A primeira vez que o ouvi anunciado na televisão, estava na cozinha e fui a correr para a sala de estar só para ver com os meus próprios olhos quem seria o dono de tal nome. As expectativas que cresceram em mim durante estes décimos de segundo são indescrítiveis e não as posso pôr em palavras. Não só era Luís Bom, como era mesmo Todo Bom, intensificado por advérbio. Que coragem, registado em cartório!...  Pois lamento dizer às leitoras que  me senti um pedacinho  defraudada quando pude observar o senhor (mas é legítimo abrir um parêntesis para dizer que nestes assuntos não há verdades absolutas e poderá ser que as senhoras encontrassem motivos para verificar a adequação deste nome onde eu nada vi).


Claro que a lista de antropónimos é infindável, mas é igualmente perigosa e eu própria tenho telhados de vidro. Para além do usual questionário pelo qual tenho de passar e das alcunhas que o meu sobrenome permite, é raro passarem-me recibos correctamente, o que me causa grandes chatices (qualquer dia escrevo sobre os impostos mas há-de ser num dia em que me encontre particularmente azeda, coisa dificílima). Assim, passei a, gesto automático, soletrar o meu nome. Quando por qualquer razão isto não resulta, tenho por hábito usar a analogia do Capitão Cook (toda a gente sabe quem foi o Cpt Cook e a fila anda!).
Porém, há pouco tempo, fui comprar uma batedeira para fazer os meus bolinhos. A menina da caixa não sabia quem foi o Capitão Cook. Também, aparentemente, tinha dificuldades em soletrar. Ficámos num impasse. Mostrei-lhe o Bilhete de Identidade. Ela riu-se: «Ah! Bolas, menina! Já me podia ter dito que era cozinheira, só que é cozinheira em inglês!»

Friday, June 1, 2007

Os Especialistas


É gratificante viver rodeada de especialistas. Suponho que todos sentimos o mesmo. Sabemos que estamos imensamente seguros neste nosso pequeno mundo, pois não há tarefa a executar que não tenha, pelo menos, uma mão cheia de especialistas na área prontos a debitar sobre o assunto. Lá deitar mãos à obra é que é mais complicado, como sabemos. Podem não mexer uma palha, mas falar sim (não necessariamente à frente dos executantes, claro está).  Como não se deram ao esforço de suar para que algo fosse, efectivamente, feito, é muito fácil – após a obra concluída - dizer que a mesma está uma treta. O mais rísivel é que quando lhes perguntamos como poderia ser melhor, não sabem. Mexer (e mexer-se!) dá muito trabalho. Então agora, em tempo de calor, é uma canseira. Ufa!


Há todo o tipo de especialistas. Infelizmente – para mal dos nossos pecados- nem são capazes de se entenderem entre si. Veja-se o exemplo dos mecânicos, especialistas em consertar automóveis. Uma mulher (pronto, eu, deixemo-nos de eufemismos) leva o carro à oficina. Os mecânicos observam a entrada, com cara de «ehehe, olha a dama, vem trazer a máquina, cerca pela esquerda Manel, a dama não vai perceber nada disto, ainda por cima é pequenita e o motor deve ser mais velho do que ela, olha esta potência». Atiram uma beata para o chão para dar um certo ar de macho, fungam e dizem: «Entao, queria alguma coisa?». Eu queria, queria saber porque é que este carro não anda e assumo que os meus conhecimentos da avaria são escassos.


Oh, nada dá mais alegria aos mecânicos! Eles, a quem compete saber porque é que aquela carroça não se mexe, também não têm a mais remota ideia, mas que EU não saiba é que lhes dá um gozo bestial. «Então, e quando é que a senhora, perdão, a menina deu por isso?»  eh eh eh. «Foi ontem, foi de repente, eu quer-me parecer  que isto é só uma questão da bateria».


Ah, a arrogância, agora a mim há-de-me querer parecer alguma coisa! E só da bateria! Como se fosse pouco.  Começando a mexer no carro, os mecânicos vão piscando o olho entre si e atirando com frases que é suposto eu não entender porque uma mulher não deve poder penetrar no universo sagrado da mecânica automóvel: «Oh minha cara menina isto tanto pode ser das velas, como do carter como da suspensão ou do diferencial. Epá, até pode ser da transmissão, um gajo assim de repente não pode dizer…Percebe? eh eh eh. Claro que isto para si, se calhar, é chinês. O melhor é deixar as coisas técnicas connosco e depois, na altura certa, a gente devolve-lhe a máquina. Fique descansada.»  O outro atira com : «Pensava que era assim simples, não é? Isto parece simples, mas nós já andamos a mexer em carros há muitos anos, menina… Nós é que sabemos.»


É nessa altura que faço o erro fatal de fazer espumar as feras, dizendo: «Bem, os senhores deram-me 5 hipóteses prováveis para a resolução de um problema e nenhum tempo concreto para o resolverem, o que, para especialistas que andam aqui há muitos anos, não me parece muito eficiente.»
Após alguns grunhidos e salivadas, misturadas com «olha-me esta gaja…», sai um polido «Se calhar, a gente não lhe explicou bem os termos técnicos, para a senhora poder entender esta nossa linguagem que é muito específica e só com a prática é que o pessoal percebe» (de notar que passei a ser  senhora para melhor me chamarem burra). Digo: «Eu percebi muito bem todos os vossos termos técnicos. Quando não perceber, pergunto. Muito obrigada. E daqui a quanto tempo é que os senhores calculam ter feito o trabalho que vos compete fazer?»
  Bufando e respingando, respondem: « Isto demora, isto não é como pintar a unha todos os dias, ó senhora doutora.» (vou subindo de título enquanto falam comigo e descendo de título enquanto falam entre eles sobre mim).  «Se os senhores prestassem atenção reparavam que não tenho as unhas pintadas. Guardem lá essa conversa para as senhoras que servem de decoração, fazem favor. »


E assim, os especialistas – amplamente reconhecidos, pelo seu excelso trabalho – e eu, convivemos em sã harmonia, todos os dias. Precisamos uns dos outros, que se há-de fazer?