É gratificante viver rodeada de especialistas. Suponho que todos sentimos o mesmo. Sabemos que estamos imensamente seguros neste nosso pequeno mundo, pois não há tarefa a executar que não tenha, pelo menos, uma mão cheia de especialistas na área prontos a debitar sobre o assunto. Lá deitar mãos à obra é que é mais complicado, como sabemos. Podem não mexer uma palha, mas falar sim (não necessariamente à frente dos executantes, claro está). Como não se deram ao esforço de suar para que algo fosse, efectivamente, feito, é muito fácil – após a obra concluída - dizer que a mesma está uma treta. O mais rísivel é que quando lhes perguntamos como poderia ser melhor, não sabem. Mexer (e mexer-se!) dá muito trabalho. Então agora, em tempo de calor, é uma canseira. Ufa!
Há todo o tipo de especialistas. Infelizmente – para mal dos nossos pecados- nem são capazes de se entenderem entre si. Veja-se o exemplo dos mecânicos, especialistas em consertar automóveis. Uma mulher (pronto, eu, deixemo-nos de eufemismos) leva o carro à oficina. Os mecânicos observam a entrada, com cara de «ehehe, olha a dama, vem trazer a máquina, cerca pela esquerda Manel, a dama não vai perceber nada disto, ainda por cima é pequenita e o motor deve ser mais velho do que ela, olha esta potência». Atiram uma beata para o chão para dar um certo ar de macho, fungam e dizem: «Entao, queria alguma coisa?». Eu queria, queria saber porque é que este carro não anda e assumo que os meus conhecimentos da avaria são escassos.
Oh, nada dá mais alegria aos mecânicos! Eles, a quem compete saber porque é que aquela carroça não se mexe, também não têm a mais remota ideia, mas que EU não saiba é que lhes dá um gozo bestial. «Então, e quando é que a senhora, perdão, a menina deu por isso?» eh eh eh. «Foi ontem, foi de repente, eu quer-me parecer que isto é só uma questão da bateria».
Ah, a arrogância, agora a mim há-de-me querer parecer alguma coisa! E só da bateria! Como se fosse pouco. Começando a mexer no carro, os mecânicos vão piscando o olho entre si e atirando com frases que é suposto eu não entender porque uma mulher não deve poder penetrar no universo sagrado da mecânica automóvel: «Oh minha cara menina isto tanto pode ser das velas, como do carter como da suspensão ou do diferencial. Epá, até pode ser da transmissão, um gajo assim de repente não pode dizer…Percebe? eh eh eh. Claro que isto para si, se calhar, é chinês. O melhor é deixar as coisas técnicas connosco e depois, na altura certa, a gente devolve-lhe a máquina. Fique descansada.» O outro atira com : «Pensava que era assim simples, não é? Isto parece simples, mas nós já andamos a mexer em carros há muitos anos, menina… Nós é que sabemos.»
É nessa altura que faço o erro fatal de fazer espumar as feras, dizendo: «Bem, os senhores deram-me 5 hipóteses prováveis para a resolução de um problema e nenhum tempo concreto para o resolverem, o que, para especialistas que andam aqui há muitos anos, não me parece muito eficiente.»
Após alguns grunhidos e salivadas, misturadas com «olha-me esta gaja…», sai um polido «Se calhar, a gente não lhe explicou bem os termos técnicos, para a senhora poder entender esta nossa linguagem que é muito específica e só com a prática é que o pessoal percebe» (de notar que passei a ser senhora para melhor me chamarem burra). Digo: «Eu percebi muito bem todos os vossos termos técnicos. Quando não perceber, pergunto. Muito obrigada. E daqui a quanto tempo é que os senhores calculam ter feito o trabalho que vos compete fazer?»
Bufando e respingando, respondem: « Isto demora, isto não é como pintar a unha todos os dias, ó senhora doutora.» (vou subindo de título enquanto falam comigo e descendo de título enquanto falam entre eles sobre mim). «Se os senhores prestassem atenção reparavam que não tenho as unhas pintadas. Guardem lá essa conversa para as senhoras que servem de decoração, fazem favor. »
E assim, os especialistas – amplamente reconhecidos, pelo seu excelso trabalho – e eu, convivemos em sã harmonia, todos os dias. Precisamos uns dos outros, que se há-de fazer?