... "And now for something completely different" Monty Python

Tuesday, October 30, 2007

A Comunicação - Parte I - Entre Ele e Ela


O grande problema deste mundo é o da comunicação. Quando me vêm com as teorias psicológicas new-wave, dizendo que a falta de comunicação é que a responsável pelas questões de trabalho, pelos mal-entendidos entre amigos e pelos divórcios, apetece-me logo dizer-lhes “Chiu! Calem-se lá! A linguagem é que é a fonte da desgraça!” Ou não é?. Vamos analisar a questão, com o mínimo de palavras possível para não chatear.


Neste mundo, praticamente toda a gente se queixa de ser um incompreendido. Homens que me lêem, todos vós sabeis que as mulheres nisto são mestres. Começando pelo princípio: quando um homem e uma mulher não estão de acordo, ela fala pelos cotovelos (e pelos joelhos, e todas as articulações e poros, enquanto o infeliz finge escutar, se bem que, na verdade, já tenha perdido completamente o fio à meada e ela vai discorrendo sobre o ano em que se conheceram ao invés do problema actual).


Quando a mulher repara, no meio da diarreia verbal, que ele está calado que nem um rato, dispara com “Não dizes nada?” ao que ele responde“O que é que eu posso dizer?”, muito justificadamente porque é impossível responder à metralhadora da boca feminina com a mesma eficácia e rapidez. É, aliás, também por isso, que não há muitas mulheres em lugares de chefia. Os homens têm medo delas como o diabo tem da cruz.


 A mulher, muito infeliz porque não encontra eco, sente-se frustradíssima e diz que ele nem sequer a escuta e que não a compreende. A verdade, porém, é que ele nem sabe porque é que ela fala tanto: “Mas porque é que vais agora buscar essas coisas?” Ela, necessária e justificadamente, quer compartilhar aquelas desgraças todas e acusa-o de não comunicar. Mas o pobre de Cristo, senhoras, não pode com tanto fluxo informativo duma vez só. Bolas, é muito problema a resolver ao mesmo tempo, Maria. Ele nem sabia que vocês tinham tantos assuntos pendentes. “E vamos resolver isso tudo agora? E se fôssemos antes jantar e não se falasse mais nisso?”


Portanto, recapitulemos. Quando o psicólogo new wave vos diz para comunicarem mais e fala no diálogo na vossa união / no vosso casamento e tal, e a partilha de todos os problemas e mais que sim, não vão nessa! O diálogo no casamento é aquele que a gente sabe. Se não conseguirem comunicação eficaz quando estão em silêncio (enfim, mais ou menos...), bem podem esquecer que se vão escutar enquanto desfilam exaustivamente a lista das acusações que têm um contra o outro desde 1980. Aliás, era um bocado sufocante estarem sempre com a história do desgraçadinho e do triste fado todos os dias ao chegar a casa e do molho que se entornou na carpete, não era? Era.


Para além desta problemática, há outra, igualmente interessante. Reparem: quando um milagre de atenção, concentração e esforço louváveis por parte do elemento do sexo masculino (obviamente, sempre em dias de semana e nunca quando o Benfica joga para as competições europeias) os faz realmente escutar tudo o que disse o elemento do sexo feminino, há depois um “rebound” – é como no boxe, portanto. Nesse segundo “round”, verifica-se que a mensagem proferida pelo emissor e a mensagem recebida pelo receptor, inexplicavelmente, não é a mesma, quero dizer, foi espantosamente alterada no espaço de canal que medeia entre os dois. Seguem-se as célebres frases de ricochete: “Não foi nada disso que eu disse!” e “Percebes sempre tudo mal!” ou, em versão dos casais que lêem romances do século XIX, “Deturpas as minhas palavras ao extremo, Miguel!” Podem substituir o “Miguel” por “Maria” – a verdade é que a mensagem dita por um nunca é a mensagem ouvida pelo outro, independentemente do sexo.


Quando a desgraça alcançou este nível, o que é que se pode fazer? Bem, há sempre aquela clássica hipótese que é a de ele sair de casa para desanuviar no café e a de ela fazer um grande berreiro, telefonando para a mãe e para a amiga. Piorou. Porque guardam estas reacções para depois as atirarem um ao outro da próxima vez: “E lembras-te daquele dia em que saíste porta fora... / em que contaste à tua mãe que...?”


Não sendo eu conselheira da revista Maria (ainda existe esta pérola?) nem sendo eu paga principescamente como os tipos das novas seitas, para dar conselhos de rodapé resta-me dizer que o que resulta em momentos de crise, quanto à minha humilde pessoa, é o humor. Trocando por miúdos: alguém parar com a briga, dizendo uma piada qualquer por mais tonta que seja. Tem é de dar vontade de rir. Como o riso é contagioso, a luta pára logo ali e da melhor forma.


Então, e “quem é que ganha?”, perguntam os espíritos mais aguerridos; “e como é que sei se ele/ela me compreende ou não, afinal?” perguntam os mais atormentados. .Bom, isso quando estamos todos a rir, interessa muito pouco, não é? Aliás, a vida é um bocado curta para estarmos com preocupações dessas.

Monday, October 22, 2007

A Carne Mal Passada e os Telhados

As pessoas têm muita dificuldade com isto da liberdade. Todos dizem ser algo a que aspiram, e bem se vê o quanto sofrem quando estão privados dela. Mas não é um conceito que se possa gerir com facilidade, quanto mais uma realidade livre de complexidades.
Mesmo livres, e vivendo em “democratia”,os seres humanos estão amarrados a toda a sorte de coisas. Amarrados inconscientemente - ao seu grupo social ou familiar, à sua terra, à nação. Os laços prendem-nos, sejam eles de sangue, telúricos, afectivos ou convencionais. Amarrados de livre vontade - ou talvez não! – a outros nós, quantas vezes pelos próprios indivíduos criados.
Amarrados ainda a coisas mais fúteis e vãs. Aquilo a que chamam sucesso e que corresponde a poder, a ser reconhecido na rua quando vão na sua cidadezinha, a ter mais notas (nada a ver com dó, ré, mi, já se vê...) do que o vizinho e mais objectos a ganhar pó lá em casa.
Os humanos, na verdade, gostam de estar sujeitos. Gostam desse comodismo de estar presos e, sobretudo, de receber umas ordenzinhas. Isso permite não gastar muito os neurónios, já que obedecer cegamente custa muito menos que agir pela própria cabeça e com alguma criatividade. Ui, criar, isso não! Dá muito trabalho. Que seca! O melhor é sentarmo-nos todos calmamente e dizer que sim a quem tenha tido alguma ideiazita qualquer, por mais tonta que ela seja. Isso sempre nos dá menos que fazer e mostra que somos obedientes. Bons trabalhadores, no fundo. Daqueles que passam o tempo a bocejar, a jogar dominó virtual e a falar ao telefone com a Maria Joana sobre o refluxo gástrico do bebé dela até às 17h30, “sharp”.


Há uma fantástica história sobre a liberdade escrita por Emile Zola, que se chama “O Paraíso dos Gatos”. Conta-nos a vida de um angorá, que vive principesca e vegetativamente em casa de uma senhora, com almofada de penas por cama e carne mal passada ao jantar. Mas tinha uma tal sede por experimentar a liberdade dos telhados que decidiu aventurar-se e ir, finalmente, viver. Passa por muitas peripécias e acaba por escolher voltar para casa, porque a vida não é um risco que ele tenha... como dizer? “legumes daqueles que se põem nas saladas” para enfrentar. Ele sabia que, ao voltar, seria espancado a chicote, mas isso não o desanimou: a vontade de uma existência cómoda e fácil foi maior que o medo da dor e da tristeza dessa prisão sempre igual. Diz o gato:”Gozei imensamente a voluptuosidade de estar no quente e de ser espancado. Enquanto ela me batia, eu pensava, deleitado, na carne que, depois, ela me ia dar.”


 Este pensamento que parece, à partida, tão masoquista e cru é a escolha fundamental de muitos seres humanos, que preferem não a verbalizar, por ser mais fácil ignorar aquilo de que não gostamos nas nossas rotas.


Não pretendo com isto criticar as escolhas de cada um. Até porque, entendamo-nos, juízes só os do tribunal e, mesmo assim, é sempre difícil engolir a ideia de que um ser humano possa julgar outro do ponto de vista ético, ainda que isso seja socialmente necessário para o bom funcionamento da máquina de grupo e tal e etcetera.
 Pretendo só ressalvar que a liberdade, que quase todos elegem como factor determinante para a felicidade, é também aquela de que quase todos abrem mão, consciente e alegremente, em favor de uma vid(inh)a mais cheia de coisas. De haveres. A verdade é que a liberdade não pressupõe pertença, antes a exclui, e as pessoas sentem necessidade de “ter”, seja uma casinha, um emprego estável, um afecto ou amigos por perto.


“Então, não há salvação?”, como dizia a minha avó, ou, por outras palavras, “não se podem conjugar a carne mal passada e os telhados?”, perguntaria o gato do Zola. A resposta é: eu não faço ideia (ao contrário dos juízes, que sabem sempre tudo). Mas a minha intuição é que sim, “é possível ser livre e ter algo”. Basta mudar um pouco a nossa rígida percepção das coisas, tanto do ter como da aventura.


Afinal, basta pensar que a liberdade consiste em viver exactamente da maneira que queremos. Já vejo as cabeças a levantarem-se e os cantos da boca a rirem de mansinho e a pensarem “Isso é que era doce! Olha como se a gente pudesse viver da maneira que quer... Eu bem gostava de ter um BMW / de fazer um curso de meditação na Birmânia / de conhecer a Giselle Bündchen.” e outras aspirações assim elevadas. Bom, viver é escolher. O difícil, realmente, é fazer a escolha dentro das circunstâncias que temos.No entanto, visto pelo prisma da simplicidade, torna-se descomplexo: basta escolher, em qualquer ocasião, o que nos torna mais felizes naquele momento. Até porque nada é para sempre.