O grande problema deste mundo é o da comunicação. Quando me vêm com as teorias psicológicas new-wave, dizendo que a falta de comunicação é que a responsável pelas questões de trabalho, pelos mal-entendidos entre amigos e pelos divórcios, apetece-me logo dizer-lhes “Chiu! Calem-se lá! A linguagem é que é a fonte da desgraça!” Ou não é?. Vamos analisar a questão, com o mínimo de palavras possível para não chatear.
Neste mundo, praticamente toda a gente se queixa de ser um incompreendido. Homens que me lêem, todos vós sabeis que as mulheres nisto são mestres. Começando pelo princípio: quando um homem e uma mulher não estão de acordo, ela fala pelos cotovelos (e pelos joelhos, e todas as articulações e poros, enquanto o infeliz finge escutar, se bem que, na verdade, já tenha perdido completamente o fio à meada e ela vai discorrendo sobre o ano em que se conheceram ao invés do problema actual).
Quando a mulher repara, no meio da diarreia verbal, que ele está calado que nem um rato, dispara com “Não dizes nada?” ao que ele responde“O que é que eu posso dizer?”, muito justificadamente porque é impossível responder à metralhadora da boca feminina com a mesma eficácia e rapidez. É, aliás, também por isso, que não há muitas mulheres em lugares de chefia. Os homens têm medo delas como o diabo tem da cruz.
A mulher, muito infeliz porque não encontra eco, sente-se frustradíssima e diz que ele nem sequer a escuta e que não a compreende. A verdade, porém, é que ele nem sabe porque é que ela fala tanto: “Mas porque é que vais agora buscar essas coisas?” Ela, necessária e justificadamente, quer compartilhar aquelas desgraças todas e acusa-o de não comunicar. Mas o pobre de Cristo, senhoras, não pode com tanto fluxo informativo duma vez só. Bolas, é muito problema a resolver ao mesmo tempo, Maria. Ele nem sabia que vocês tinham tantos assuntos pendentes. “E vamos resolver isso tudo agora? E se fôssemos antes jantar e não se falasse mais nisso?”
Portanto, recapitulemos. Quando o psicólogo new wave vos diz para comunicarem mais e fala no diálogo na vossa união / no vosso casamento e tal, e a partilha de todos os problemas e mais que sim, não vão nessa! O diálogo no casamento é aquele que a gente sabe. Se não conseguirem comunicação eficaz quando estão em silêncio (enfim, mais ou menos...), bem podem esquecer que se vão escutar enquanto desfilam exaustivamente a lista das acusações que têm um contra o outro desde 1980. Aliás, era um bocado sufocante estarem sempre com a história do desgraçadinho e do triste fado todos os dias ao chegar a casa e do molho que se entornou na carpete, não era? Era.
Para além desta problemática, há outra, igualmente interessante. Reparem: quando um milagre de atenção, concentração e esforço louváveis por parte do elemento do sexo masculino (obviamente, sempre em dias de semana e nunca quando o Benfica joga para as competições europeias) os faz realmente escutar tudo o que disse o elemento do sexo feminino, há depois um “rebound” – é como no boxe, portanto. Nesse segundo “round”, verifica-se que a mensagem proferida pelo emissor e a mensagem recebida pelo receptor, inexplicavelmente, não é a mesma, quero dizer, foi espantosamente alterada no espaço de canal que medeia entre os dois. Seguem-se as célebres frases de ricochete: “Não foi nada disso que eu disse!” e “Percebes sempre tudo mal!” ou, em versão dos casais que lêem romances do século XIX, “Deturpas as minhas palavras ao extremo, Miguel!” Podem substituir o “Miguel” por “Maria” – a verdade é que a mensagem dita por um nunca é a mensagem ouvida pelo outro, independentemente do sexo.
Quando a desgraça alcançou este nível, o que é que se pode fazer? Bem, há sempre aquela clássica hipótese que é a de ele sair de casa para desanuviar no café e a de ela fazer um grande berreiro, telefonando para a mãe e para a amiga. Piorou. Porque guardam estas reacções para depois as atirarem um ao outro da próxima vez: “E lembras-te daquele dia em que saíste porta fora... / em que contaste à tua mãe que...?”
Não sendo eu conselheira da revista Maria (ainda existe esta pérola?) nem sendo eu paga principescamente como os tipos das novas seitas, para dar conselhos de rodapé resta-me dizer que o que resulta em momentos de crise, quanto à minha humilde pessoa, é o humor. Trocando por miúdos: alguém parar com a briga, dizendo uma piada qualquer por mais tonta que seja. Tem é de dar vontade de rir. Como o riso é contagioso, a luta pára logo ali e da melhor forma.
Então, e “quem é que ganha?”, perguntam os espíritos mais aguerridos; “e como é que sei se ele/ela me compreende ou não, afinal?” perguntam os mais atormentados. .Bom, isso quando estamos todos a rir, interessa muito pouco, não é? Aliás, a vida é um bocado curta para estarmos com preocupações dessas.