As pessoas têm muita dificuldade com isto da liberdade. Todos dizem ser algo a que aspiram, e bem se vê o quanto sofrem quando estão privados dela. Mas não é um conceito que se possa gerir com facilidade, quanto mais uma realidade livre de complexidades.
Mesmo livres, e vivendo em “democratia”,os seres humanos estão amarrados a toda a sorte de coisas. Amarrados inconscientemente - ao seu grupo social ou familiar, à sua terra, à nação. Os laços prendem-nos, sejam eles de sangue, telúricos, afectivos ou convencionais. Amarrados de livre vontade - ou talvez não! – a outros nós, quantas vezes pelos próprios indivíduos criados.
Amarrados ainda a coisas mais fúteis e vãs. Aquilo a que chamam sucesso e que corresponde a poder, a ser reconhecido na rua quando vão na sua cidadezinha, a ter mais notas (nada a ver com dó, ré, mi, já se vê...) do que o vizinho e mais objectos a ganhar pó lá em casa.
Os humanos, na verdade, gostam de estar sujeitos. Gostam desse comodismo de estar presos e, sobretudo, de receber umas ordenzinhas. Isso permite não gastar muito os neurónios, já que obedecer cegamente custa muito menos que agir pela própria cabeça e com alguma criatividade. Ui, criar, isso não! Dá muito trabalho. Que seca! O melhor é sentarmo-nos todos calmamente e dizer que sim a quem tenha tido alguma ideiazita qualquer, por mais tonta que ela seja. Isso sempre nos dá menos que fazer e mostra que somos obedientes. Bons trabalhadores, no fundo. Daqueles que passam o tempo a bocejar, a jogar dominó virtual e a falar ao telefone com a Maria Joana sobre o refluxo gástrico do bebé dela até às 17h30, “sharp”.
Amarrados ainda a coisas mais fúteis e vãs. Aquilo a que chamam sucesso e que corresponde a poder, a ser reconhecido na rua quando vão na sua cidadezinha, a ter mais notas (nada a ver com dó, ré, mi, já se vê...) do que o vizinho e mais objectos a ganhar pó lá em casa.
Os humanos, na verdade, gostam de estar sujeitos. Gostam desse comodismo de estar presos e, sobretudo, de receber umas ordenzinhas. Isso permite não gastar muito os neurónios, já que obedecer cegamente custa muito menos que agir pela própria cabeça e com alguma criatividade. Ui, criar, isso não! Dá muito trabalho. Que seca! O melhor é sentarmo-nos todos calmamente e dizer que sim a quem tenha tido alguma ideiazita qualquer, por mais tonta que ela seja. Isso sempre nos dá menos que fazer e mostra que somos obedientes. Bons trabalhadores, no fundo. Daqueles que passam o tempo a bocejar, a jogar dominó virtual e a falar ao telefone com a Maria Joana sobre o refluxo gástrico do bebé dela até às 17h30, “sharp”.
Há uma fantástica história sobre a liberdade escrita por Emile Zola, que se chama “O Paraíso dos Gatos”. Conta-nos a vida de um angorá, que vive principesca e vegetativamente em casa de uma senhora, com almofada de penas por cama e carne mal passada ao jantar. Mas tinha uma tal sede por experimentar a liberdade dos telhados que decidiu aventurar-se e ir, finalmente, viver. Passa por muitas peripécias e acaba por escolher voltar para casa, porque a vida não é um risco que ele tenha... como dizer? “legumes daqueles que se põem nas saladas” para enfrentar. Ele sabia que, ao voltar, seria espancado a chicote, mas isso não o desanimou: a vontade de uma existência cómoda e fácil foi maior que o medo da dor e da tristeza dessa prisão sempre igual. Diz o gato:”Gozei imensamente a voluptuosidade de estar no quente e de ser espancado. Enquanto ela me batia, eu pensava, deleitado, na carne que, depois, ela me ia dar.”
Este pensamento que parece, à partida, tão masoquista e cru é a escolha fundamental de muitos seres humanos, que preferem não a verbalizar, por ser mais fácil ignorar aquilo de que não gostamos nas nossas rotas.
Não pretendo com isto criticar as escolhas de cada um. Até porque, entendamo-nos, juízes só os do tribunal e, mesmo assim, é sempre difícil engolir a ideia de que um ser humano possa julgar outro do ponto de vista ético, ainda que isso seja socialmente necessário para o bom funcionamento da máquina de grupo e tal e etcetera.
Pretendo só ressalvar que a liberdade, que quase todos elegem como factor determinante para a felicidade, é também aquela de que quase todos abrem mão, consciente e alegremente, em favor de uma vid(inh)a mais cheia de coisas. De haveres. A verdade é que a liberdade não pressupõe pertença, antes a exclui, e as pessoas sentem necessidade de “ter”, seja uma casinha, um emprego estável, um afecto ou amigos por perto.
“Então, não há salvação?”, como dizia a minha avó, ou, por outras palavras, “não se podem conjugar a carne mal passada e os telhados?”, perguntaria o gato do Zola. A resposta é: eu não faço ideia (ao contrário dos juízes, que sabem sempre tudo). Mas a minha intuição é que sim, “é possível ser livre e ter algo”. Basta mudar um pouco a nossa rígida percepção das coisas, tanto do ter como da aventura.
Afinal, basta pensar que a liberdade consiste em viver exactamente da maneira que queremos. Já vejo as cabeças a levantarem-se e os cantos da boca a rirem de mansinho e a pensarem “Isso é que era doce! Olha como se a gente pudesse viver da maneira que quer... Eu bem gostava de ter um BMW / de fazer um curso de meditação na Birmânia / de conhecer a Giselle Bündchen.” e outras aspirações assim elevadas. Bom, viver é escolher. O difícil, realmente, é fazer a escolha dentro das circunstâncias que temos.No entanto, visto pelo prisma da simplicidade, torna-se descomplexo: basta escolher, em qualquer ocasião, o que nos torna mais felizes naquele momento. Até porque nada é para sempre.