... "And now for something completely different" Monty Python

Monday, September 21, 2009

Espírito de Bairro

Na apresentação de “Os Dabney – Uma Família Americana nos Açores” no Faial, dizia Mário Mesquita que uma das razões pelas quais tinha contactado Maria Filomena Mónica para a coordenação da obra foi o facto de ela ser uma “menina de Cascais”, o que a tornava insuspeita para falar dos Açores, pois que os naturais de um local são tendenciosos e, por amor à terra, falam dela muito bem. É verdade. Também acontece o oposto: por vezes, por despeito para com o torrão Natal, por experiências adversas de vida, há quem dele fale muito mal. O amor à nossa terra é sempre mais exigente, já dizia Vitorino Nemésio, pela boca de Margarida quando esta foi viajar de paquete no fim de “Mau Tempo no Canal”. Não quero com isto dizer que esse amor nos torne cegos, pelo contrário. Talvez demasiado despertos.


A interessante visão de Mário Mesquita é diametralmente oposta àquela que Paulo Mendes criticava na sua “Ponte Insular” ao Director dos Desportos de Cabo Verde, que não terá deixado Alain Hurtebize representar o país no Campeonato de Fotografia Subaquática da Macaronésia porque este não é natural de Cabo Verde, apesar de residir há 20 anos no país. Claro que o ridículo desta atitude xenófoba nos dá pano para mangas: o que é o natural de um país? Quem sabe e sente mais de um local? Aquele que lá reside há tempo considerável ou o que, por um acaso do destino, lá nasceu?


O meu filho deixou o seu local de nascimento aos dez dias de idade. Se algum dia for famoso (os deuses o livrem!) será bem ridículo que lhe erijam uma estátua no sítio onde nasceu! Se desde há muitos séculos a mobilidade permite ao Homem distanciar-se da sua Terra, hoje temos também a possibilidade de mudar de nacionalidade e/ou de acumular duas – dependendo da lei dos países - sem desprimor afectivo de nenhuma. O sentimento telúrico é cada vez mais isso mesmo: um sentimento e não uma fatalidade do destino.  


Como pessoa (a palavra cidadã anda muito desgastada, que diriam os gregos se vissem o uso que lhe deram?) desgosta-me que sejamos muitas vezes distraídos pelo local de nascimento dos outros para ajuizar das suas capacidades analíticas e até emocionais.


Toda a guerrilha que se baseie na naturalidade é fruto de um espírito de bairro, portanto, de uma mesquinhice que não deixou o empedrado recente da sua rua para se abrir a outras plataformas de diálogo mais amplas. Não podemos ver a árvore, ignorando a floresta, e depois usar palavras como “cosmopolitismo”; é como usar sapatos de outra pessoa para uma festa e não dançar com medo.


O amor à nossa terra é muito bom e até muito desejável, mas não quando nos venda os olhos à universalidade do sentir e do pensar. Antes deve essa paixão primeira ser a base que sustenta o amor pelo mundo em toda a concepção humanista.


Monday, September 7, 2009

WWW: uma ferramenta narcísica?

A Internet foi, provavelmente, a invenção mais extraordinária dos últimos tempos. Parece mentira que a sua comercialização só se tenha dado em 1989, dado que ninguém no mundo industralizado imagina o que é viver sem ela, quando há 20 anos atrás nem sabíamos o que era! No entanto, segundo a falível Wikipedia (já que estamos falando de Internet, embora usá-la!) apenas um quarto da população mundial a utiliza, prova da má distribuição da riqueza neste mundo.


Com a Internet, surgiu o acesso rápido à informação, à contra-informação, ao entretenimento e ao entretenimento à custa do bem estar dos outros (também chamado sadismo mas como  temos medo das palavras, excepto nos manuais psiquiátricos, há que ser delicado…) entre tantas outras facilidades. Sabemos que a internet nos permite conversar com alguém que está nos antípodas e, mesmo, vê-lo. Se Bell fosse vivo, ficava de queixo caído. Conclusão: a Internet teve sucesso porque é, sem dúvida, algo de extraordinário, pleno de possibilidades, que pode ser bem ou mal utilizado e é aí que entra a responsabilidade e maturidade de cada um.


A última moda da Internet são as chamadas redes sociais. Uma pessoa recebe no seu e-mail uma data de convites para se integrar no Hi5, no Facebook, no Twitter, no Linkedin. Some-se a isto a possibilidade de fazer blogs e ainda páginas pessoais, e tem-se a vida toda exposta.


John Sawers, por exemplo, foi designado chefe dos Serviços Secretos Britânicos (oh yes, they do exist!). Acontece que a sua mulher, Shelley Sawers, é grande adepta destas redes, e todos os dias postava fotos da família – “olha nós na praia, eis o John de calções, o John adora camarões, estes são os nossos babys, a mãe do John fez anos, o John lá vai outra vez viajar, esta é a nossa casinha, blablabla” . E não pôs restrições à sua página pessoal, ou seja, toda a gente que clicasse, podia ir ver o senhor na sua intimidade, e mais ainda, descobrir onde ele morava e qual o seu número de telefone, além de, pasme-se, o seu nome de código!
Para além da inevitável polémica pública (imagino a privada…), o Sr. Sawers enfrenta agora um inquérito – Gordon Brown, o PM britânico, viu-se obrigado a re-avaliar se ele será mesmo a pessoa indicada para o cargo.


Afinal, o que leva um político a fazer uma página (muito) pessoal na net e a revelar a sua vida privada, telefone incluído, ao público? Claro que há páginas que são de puro marketing (como a do Eng. Sócrates ou a de Paulo Portas, mutatis mutandis, que nada têm de íntimo e que devem ter sido obra de consultor de imagem).  Acredito que a resposta só pode estar num distúrbio da personalidade que é um bocadinho mais velho do que a Internet: o Narcissismo. Pode ser leve e gerar este desejo de admiração e de reconhecimento sem limites ou pode ser tão profundo que degenere numa sintomatologia à Brian Blackwell.


As pessoas reconhecem-se pelo que fazem, não pela bandeira que ostentam. E um Narcísico reconhece-se, sobretudo, pelo desejo que tem de ser o centro da nossa atenção. Para estas pessoas, a Internet não é uma porta para o mundo – é uma janela para espreitarmos o mundo que eles julgam ser. E que sorte que eles acham que temos!