Na apresentação de “Os Dabney – Uma Família Americana nos Açores” no Faial, dizia Mário Mesquita que uma das razões pelas quais tinha contactado Maria Filomena Mónica para a coordenação da obra foi o facto de ela ser uma “menina de Cascais”, o que a tornava insuspeita para falar dos Açores, pois que os naturais de um local são tendenciosos e, por amor à terra, falam dela muito bem. É verdade. Também acontece o oposto: por vezes, por despeito para com o torrão Natal, por experiências adversas de vida, há quem dele fale muito mal. O amor à nossa terra é sempre mais exigente, já dizia Vitorino Nemésio, pela boca de Margarida quando esta foi viajar de paquete no fim de “Mau Tempo no Canal”. Não quero com isto dizer que esse amor nos torne cegos, pelo contrário. Talvez demasiado despertos.
A interessante visão de Mário Mesquita é diametralmente oposta àquela que Paulo Mendes criticava na sua “Ponte Insular” ao Director dos Desportos de Cabo Verde, que não terá deixado Alain Hurtebize representar o país no Campeonato de Fotografia Subaquática da Macaronésia porque este não é natural de Cabo Verde, apesar de residir há 20 anos no país. Claro que o ridículo desta atitude xenófoba nos dá pano para mangas: o que é o natural de um país? Quem sabe e sente mais de um local? Aquele que lá reside há tempo considerável ou o que, por um acaso do destino, lá nasceu?
O meu filho deixou o seu local de nascimento aos dez dias de idade. Se algum dia for famoso (os deuses o livrem!) será bem ridículo que lhe erijam uma estátua no sítio onde nasceu! Se desde há muitos séculos a mobilidade permite ao Homem distanciar-se da sua Terra, hoje temos também a possibilidade de mudar de nacionalidade e/ou de acumular duas – dependendo da lei dos países - sem desprimor afectivo de nenhuma. O sentimento telúrico é cada vez mais isso mesmo: um sentimento e não uma fatalidade do destino.
Como pessoa (a palavra cidadã anda muito desgastada, que diriam os gregos se vissem o uso que lhe deram?) desgosta-me que sejamos muitas vezes distraídos pelo local de nascimento dos outros para ajuizar das suas capacidades analíticas e até emocionais.
Toda a guerrilha que se baseie na naturalidade é fruto de um espírito de bairro, portanto, de uma mesquinhice que não deixou o empedrado recente da sua rua para se abrir a outras plataformas de diálogo mais amplas. Não podemos ver a árvore, ignorando a floresta, e depois usar palavras como “cosmopolitismo”; é como usar sapatos de outra pessoa para uma festa e não dançar com medo.
O amor à nossa terra é muito bom e até muito desejável, mas não quando nos venda os olhos à universalidade do sentir e do pensar. Antes deve essa paixão primeira ser a base que sustenta o amor pelo mundo em toda a concepção humanista.