... "And now for something completely different" Monty Python

Tuesday, October 6, 2009

Meu Professor de Dez Meses

Há algum tempo, escrevi 3 artigos muito fundamentados e académicos sobre os problemas da comunicação. Já a crónica que se segue, retirei-a do meu notebook de viagem, e contradiz absolutamente os dramas linguísticos que, então, se me apresentavam. É bem feito. E, o que é mais, está sempre a acontecer-me. Pagar pela língua parece-me bem quando falamos de questões desta natureza. Aqui vai um pedacinho do diário desta viagem, como penitência.


“Após horas de caminhada por bairros muito estranhos onde não vi uma única mulher, chegámos a sítios da cidade que as cabeças ocidentais denominariam decentes. Vimos, então, uma mesquita e pensei “Que benção!” o que é um pensamento muito estranho para uma rapariga que usa uma Estrela de David ao pescoço desde a infância. Infelizmente, eu não tinha um véu suficientemente comprido. Emprestaram-me um, à porta. Cobri-me e entrei, cansada. Foi então que fiz algo inesperado para uma turista de câmara na mão – larguei-a e fui até ao extremo direito, entrando no rectângulo pequeno da mesquita onde só podem entrar mulheres (e os seus bebés). Tinha um pouco de receio que as muçulmanas me mandassem embora dali, porque é um sítio só delas, e estavam a rezar devotadamente, naquela posição especial que adoptam, com aqueles rosários diferentes. Algumas estavam apenas sentadas, a descansar. Uma tinha um bebezinho, e tentava mantê-lo quieto para que não fizesse barulhos desrespeitosos. Eu tive medo que me considerassem uma intrusa ou, pior!, uma curiosa da pior espécie , tentando escarnecer da fé alheia.


Mas nenhuma das mulheres disse uma palavra. As que estavam a rezar, continuaram. As que descansavam, sorriram-me amigavelmente. Sentamo-nos, eu e o meu filho. Lembrei-me de repente da minha Estrela de David, claramente visível, e que pensariam elas de um símbolo como aquele? Pensei numa fracçao de segundo “Tapo-a? Não a tapo?” Decidi não a esconder. A mulher que também tinha um bebé começou entao a entretê-lo com um tecido brilhante, que ele tentava agarrar. O meu bebé fez o mesmo. Ela olhou-me, com um sorriso radiante. De repente, estávamos a comunicar. Os bebés ainda mais, brincando com as mãozinhas um do outro e com o véu. Ela disse-me não sei quê, baixinho, sobre o véu e os bebés certamente e riu-se pondo o dedo na boca como que dizendo que tínhamos de fazer silêncio aqui. Os bebés riam, eu sorria como ela. Ninguém parecia ofendido.


Gostava de saber turco, mas não sei. Azar. Felizmente, resta-me o saber que não é aprendido, como o riso. Se olhar mais para o meu bebé na perspectiva de aluna em vez de tentar ser tao professora, talvez chegue mais longe.


O tempo das orações chegou e senti que tinha de sair. Quando passei pela porta, o senhor que guardava a mesquita ofereceu-me um balão. Só falava turco e, infelizmente, o meu agradecimento perdeu-se mas sorrimos e compreendemos o essencial. O balão era para o bebé, assim o entendi porque ele o amarrou no seu pulso.





Continuo sem saber em que parte da cidade estamos, e nao consegui descobrir que mesquita é esta. Mental note: deixar de me preocupar com tolices arquetípicas e seguir o instinto. Costuma dar certo. É muito melhor do que essa coisa carunchosa que é a ânsia de tudo compreender por palavras e infinitamente melhor do que o pré-conceito em relação ao que julgo conhecer.”