... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, June 25, 2010

Mátria

Há um sentimento contraditório no povo português (sem querer aqui dissertar sobre as palavras “povo” e “português” que só de si dão um tratado, sobretudo quando conjugadas na mesma frase com as palavras “sentimento” e “contraditório”, que lhe assentam como luvas): é o amor à sua terra. Para não regionalizar e correr o risco de complicar ainda mais com mesquinhices que tomam o aspecto de guerrilhas, estendo a terra ao tamanho do país.


O português ama muito o seu país, mas sente que o país ingrato não o ama assim tanto a ele. Será talvez por isso que o português é o povo mais crítico a falar da sua nação. Os outros enaltecem sempre os seus países e escondem-lhes os defeitos. O português não. Com um suspiro, admite que, realmente, Portugal não presta para nada e só um doido (sendo que o doido é ele mesmo, comprazendo-se um pouco masoquisticamente nesse papel) suporta viver nesse local sem condições e sem glória. Mas basta um virar de maré, um ventinho de feição breve – sei lá, uma vitória da Selecção Nacional – para o português dizer que Portugal é excelente. De facto, o que está na raiz mais profunda do temperamento português é não suportar viver na miserabilidade do quotidiano: ele tem de ser mártir ou então herói. É o tédio que o mata. O destino do português tem de adaptar-se a uma vocação romântica, seja boa ou má mas seja grandiosa.


Todo o português conhece a célebre frase de Pessoa “A minha pátria é a língua portuguesa”, retirada do contexto. A esta frase segue-se: “Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente, mas odeio, com ódio verdadeiro, (…) a página mal escrita, (…), a sintaxe errada, como gente em que se bata, (…) como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.” É ensinado às jovens mentes que Pessoa era um grande patriota pela sua Mensagem, mas qualquer ser pensante vê que um homem bilingue, que tanto escreveu em português como em inglês, que acabou a vida com “I know not what tomorrow will bring”, que passou a infância na Cidade do Cabo, não seria dado a nacionalismos e certamente abraçaria mais do que uma cultura.
Porém, quando Pessoa morreu não fizemos um circo… Ele não tinha ganho prémios.


O português diz continuamente que “quem é bom vai lá para fora”. Isto é discutível, claro. Até porque o português que vive em Portugal, ao dizê-lo, está automaticamente a desclassificar-se. De qualquer forma, o que não é discutível é que toda a gente tem o direito de viver onde quiser durante o tempo que quiser (esta última frase é tanto mais utópica quanto eu sei bem os meandros dela, porque já fui emigrante, já deixei de o ser por vontade própria e conheço intimamente muitos imigrantes, mas deveria ser assim até segundo as novas leis de mobilidade humana).


O português, apesar desta sua opinião veemente sobre “os bons triunfam lá fora”, fica roxo de fúria por a pianista Maria João Pires ter decidido abdicar da sua nacionalidade em favor da nacionalidade brasileira, após um conflito com o governo português. O português também não vai à bola com o facto de Saramago ter escolhido viver em Lanzarote desde os 60 anos – também por um conflito governamental. Certo é que a um morto nada faz diferença, mas, mesmo assim, não me parece correcto dizer, nas cerimónias fúnebres, “este é o regresso a casa de Saramago”. Afinal, a casa do senhor era, sem dúvida, Espanha, onde vivia com a mulher, sua família mais próxima. Que direito temos nós de o reclamar para um solo onde não tem família (a mulher está onde decidiram viver; a filha, que eu saiba, vive na Madeira). Exéquias para o morto… ou para o país ver? 


Também me parece de mau gosto um discurso claramente para agradar às massas, onde se disse “Saramago podia não acreditar em Deus, mas Deus, se existe, acreditava decerto nele.” Quase podíamos ouvir a voz de Saramago na entrevista sobre Caim onde ele diz “Mas que tenho eu a ver com os católicos portugueses?”.
Juntemos a isto a alegria despropositada dos portugueses nas exéquias fúnebres, como se estivessem numa festa nacional, “onde as cinzas descansam agora tranquilamente” e “ficam as obras para os alunos dissecarem” (o sonho de qualquer escritor, certamente, é ser dissecado!). Qualquer dia, em vez do chão da oliveira onde Saramago gostaria de estar, havemos de vê-lo no Panteão…


Talvez eu esteja a ser mordaz, mas como dizia Nemésio, “o amor à nossa terra é muito exigente” e o meu sempre foi. Não é fácil perdoar as nossas mediocridades de espírito mesmo salvaguardando a hipocrisia diplomático-política, pois sobretudo para esse papel há que ter elegância e inteligência.


Friday, June 11, 2010

Papá de revista

Numa viagem de avião vim a ler uma revista pós-moderna que falava sobre o papel do pai na educação dos filhos (e mais coisas assim fantásticas como macrobiótica e civismo arquitectónico, tudo excelentes teorias cuja aplicação tem um número mínimo de praticantes). Calhou bem porque a meu lado vinha o meu filho a dormir no colo do pai. Durante esta  viagem em que o pai o segurou, a solicitude das hospedeiras e a preocupação carinhosa da passageira do lado foram inimagináveis: ”Oh, coitadinho, o senhor vai ficar com o braço cansado!”; “Não quer mais uma almofada?”; “Quer que eu o segure?” Anteriormente, eu fizera duas viagens sozinha com o meu filhote e ninguém, repito ninguém se preocupou minimamente se eu estava cansada, queria apoio ou ajuda ou sequer almofada. E eu, ao contrário do pai, tinha um braço doente e menos 30 kg do que ele…

 A minha questão é: porque é que isto acontece? Podem sempre dizer-me que é por o pai da criança ser o que se chama uma figura pública e logo todos os pretextos serem bons para meterem conversa com ele. Também é certo que um homem com bebés ou cães tem sempre sucesso e dá uma imagem de carinho e responsabilidade, sobretudo junto das mulheres, coisa que os homens não ignoram. Mas é, também, porque a mentalidade vigente espera que a mãe cumpra e faça o seu papel, mas quando o pai cumpre e faz o seu chovem salvas de palmas em louvor e ainda lhe oferecem ajudas mil como se ele fosse um incapaz.

 A revista pós-moderna também estava cheia de elogios aos super pais heróis. E eram mesmo super, a julgar pelos exemplos. O emblema era Nuno Markl, apresentador de tv, escritor, locutor de rádio, humorista e autor do programa Há Vida Em Markl e ainda pai que partilha com a mulher todas, mas mesmo todas as rotinas de um filho de oito meses. É ele quem se levanta sempre de noite, faz a sopinha com batatas, esteriliza biberons, organiza a casa e limpa. Há mesmo muita vida em Markl. 

“É o verdadeiro pai-galinha, sempre presente”, diz a revista. Excepto é claro quando está a fazer os programas de tv e de rádio, a escrever guiões ou a dar entrevistas, imagino eu. Pormenores. Quantas mulheres não leram isto e ficaram suspirando por um Markl assim. Ingénuas. A revista garante que Nuno Markl, qual contorcionista, “faz tudo com flexibilidade (…) mesmo quando o filho lhe cospe a sopa para cima dos óculos”. É uma ternura só ultrapassada pelo momento em que ele suspira que a paternidade o deixou como “um pudin-flan”, e que utiliza as peripécias da vida para os seus programas, como inspiração. Vá lá, com a catarse que faz sempre evita o ataque de nervos. Pois Markl, mais à frente, lá confessa que teve de arranjar “pequenos métodos para não enlouquecer” após ser pai. Apesar de tudo, diz ele “A paternidade faz de nós melhores pessoas. Conheço muitas bestas que seriam capazes de se reformar.” Digam lá: é meigo, não é?

 Mas a revista tem mais exemplos. Há um pai de cinco filhos, de três mulheres diferentes “que convive bem com a realidade” e tem com eles “uma relação precoce e com sentido”. Porque é que estas frases não me parecem louváveis mas sim normais? Jamais me passaria pela cabeça ter uma relação tardia e sem sentido com um filho, mas talvez eu seja pouco comum. Este pai confessa que os seus divórcios tiveram muito a ver com o facto das suas prioridades anteriormente nunca passarem pela família. Já me cheirava… Também lá aparece um outro pai que sofre porque a mulher de quem está divorciado não o deixa ver o filho. Diz ele que a ex-mulher é uma perturbada que sofre de depressão pós-parto. Não duvido que possa ser. Mas o certo é que a criança já tem 15 anos. É muito tempo de pós-parto. 

O importante a reter é - segundo os especialistas na revista -  que está a nascer um novo pai, “que reclama para si metade do prazer e da responsabilidade de tratar dos filhos” ainda que a mãe “trabalhe mais 3 horas do que o pai nas funções domésticas”. Ora, com 8 horas no emprego e 8 de sono (sarcasmo incluído), subtraindo vai e vem de trânsitos, compras e as 3 suplementares da mãe… Quantas é que o super pai trabalha em casa? Uma? E o pai que não é super? Afinal, como diz uma amiga, “por detrás de um homem de sucesso está sempre uma mulher exausta”.