Numa viagem de avião vim a ler uma revista pós-moderna que falava sobre o papel do pai na educação dos filhos (e mais coisas assim fantásticas como macrobiótica e civismo arquitectónico, tudo excelentes teorias cuja aplicação tem um número mínimo de praticantes). Calhou bem porque a meu lado vinha o meu filho a dormir no colo do pai. Durante esta viagem em que o pai o segurou, a solicitude das hospedeiras e a preocupação carinhosa da passageira do lado foram inimagináveis: ”Oh, coitadinho, o senhor vai ficar com o braço cansado!”; “Não quer mais uma almofada?”; “Quer que eu o segure?” Anteriormente, eu fizera duas viagens sozinha com o meu filhote e ninguém, repito ninguém se preocupou minimamente se eu estava cansada, queria apoio ou ajuda ou sequer almofada. E eu, ao contrário do pai, tinha um braço doente e menos 30 kg do que ele…
A minha questão é: porque é que isto acontece? Podem sempre dizer-me que é por o pai da criança ser o que se chama uma figura pública e logo todos os pretextos serem bons para meterem conversa com ele. Também é certo que um homem com bebés ou cães tem sempre sucesso e dá uma imagem de carinho e responsabilidade, sobretudo junto das mulheres, coisa que os homens não ignoram. Mas é, também, porque a mentalidade vigente espera que a mãe cumpra e faça o seu papel, mas quando o pai cumpre e faz o seu chovem salvas de palmas em louvor e ainda lhe oferecem ajudas mil como se ele fosse um incapaz.
A revista pós-moderna também estava cheia de elogios aos super pais heróis. E eram mesmo super, a julgar pelos exemplos. O emblema era Nuno Markl, apresentador de tv, escritor, locutor de rádio, humorista e autor do programa Há Vida Em Markl e ainda pai que partilha com a mulher todas, mas mesmo todas as rotinas de um filho de oito meses. É ele quem se levanta sempre de noite, faz a sopinha com batatas, esteriliza biberons, organiza a casa e limpa. Há mesmo muita vida em Markl.
“É o verdadeiro pai-galinha, sempre presente”, diz a revista. Excepto é claro quando está a fazer os programas de tv e de rádio, a escrever guiões ou a dar entrevistas, imagino eu. Pormenores. Quantas mulheres não leram isto e ficaram suspirando por um Markl assim. Ingénuas. A revista garante que Nuno Markl, qual contorcionista, “faz tudo com flexibilidade (…) mesmo quando o filho lhe cospe a sopa para cima dos óculos”. É uma ternura só ultrapassada pelo momento em que ele suspira que a paternidade o deixou como “um pudin-flan”, e que utiliza as peripécias da vida para os seus programas, como inspiração. Vá lá, com a catarse que faz sempre evita o ataque de nervos. Pois Markl, mais à frente, lá confessa que teve de arranjar “pequenos métodos para não enlouquecer” após ser pai. Apesar de tudo, diz ele “A paternidade faz de nós melhores pessoas. Conheço muitas bestas que seriam capazes de se reformar.” Digam lá: é meigo, não é?
Mas a revista tem mais exemplos. Há um pai de cinco filhos, de três mulheres diferentes “que convive bem com a realidade” e tem com eles “uma relação precoce e com sentido”. Porque é que estas frases não me parecem louváveis mas sim normais? Jamais me passaria pela cabeça ter uma relação tardia e sem sentido com um filho, mas talvez eu seja pouco comum. Este pai confessa que os seus divórcios tiveram muito a ver com o facto das suas prioridades anteriormente nunca passarem pela família. Já me cheirava… Também lá aparece um outro pai que sofre porque a mulher de quem está divorciado não o deixa ver o filho. Diz ele que a ex-mulher é uma perturbada que sofre de depressão pós-parto. Não duvido que possa ser. Mas o certo é que a criança já tem 15 anos. É muito tempo de pós-parto.
O importante a reter é - segundo os especialistas na revista - que está a nascer um novo pai, “que reclama para si metade do prazer e da responsabilidade de tratar dos filhos” ainda que a mãe “trabalhe mais 3 horas do que o pai nas funções domésticas”. Ora, com 8 horas no emprego e 8 de sono (sarcasmo incluído), subtraindo vai e vem de trânsitos, compras e as 3 suplementares da mãe… Quantas é que o super pai trabalha em casa? Uma? E o pai que não é super? Afinal, como diz uma amiga, “por detrás de um homem de sucesso está sempre uma mulher exausta”.