O que falta às pessoas, no colapso de uma civilização, é grandiosidade. Foi à conta desta frase que me pus a pensar. Apesar da minha mãe sempre me ter dito que não é bom pensar, eu prefiro exercer este pecado do que viver uma vida santa.
Arnold Toynbee, historiador britânico, analisou o processo de vida das civilizações: o seu nascimento, crescimento e declínio. Toynbee estava convicto de que este processo seguia parâmetros comuns, independentemente dos lugares e épocas onde as civilizações se situassem. A civilização mais resistente era a que melhor respondia às mudanças, no fundo, a mais adaptável - uma espécie de teoria evolutiva ao nível civilizacional, mas com uma importante diferença: a causa primeira de “morte” das civilizações era interna, não provinha de desastres climatéricos nem de invasões doutros povos mas sim de crises intrínsecas. Donde ele conclui : “Civilizations die from suicide, not by murder”.
Segundo Toynbee, ao ultrapassar um desafio com criatividade, a civilização crescia. O nacionalismo ou a tirania de uma minoria despótica eram provas de que a criatividade se tinha evaporado e o fim estava próximo. As teorias de Toynbee não foram bem aceites por todos (aliás, convém desconfiar de coisas unanimente aceites, até o chocolate tem detractores!), mas o seu impacto é inegável.
Ao falar de quedas de civilizações, lembro-me sempre de uma professora (fundamental na minha ética) que nos falava das noções de honra da Antiguidade Clássica. Os Gregos possuíam o conceito de húbris, uma espécie de arrogância desmedida que se traduzia em acções de fúria e orgulho extremo, trazendo vergonha a outrem. Ao humilhar outro, o abusador pensava que a sua superioridade era maior.
Húbris era um conceito bastante complexo, porque este nível de arrogância era considerado crime - não um crime qualquer mas “o” crime por excelência, pois ao incorrer nele o Homem esquecia o seu lugar no Universo, infringindo os preceitos gregos da busca de perfeição pelo equilíbrio em todas as coisas (pan metron ariston). Consequentemente, o ser humano cego pela húbris, perdia completamente a razão e realizava acções que nunca seriam expectáveis num homem consciente da “medida de todas as coisas”.
As tragédias gregas estão repletas de exemplos de húbris (Édipo rei e o casamento com a progenitora, Ícaro voando perto do sol). A literatura épica - sempre com reminiscências históricas - também. Há o célebre episódio de Aquiles na Íliada(um menino bonito e convencido de si próprio que humilhava todos como insectos e pagou por isso) que após matar o seu rival Heitor, não se deu por satisfeito e decidiu fazer arrastar o seu corpo por cavalos, pelo chão, à frente dos familiares da vítima até o desfazer; ou quando após matar a rainha das amazonas violou o cadáver porque matá-la não era subjugação suficiente. Estas acções profetizaram a sua morte pouco tempo depois.
Os gregos consideravam que as práticas de húbris provinham de loucura. Não no sentido que damos à palavra, mas sim numa acepção de essência maligna. Quem praticava a humilhação fazia-o para se sentir gratificado. E esse crime nunca deixava de ser castigado, quer pelos homens (a noção do castigo da húbris encontra-se no direito grego, precavendo os extremos dos mais poderosos) quer pelos deuses – sob a forma de terriveis mudanças nos cursos de vida, pois Nemesis, deusa da vingança, estava sempre muito atenta a punir todos os homens que se esqueciam que eram apenas … homens.
A húbris era o erro trágico dos homens, aquilo que fatalmente conduzia à sua queda. A arrogância desmedida e a falta de controlo sobre uma impulsividade pouco sã levavam ao colapso de homens poderosos e civilizações inteiras. Claro que isto são histórias antigas. Hoje em dia, até os gregos se esqueceram dos pecados que levam à queda, como está mais que provado.