Se há lutas tão antigas como o Mundo, uma delas é a que opõe Religião e Ciência, ambas uma construção do mesmo Homem, de um lado fervoroso crente e do outro insaciável curioso. Ambas as características estão ligadas à sua sobrevivência, pois o Homem necessita de esperança e de génio inventivo para continuar. Logo, enquanto a espécie não desaparecer, a luta continua (para quê?, pergunta legítima). O ano passado, por conta das comemorações de Darwin, houve um re-acender das polémicas entre os teólogos e os cientistas, e até no nosso pequeno mundo, esta mesma semana, se fizeram umas piadas sobre as cinzas do Eyjafjallajokull que impediam o trânsito aéreo mas não deixaram de se afastar para que Sua Santidade pudesse chegar a tempo a Fátima. Note-se que eu não percebo nada do assunto, pois ao contrário da esmagadora maioria dos meus compatriotas não estou habilitada para falar nem dos efeitos de vulcões a mais de 3000 km (sem falar das baixas altitudes a que voam os nossos aviões) nem tão pouco de questões metafísicas, pelo que me remeto à minha ignorância leiga, acompanhada por um pequeno punhado da população. O restante é tão versado nisto do vulcão e de milagres como em futebol.
Mas, voltando ao tema, parece que a Religião e a Ciência têm feito umas tentativas para se entender e darem as mãos (isto já antes do Eyjafjallajokull ter feito um sorriso a Sua Santidade para que pisasse o nosso solo, bem entendido). O Papa João Paulo II, em 1996, disse mesmo que a teoria da evolução não é contrária à fé cristã e que “os indícios biológicos da evolução são imperiosos”, o que, por um lado, representou um extraordinário estender da mão da entidade eclesiástica às afirmações científicas e, por outro, um golpe de diplomata dado que a comunidade científica, no seu global, afirmava que Deus era uma hipótese da qual não necessitavam para as suas explicações e teoremas. Consequentemente, para quê nomear o desnecessário?
Foi a partir de um discurso de João Paulo II à Academia Pontifícia das Ciências em 1981 que as relações da época moderna entre Religião e Ciência tomaram um novo rumo: “As Sagradas Escrituras falam-nos da origem e criação do Universo para explicar as relações entre o Homem com Deus e o Universo. A Bíblia declara que o mundo foi criado por Deus e para nos ensinar esta verdade expressa-se nos termos da cosmologia usada no tempo de quem a escreveu.” Neste discurso de mestre, diz-nos qualquer coisa como: Deus criou o Homem, disso não tenham dúvidas nem vacile a vossa fé, dando-lhe inteligência e livre-arbítrio como faria à sua obra-prima, e para melhor admirar esta obra e deixar que ela prosseguisse o seu caminho, esse mesmo Homem foi evoluindo, na sua senda e chegou onde hoje está.
A gente revolve enciclopédias e tratados filosóficos sobre esta matéria, teorias da interconexão, do conflito versus o diálogo ao longo dos tempos, até chegar à teoria da independência de Stephen J. Gould e tem dificuldade em encontrar um discurso mais “cravo e ferradura” do que este. Ou seja, engenhosamente diplomático.
Do lado das Ciências, Einstein foi o mais habilidoso a falar destes assuntos, admitindo que sempre haveriam assuntos que o conhecimento do Homem não conseguiria penetrar e que, considerando a sua admiração por esses assuntos, sim, seria religioso, embora não acreditasse numa entidade divina mas sim na admirável estrutura do mundo: “Não acredito num Deus que se preocupe com o Destino e com os feitos da Humanidade, acredito num Deus que se manifesta na harmonia do Mundo, tal como Spinoza”. Acrescente-se que Einstein e Spinoza não eram cristãos, eram judeus.
Ultimamente, não tenho visto nenhuma manifestação inteligente entre estes dois constructos humanos. Mas dizem-me que isto do vulcão islandês em tempo de Fátima tem muito que se lhe diga…