... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, August 20, 2010

Sexta -feira é azul e sabe a chocolate

A frase do título parece uma frase infantil, que achamos muito engraçada e admissível até certa idade e depois começamos a corrigir e a não permitir, porque os excessos de fantasia são de conter, sobretudo nesta sociedade eminentemente prática. Parece… mas não é. Também não é fantasia  - e daí o seu extraordinário interesse científico. De facto, recentemente, a Sinestesia voltou a ser objecto de estudo afincado por parte de neurologistas e até psicólogos (ainda que seja uma manifestação fisiológica), apesar de já ter sido descoberta no século XIX. Como o nome grego indica, é uma condição de base neurológica em que as sensações (aisthésis) se apresentam conjuntas (syn). Explicando melhor: se um sinesteta for estimulado de modo sensorial-cognitivo de uma determinada forma (por exemplo, a nível auditivo), essa estimulação não se fica por aí e automaticamente estimula outro sentido (visual, por exemplo). Assim, um sinesteta pode associar sempre o som Fá à cor verde, porque efectivamente o seu cérebro faz essa ligação.


 A Sinestesia pode ser de vários tipos: desde associar grafemas e ordinais a cores (ex: “o S é cor de laranja”) ou cores a sons, fonemas ao gosto ou cheiro (“Ana! Que nome tão baunilha!”) mas as formas de Sinestesia mais extraordinárias são a personificação e, como veremos, o espelho de toque. A personificação implica atribuir um verdadeiro carácter a inanimados, como: “A letra F, essa hipócrita, não a suporto”.



Os sinestetas organizam o mundo espacial e memorialisticamente de forma diferente, mas têm, sobretudo, uma sensibilidade diferente. Existe uma forma especial de Sinestesia que é a forma mais alta de empatia já estudada e verificada cientificamente: o espelho de toque. Os sinestetas com esta capacidade sentem literalmente as sensações de outras pessoas, nomeadamente a dor. Quer isto dizer que ao ver um toque, ele sente um toque. O porquê desta estimulação neurológica ainda não é clara, mas ela acontece. Todos já sentimos um arrepio ao ver uma cena de sangue num filme, mas o sinesteta sente o estímulo doloroso. Com a experiência, estes sinestestas distinguem perfeitamente a sua dor da alheia, não deixando de a sentir. Esta forma de Sinestesia é a mais rara de todas, e o interessante de descobrir mais sobre ela é precisamente o combate a uma sociedade egoísta e narcissista, com toda a polémica ética que isso envolve (vide estudos recentes publicados na Science Now e Cognitive NeuroPsychology).


 Como podem imaginar, esta mistura de sensações é muito atraente para os artistas, sobretudo românticos, tendo havido vários que reclamavam “sofrer” desta condição tão sedutora, como Baudelaire. Porém, a Sinestesia não é algo que se “apanhe” ou que se aprenda; é mesmo uma resposta cerebral involuntária, automática e consistente. Logo, se o seu filho for o desespero dos professores porque é demasiado sensível ou pinta a palavra Maio verde e insiste no seu cheiro a limão, não desespere: ele não é anormal, é sinesteta, e o mundo dele é apenas muito mais rico e interessante do que o dos outros milhões de cinzentos que têm sensações à vez. Nenhum sinesteta trocaria a sua condição pois um mundo sinestético é infinitamente mais rico. Pergunte a Vladimir Nabokov.



Friday, August 6, 2010

Quem precisa de uma Presidente inteligente?

Fiquei surpreendida quando a ex-candidata à Vice-Presidência dos EUA, Sarah Palin, apareceu esta semana a criticar Obama pela sua política de imigração. Palin mostrou-se escandalizada porque “Obama não tem tempo para visitar a fronteira entre os E.U.A. e o México” (local onde a imigração ilegal é forte) “mas tem tempo para aparecer em talk-shows”. Não estou chocada com a opinião de Palin; estou admirada com o quanto evoluíram os seus conhecimentos em geografia.


De facto, durante a campanha para as Presidenciais dos EUA, Palin demonstrou ser (como dizê-lo de modo suave?) enfim, muito ignorante. Em entrevistas que deu à televisão (tudo isto hoje disponível no YouTube, que põe a nu e perpetua as asneiras televisivas), Palin nunca soube identificar os vários estados do seu país, muito menos situá-los no mapa. Se até as crianças da escola são repreendidas por isso, não será grave que alguém que se propõe ser Vice-Presidente não tenha ideia do que é o país em termos territoriais? Para além desta falha – que podemos apelidar de ordenamento interno -, Palin tinha ideias muito particulares sobre a política externa, a começar pelo facto de não ter qualquer noção sobre quem fazia fronteira com os EUA. Numa entrevista, na qual puxava dos seus galões como ex-governadora do Alasca (factor importante, dado que Obama não possuía cargos políticos de relevo), Palin afirmou que estava habituada a negociar com o PM da Rússia, até porque “nós vemos a Rússia ali do Alasca”. Perante o ar de descrédito do jornalista, Palin, de entremeio com umas queixas sobre as pessoas não conhecerem nada do Alasca, acrescenta: “afinal quem pensam vocês que é o nosso país vizinho?”


Noutra entrevista, na qual lhe perguntaram o que pensava sobre a doutrina Bush (frase usada para descrever os princípios da política externa do Presidente Bush), Palin respondeu: “O que quer dizer? Se concordo com a visão do mundo do Presidente Bush?” O jornalista gagueja, repete a pergunta, Palin às voltas até o jornalista lhe explicar o que era a doutrina. Faz pensar… Se, de facto, é necessário escolher figuras tontas e manipuláveis para determinados cargos, pelo menos que lhes dêem uns cursos de preparação intensiva antes de os porem a falar em público.


Quando foi óbvio para o país que Palin era demasiado tonta e que nem conseguia dizer o nome de um jornal quando lhe perguntaram em directo que órgãos de comunicação costumava consultar, houve um pequeno momento convulsivo. O candidato a Presidente McCain tinha mais de 70 anos e já sobrevivera a um cancro. Havia fortes hipóteses de Palin ser Presidente no decurso posterior do mandato caso ganhassem. Nessa época, apareceram várias figuras públicas anti-Palin, afirmando que ela seria a risota do mundo quando se encontrasse com os líderes de outros países. John Cleese disse que os Monty Python não poderiam ter inventado uma personagem melhor nem que tivessem tentado.


Curiosamente, Palin teve muitos defensores, considerando a sua fraca prestação pública. Muitas pessoas entrevistadas sobre o que pensavam dela, diziam simplesmente: “Não percebe nada de História nem de Geografia, e é claramente pouco informada, mas gosta muito dos filhos.”
Fácil é concluir que ao povo não incomodam Presidentes pouco inteligentes – aliás, tinham eleito Bush…- mas um Presidente simpático e amoroso da família é essencial e garante que será também amigo do povo. Então, o que levou à queda de Palin (que até carregava, como um pão ao colo, um filho com problemas que lhe trouxe alguns votos)?


Um anúncio de televisão. Nos EUA, durante as campanhas, podem fazer-se anúncios a denegrir o adversário. O spot em causa mostrava lobos do Alasca, fugindo de helicópteros que os matavam à queima-roupa. Os lobos caíam e derramavam sangue na neve. O slogan era qualquer coisa como: “Queremos mesmo alguém que mata lobos inocentes na nossa Presidência?” Palin, de facto, enquanto governadora, tinha mandado matar uns lobos. O povo, sentimental, não perdoou. Como não ter um Presidente com fama de carinhoso? A popularidade de Palin só caiu em flecha quando os lobinhos tombaram mortos na TV. Muito mais grave que ver a Rússia quando abria a janela.