... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, November 26, 2010

"Efeminizem-se!"



Numa das revistas Time de Novembro, Nancy Gibbs escreveu um provocatório artigo chamado “Woman Up”. Parêntesis sobre a senhora para quem não sabe: Nancy Gibbs faz as crónicas de última página da Time - para além de se dedicar à escrita – e estudou na Yale Política, Filosofia e Economia (não há como os EUA para ter duplas e triplas licenciaturas, algumas cuja interdisciplinaridade nos parece duvidosa - questão cultural que não cabe aqui e fica para outras calendas).


Gibbs começa por dizer que as mulheres que actualmente fazem política nos EUA utilizam uma retórica machista, talvez sem elas próprias se darem conta. Oferece exemplos concretos: afirmações de Sarah Palin ao dizer que o Presidente Obama “não tem tomates para lidar com a imigração ilegal” ou que “os jornalistas são impotentes e flácidos”, agindo cobardemente com ela; afirmações de Christine O’Donnel, candidata republicana ao Senado, que afirmou que o seu oponente masculino tinha uma atitude “que não era de homem”, aconselhando-o “a vestir as calças como um homenzinho”; e ainda de Sharron Angle, membro da Assembleia do Nevada reconhecida por andar de arma no carro e levantar pesos, que também aconselhou o seu rival político “a fazer-se um homem!” O artigo segue com mais exemplos explícitos que me escuso a traduzir não vá alguma criança apanhar este jornal…


Gibbs aponta algumas explicações para este fenómeno, “uma maneira de se expressar muito mais Lorena Bobbit do que Margaret Thatcher”. De onde eu depreendo que hoje em dia se faz política com recurso à faca e ao golpe dado enquanto o outro dorme do que apelando às velhas tácticas de guerra, já tão antigas quanto o famoso e sempre actual livro do estratega chinês Sun Tzu… Mas adiante.


Segundo Gibbs, talvez as mulheres na política necessitem de mostrar que são muito duronas, daí a sua masculinidade inconsciente. Ou seja, apesar de vestidas e maquilhadas como Barbies, têm uma conversa de carroceiro: não há pior combinação. A razão por detrás desta atitude é que os seus congéneres homens se tentam aproveitar da fragilidade das saias e dos batôns, portanto há que ripostar com palavrões e insultos, provando “we mean business”. Não surpreende, pois é sabido que a maior parte dos homens no poder acham que mulheres são quotas ou mercadoria. Porém, tal como Gibbs, não sei se a “mercadoria” está a agir da melhor forma na batalha para ser reconhecida.


Certo é que os homens também atacam as mulheres de maneira muito baixa, nomeadamente neste ramo. Hillary Clinton deve ter sido das senhoras que mais sofreu, desde ter o seu retrato em urinóis até posters com a frase “Passa a ferro a roupa dele, Hillary!”, insinuando que era essa a sua (única?) utilidade. Um comentador da Fox dizia que a Sra Clinton era uma figura tão castradora que quando ela falava ele cruzava sempre as pernas. Por seu lado, Palin teve uma boneca insuflável feita em sua honra… Portanto, ripostar na mesma moeda é o remédio?


Segundo as sondagens eleitorais, parece que não. Nem os homens machistas nem as mulheres masculinizadas parecem estar a ganhar terreno junto dos eleitores. Quem anda a marcar pontos é o homem cujo lado feminino está mais salientado. Explico melhor: os eleitores andam a inclinar-se para os homens que não apresentam atributos másculos, mas sim suavidade, doçura, uma tendência para a verbalização calma, para o serviço compassivo, para a preocupação com a sua família e com o bem estar comunitário. A ideia do macho musculado que mostra indiferença e maus tratos já não convence ninguém, segundo Gibbs (e as sondagens). Se calhar, a resposta não é as pessoas masculinizarem-se, mas sim “efeminizarem-se”, à falta de melhor termo. Por enquanto, os homens só têm conseguido fazê-lo a nível da aparência, com a metrossexualidade a ganhar um estupendo terreno: é vê-los na manicure, no cabeleireiro, na esteticista, a pintarem cabelos, a fazerem depilação e unhas. Mas a nível de comportamentos, estamos muito longe de uma realidade consequente. Isto a julgar por  comentários como aqueles que sinto enquanto mãe de um rapazinho que, aos dois anos, já ouve por parte de alguns conversas deste tipo “Um rapaz não chora, isso é coisa de menina!”, que me parece ser um discurso bem mais castrador do que qualquer conversa da Sra Clinton. Enquanto um homem for proibido de chorar, uma mulher achará que tem de se armar em Rambo. E, como todos sabemos, o Rambo não era um tipo lá muito inteligente…

Monday, November 15, 2010

121 Poemas Escolhidos - Emanuel Félix



Difícil é condensar a poesia e a vida do terceirense Emanuel Félix (1936-2004) em poucas palavras.Para os que gostam da compartimentação em escolas, dizia-se dele que foi o introdutor do concretismo poético em Portugal, etiqueta que o próprio rejeitava. Emanuel Félix era especialista em restauro de obras de arte, o que o fez viver em vários países ao longo da vida. Essa pluralidade de actividades artísticas e de lugares não o impediu de escrever sempre nem de regressar à Terceira, onde criou o Centro de Estudo, Conservação e Restauro de Obras de Arte dos Açores. Para quem dá importância a títulos, fica a nota que também fazia parte do Conselho de Cooperação Cultural do Conselho da Europa, destinado ao estudo das políticas culturais para o desenvolvimento das regiões europeias. Nada disto diz da sua vasta obra literária, sobretudo poética, traduzida já em várias línguas e analisada por estudiosos além-mar. Desde os poemas quase pictóricos - uns valendo-lhe o epíteto de concretista, outros mais surreais -  ao seu fascínio pelo bestiário, selvagem e caseiro, sobretudo o amor pelos gatos; desde o ludus que apontava para outras culturas (vejam-se os poemas orientais) ao ludus intertextual com outros poetas (como o jogo nemesiano de “Five o’clock Tear”); da intimidade epistolar dos poemas bilhetes para a mulher ou do poema carta para a filha à lembrança da primeira infância com “As Raparigas  Lá de Casa”; das considerações sobre a morte, e.g. “Os Mortos e as Sementes” às que exploram a condição açoriana – “Poema sobre os Náufragos Tranquilos”. Na impossibilidade de ler todos os volumes, estes Poemas Escolhidos são um bom ponto de partida se é que ainda há quem ignore que Emanuel Félix está entre os nossos maiores poetas. 


Friday, November 12, 2010

Mitos urbanos modernos sobre nossos irmãos



Há poucas semanas, fui convidada a fazer uma palestra sobre Nemésio no Rio de Janeiro. Como nunca lá tinha ido, logo várias pessoas bem intencionadas me deram imensos conselhos sobre os perigos que eu, mulher só e jovem, iria enfrentar numa cidade tão perigosa – de rapto, violação a morte lenta, profetizaram-me de tudo, e, apesar de eu dizer que já tinha vivido sozinha em cidades grandes e de má reputação, replicaram-me sempre: “Nenhuma tão má quanto o Rio”. Dada a minha completa ignorância, calei-me (opção inteligente quando se é ignorante!).


Uma das coisas mais divertidas que me aconteceram no Rio foi o desfazer de vários mitos modernos – coisa que me acontece com frequência, dando cabo dos pré-conceitos que me foram incutidos, neste caso em relação aos brasileiros, seu temperamento e modo de vida. Faço aqui um parêntesis para que não me julguem uma tontinha que, por ter estado uns dias numa cidade, já julga todo um povo de um enorme país (cujas diferenças culturais internas são abissais) a partir do que viu e de conversas e experiências que teve. Naturalmente que estou a juntar isto com outros momentos e pessoas que conheci ao longo da vida. Além disso, espero que leiam o que se segue com a bonomia de quem lê uma opinião pessoal, tão só, que não pretende ser mais do que isso.


Primeiro, o mito moderno português em relação à brasileira. Isto toca-me particularmente, pois a ama do meu filho é brasileira (paulista, imigrante aqui) e tem mais sucesso em ensiná-lo a falar do que nós, pais, porque passa muito tempo com ele e porque a sua melodia fonética é – embora me custe – mais fácil e apelativa do que as nossas para um bebé que está a aprender sons. Ora, todos sabemos que uma grande percentagem de homens portugueses vai passar férias ao Brasil em busca da sensualidade das brasileiras, com a ideia cinematográfica de que a mulher brasileira é uma morena (e há quem diga que preferem as loiras!) insaciável e contorcionista, sempre rodando a anca ao som de uma música bem disposta cujo único intuito é provocador. Por isso, não faltou quem me perguntasse se eu não tinha medo de ter “brasileiras em casa”, como se esta nacionalidade, de repente e por si só, incendiasse uma espécie de descontrole nas hormonas masculinas e, consequentemente, no lar. De onde vem esta ideia, que ataca mulheres ciumentas e homens em polvorosa? Das novelas. De facto, a novela brasileira (em Portugal, desde os anos 70), apresenta, grosso modo, uma brasileira interesseira e extraordinariamente sensual. Mas não há nada que minta mais sobre o Brasil do que as novelas - e este é o segundo mito, de onde se decalcaram as novelas portuguesas - , onde toda a gente vive em frente à praia, coberto de jóias, com criadas que usam uniforme (meu Deus, quem tem isso?); ou, por oposição, vivem no sertão, tocando viola todo o dia e trocando olhares langorosos. Não quero com isto tirar à mulher brasileira a sua capacidade natural de seduzir… como a têm as mulheres de outros lugares. Na minha opinião, a brasileira apresenta até duas vantagens sobre as outras: primeiro, é uma mulher descomplexada e natural (a portuguesa, por ex., preocupa-se demais se está gorda ou magra, se é velha ou nova…); segundo, é alegre por natureza.


Terceiro, a ideia de que o brasileiro vive de esquemas e vigarices. Neste ponto da nossa História, eu diria: o português também. Claro que isto são generalizações. Mas a verdade é que nenhum dos dois povos se pode orgulhar actualmente de grande lisura e de falta de chico-espertice, à escala populacional de cada um (factor que conta… e muito).


Se temos diferenças? Óbvio, e isso dá mais cor e beleza ao mundo. O português vive muito no passado e nas hipóteses do futuro – aliás, está expresso na utilização dos seus inúmeros tempos verbais passados e hipotéticos. Tem saudades do que fez e do que poderia ter feito e nem existe. O brasileiro, ao contrário, vive sempre no presente. Não sabe o que será amanhã o seu destino, mas confia – contra todas as expectativas – que será bom. E, mesmo que não seja, ele tem o dia de hoje pelo qual está infinitamente grato. È esse amor ao momento, apesar dos pesares, que (me) encanta. Além disso, ainda hoje, como dizia Nemésio “vive em todo o português a pena de não ter descoberto o Brasil”. Talvez isso explique a secreta paixão que existe pelo outro lado do mar.


Ah! Já me esquecia: no Rio, não me aconteceu nenhuma daquelas profecias. Ou tive sorte ou os ladrões tinham telemóveis melhores que o meu…