... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, November 12, 2010

Mitos urbanos modernos sobre nossos irmãos



Há poucas semanas, fui convidada a fazer uma palestra sobre Nemésio no Rio de Janeiro. Como nunca lá tinha ido, logo várias pessoas bem intencionadas me deram imensos conselhos sobre os perigos que eu, mulher só e jovem, iria enfrentar numa cidade tão perigosa – de rapto, violação a morte lenta, profetizaram-me de tudo, e, apesar de eu dizer que já tinha vivido sozinha em cidades grandes e de má reputação, replicaram-me sempre: “Nenhuma tão má quanto o Rio”. Dada a minha completa ignorância, calei-me (opção inteligente quando se é ignorante!).


Uma das coisas mais divertidas que me aconteceram no Rio foi o desfazer de vários mitos modernos – coisa que me acontece com frequência, dando cabo dos pré-conceitos que me foram incutidos, neste caso em relação aos brasileiros, seu temperamento e modo de vida. Faço aqui um parêntesis para que não me julguem uma tontinha que, por ter estado uns dias numa cidade, já julga todo um povo de um enorme país (cujas diferenças culturais internas são abissais) a partir do que viu e de conversas e experiências que teve. Naturalmente que estou a juntar isto com outros momentos e pessoas que conheci ao longo da vida. Além disso, espero que leiam o que se segue com a bonomia de quem lê uma opinião pessoal, tão só, que não pretende ser mais do que isso.


Primeiro, o mito moderno português em relação à brasileira. Isto toca-me particularmente, pois a ama do meu filho é brasileira (paulista, imigrante aqui) e tem mais sucesso em ensiná-lo a falar do que nós, pais, porque passa muito tempo com ele e porque a sua melodia fonética é – embora me custe – mais fácil e apelativa do que as nossas para um bebé que está a aprender sons. Ora, todos sabemos que uma grande percentagem de homens portugueses vai passar férias ao Brasil em busca da sensualidade das brasileiras, com a ideia cinematográfica de que a mulher brasileira é uma morena (e há quem diga que preferem as loiras!) insaciável e contorcionista, sempre rodando a anca ao som de uma música bem disposta cujo único intuito é provocador. Por isso, não faltou quem me perguntasse se eu não tinha medo de ter “brasileiras em casa”, como se esta nacionalidade, de repente e por si só, incendiasse uma espécie de descontrole nas hormonas masculinas e, consequentemente, no lar. De onde vem esta ideia, que ataca mulheres ciumentas e homens em polvorosa? Das novelas. De facto, a novela brasileira (em Portugal, desde os anos 70), apresenta, grosso modo, uma brasileira interesseira e extraordinariamente sensual. Mas não há nada que minta mais sobre o Brasil do que as novelas - e este é o segundo mito, de onde se decalcaram as novelas portuguesas - , onde toda a gente vive em frente à praia, coberto de jóias, com criadas que usam uniforme (meu Deus, quem tem isso?); ou, por oposição, vivem no sertão, tocando viola todo o dia e trocando olhares langorosos. Não quero com isto tirar à mulher brasileira a sua capacidade natural de seduzir… como a têm as mulheres de outros lugares. Na minha opinião, a brasileira apresenta até duas vantagens sobre as outras: primeiro, é uma mulher descomplexada e natural (a portuguesa, por ex., preocupa-se demais se está gorda ou magra, se é velha ou nova…); segundo, é alegre por natureza.


Terceiro, a ideia de que o brasileiro vive de esquemas e vigarices. Neste ponto da nossa História, eu diria: o português também. Claro que isto são generalizações. Mas a verdade é que nenhum dos dois povos se pode orgulhar actualmente de grande lisura e de falta de chico-espertice, à escala populacional de cada um (factor que conta… e muito).


Se temos diferenças? Óbvio, e isso dá mais cor e beleza ao mundo. O português vive muito no passado e nas hipóteses do futuro – aliás, está expresso na utilização dos seus inúmeros tempos verbais passados e hipotéticos. Tem saudades do que fez e do que poderia ter feito e nem existe. O brasileiro, ao contrário, vive sempre no presente. Não sabe o que será amanhã o seu destino, mas confia – contra todas as expectativas – que será bom. E, mesmo que não seja, ele tem o dia de hoje pelo qual está infinitamente grato. È esse amor ao momento, apesar dos pesares, que (me) encanta. Além disso, ainda hoje, como dizia Nemésio “vive em todo o português a pena de não ter descoberto o Brasil”. Talvez isso explique a secreta paixão que existe pelo outro lado do mar.


Ah! Já me esquecia: no Rio, não me aconteceu nenhuma daquelas profecias. Ou tive sorte ou os ladrões tinham telemóveis melhores que o meu…