Eu nunca gostei de “dias de”, essa obrigação de calendário que nos manda ser à força qualquer coisa numa determinada data, imposta pela razão ditatorial de alguém e pela razão tribal de que todos os outros seguidores de calendário também o são. E nós, ovelhinhas bem treinadas, não questionamos e vamos sendo amantes a 14 de Fevereiro, amigos dos animais a 4 de Outubro e das criancinhas a 1 de Junho, linguistas a 21 de Fevereiro, ambientalistas a 5 de Junho e melómanos a 1 de Outubro, católicos no Natal e talvez na Páscoa e bêbedos na Passagem de Ano (os exemplos são puramente aleatórios e não pretendem ofender).
Por esta razão, sempre me desgostou essa efeméride do Dia Internacional da Mulher. Já a minha avó dizia, rindo, que a mulher tinha um dia porque do homem eram todos os restantes! Neste sarcasmo existe algum fundo de verdade, pois todos os “dias de” humanitários são dedicados a franjas minoritárias da população, seja por razões étnicas, físicas, etárias, de género ou outras. Ou seja, quem está no topo da cadeia social, governa, dispõe e controla, logo não precisa de ter um “dia de”. No topo da sua magnanimidade, estabelece e oferece “dias de” aos que estão mais abaixo na escala, criando por exemplo “O dia Internacional do Idoso”, “O dia Internacional dos Migrantes”, “O dia Internacional da Pessoa com Deficiência”, “O dia Internacional da Mulher”, etc (se algum dos que me lê conhecer o dia do Adulto, o dia do Cidadão Nacional, o dia do Não-Deficiente, e por aí fora, um só dia que seja que celebre uma não-minoria, mande-me um e-mail, sff).
De todas estas celebrações, notem por favor uma aberração chamada “O Dia Internacional da Criança Negra” – celebra-se a 16 de Junho e é a prova que os governantes deste mundo consideram que a criança negra não é bem igual às outras crianças cuja pigmentação dérmica de melanina e caroteno as fez nascer, por acaso genético, doutra cor. Os negros que crescem e chegam à idade adulta, desiludam-se porque deixam de ter um dia que lhes seja dedicado. Não é que deixem de ser considerados diferentes - como vocês bem sabem, porque em parte alguma deste mundo se diz “A cantora branca, Madonna” mas toda a gente diz “A cantora negra, Carla Cook” (não sou eu, mas gostava de ser porque ela canta bem, embora não seja uma Ella Fitzgerald) -; o que acontece é que os nossos manda-chuvas mundiais deixam de assumir uma hipócrita atitude protectora e paternalista e passam a assumir uma atitude de desprezo velado.
Sim, claro, hoje somos todos muito informados e conscientes de que é o medo e talvez alguma culpa que gera estas atitudes em relação às minorias. Mas nem por causa da consciencialização, a atitude desapareceu.
Vamos lá, então, ao Dia Internacional da Mulher, que inicialmente se chamava Dia das Mulheres Trabalhadoras. A ideia parece ter nascido com bons propósitos (daqueles dos quais está o Inferno cheio), para celebrar o papel das mulheres enquanto operárias fabris e não apenas donas de casa. De facto, nas culturas que tiveram ditaduras de esquerda, como a Rússia, ou nas que ainda têm, como a China, este dia é elevado a feriado, porque foram estes países que pensaram o Dia da Mulher, sobretudo a URSS após a Revolução de 1917. A queda da ditadura levou a que o Dia da Mulher fosse mal visto durante breve tempo – afinal, era um “símbolo do regime” – mas actualmente as espertas mulheres voltaram a reclamar o direito de não trabalhar e de receber presentes, sendo que, nesses países, é costume os homens presentearem as mulheres da sua vida neste dia especial.
Por cá, é mais um “dia de”. Ultimamente, começou-se a instaurar o hábito de dar uma flor às mulheres (na rua) – no dia seguinte, já é permitido partir-lhes o vaso na cabeça (em casa) no meio de uma discussão porque do homem são todos os dias. Mas agora, temos uma diferençazinha a nível internacional: as Nações Unidas instauraram, desde 1999, o Dia Internacional do Homem que se celebra a 19 de Novembro. É que a ONU achou por bem “equilibrar os géneros”, promover a não-discriminação, a igualdade e as boas práticas. Só por acaso, a ONU decidiu instaurar a primeira celebração deste dia em Trinidad e Tobago. Em alguns países, incluindo Portugal, ainda não se celebra o Dia Internacional do Homem. É que, por cá, ainda não estamos tão avançados como Trinidad e Tobago no que à igualdade de género diz respeito… Mas lá chegará “o dia”!
Até lá, mulher, se queres triunfar, segue o conselho do célebre francês Serge Gainsbourg que assim cantava em plena década de 60, uma década em que supostamente se celebrava a liberdade a todos os níveis: “sois belle et tais-toi…”