Ir ao pediatra com as nossas crianças é uma experiência fascinante que começa, desde logo, na sala de espera. A aglomeração de mães e seus rebentos provoca um ambiente curioso: as progenitoras como soldados conscientes do seu dever não raro esperam horas infindas, durante as quais as crianças – felizmente ainda libertas de restrições sociais – se portam como… crianças apenas, mau grado os diagnósticos modernos de “hiperactividade” e “défice de atenção” que se vendem como banha da cobra e cujas panaceias transformam os meninos em seres amorfos e com um raciocínio de hamster. Homens nestas salas de espera são escassos, excepto se têm filhos bebés. Quando os bebés crescem, a esmagadora maioria dos pais desiste de aparecer, alegando razões de trabalho; a verdade é que os berros das crianças e as perguntas quase insultuosas de algum do nosso staff de saúde como “dá banho ao seu bebé todos os dias, não dá?” lhes mexe demasiado com os frágeis nervos, mais habituados ao convívio sócio-laboral de falso elogio constante.
Na sala de espera, as mães - sabe-se lá se por um mecanismo de compensação - não hesitam em exibir os filhotes umas às outras. Se são pequeninos, certo é que a sua coordenação motora e capacidade cognitiva vai muito para além do que seria de esperar na sua idade; se são mais velhos, denotam uma intelectualidade superior, uma veia artística inconfundível, uma habilidade desportiva de destaque, e sobre alguns cai a suspeita sussurrada de sobredotados.
Por consequência, do mesmo modo que nas restantes salas de espera do Hospital, estão velhotas a comparar as suas doenças e lutando afincadamente para provar à sua vizinha de cadeira que estão mais doentes e carentes de cuidados do que esta, na sala de espera da Pediatria estão mães em competição, demonstrando à mãe do lado que o seu filho, apesar de só ter seis anos, já tem aulas de natação, vela, anda no conservatório e nos escuteiros e aprende francês depois das aulas onde tem tido excelentes notas: “e o teu, que faz?” Quando ouço o relato destes dias infantis, recordo sempre um miúdo que dizia à mãe “mas hoje ainda não brinquei!” quando esta o avisava que eram horas de ir dormir…
Recentemente, Amy Chua, professora de Direito americana de origem chinesa, lançou um polémico livro sobre a severa educação que impôs às suas filhas. Chua defende que a civilização ocidental é permissiva e laxista, pelo que os seus rebentos não podem nunca ser excelentes; por oposição, ela optou por uma disciplina rígida destinada a produzir prodígios (note-se que a produção implica que eles não terão nascido com as características necessárias ao chispe de génio que, desde cedo e fatalmente, distingue qualquer sobredotado e o isola para sempre). Chua relata episódios que parecem chocantes para a cultura europeia, como pôr as filhas de 4 anos ao frio da neve porque não tiveram boas notas; obrigá-las a praticar piano até deixarem as marcas dos dentes nas teclas de tanta raiva que sentiam; rejeitar os cartões que lhe fizeram para o aniversário “porque não eram suficientemente bons” ou ameaçar queimar todos os seus peluches se não tocassem como deviam. Mas, segundo ela, foi isso que produziu uma campeã olímpica (com Síndrome de Down) e duas talentosas alunas e dotadas intérpretes musicais. No entanto, Chua admite, também, que – para além das diferenças culturais educativas que são sempre importantes – as filhas não reagiram bem emocionalmente, acabando por lhe responder por monossílabos, por partir loiça de restaurante em público em zangas familiares e por afirmarem um ódio passivo-agressivo. Em suma, são tão afectivamente voláteis, carentes e tendencialmente ávidas de um perfeccionismo impossível de preencher como a mamã.
Claro que é impossível saber qual o melhor modo de educar um filho, porque não há ensaios e os livros de instruções alheios não servem. Mas não será que, na ânsia de criar modelos à sua própria imagem (ou melhor, à imagem do que gostariam de ter sido), os pais se esquecem da individualidade que cada ser humano tem?
Nem todos em Da Vinci nascem para ser Leonardos. Além disso, quando acaso nasce um Leonardo, ele não necessita de tanto empenho por parte dos outros para ser ele próprio. Irremediavelmente, para o bem e para o mal, tem a matéria-prima que brilha e que lhe vai trazer um mundo mais vasto, mais rápido, olhos mais abertos… e, por consequência, muita solidão e incompreensão porque Leonardos não estão aí aos molhos – são como extraterrestres num mundo mais habituado a premiar gente da sua terra.