Não se assustem. Contrariamente a muitos (são muitos os cargos na nossa aldeia), não tenho poder para invocar o assunto. Mas, como cidadã, também eu posso falar de política. É muito raro, porque nisto e no futebol, somos todos especialistas… Aqueles que, como eu, não jogam mas se atrevem a emitir uma opinião sobre o jogo são imediatamente fulminados pela claque e não é inusitado que se peça ao árbitro que dê um jeitinho para nos passar cartão vermelho (apesar de estarmos na bancada).
Apesar do risco, gostava de deixar alguns tópicos de reflexão. Primeiro, porque é que as campanhas políticas insistem sistematicamente no colectivismo, no “todos como um só”? As sociedades estão longe de ser homogéneas. Porque teremos de fingir que somos todos iguais? Uma coisa é agirmos solidariamente, outra coisa é sermos fundidos num mesmo pensamento (o que já me cheira à formação de soldadinhos). A política tende à submissão, ainda que encapotada, e o que é pior, “para nosso bem” - como se nós, deficientes mentais, não soubéssemos o que nos faz bem!
Segundo, porque é os membros de um grupo, sendo vários, obedecem a um só, ainda que muitas vezes o detestem subliminarmente? Nietzsche disse que as sociedades são um conjunto de promessas que os membros do grupo fazem uns aos outros, pelo que se pressupõe ter de haver uma autoridade que garanta o cumprimento destas. A autoridade, primus inter pares, tem sempre um certo halo de temor sagrado e venerável. O seu poder sobre-humano é-lhe dado pelos restantes e não raro se converte num tabu, eventualmente perigoso a longo prazo, até para o próprio. De facto, um líder tem sempre de lutar contra a sua própria sede de capricho absolutista e, ao mesmo tempo, manter uma aura. É por ser tão difícil que líderes existem poucos; mas governantes temos às centenas.
Terceiro, a democracia foi uma grande invenção e não conheço sistema melhor. Mas, dado que é a vitória da maioria, contém um paradoxo terrível: todos nós conhecemos mais pessoas ignorantes do que pessoas inteligentes e mais maldade do que bondade no mundo… Logo, é de prever que as soluções melhores não serão as escolhidas. Como exemplo, vejam as consultas públicas sobre qualquer assunto: toda a gente se atropela e verifica-se que os conhecimentos da maioria dos intervenientes são muito débeis.
Quarto, gostava de viver numa sociedade em que o Estado e o indivíduo não estivessem em guerra. Actualmente, são dois irmãos que se culpam do seu mal-estar. O Estado foi organizacionalmente criado para o indivíduo, decorre dele, e o indivíduo detém valores – isto anda esquecido. Hoje o Estado está convencido que ordena e institui valores ao indivíduo e este, por seu lado, demite-se, diz que o Estado “tem direito” e chora. O direito é uma convenção humana, não nasceu dos genes. Os Direitos Humanos, necessariamente genéricos e universais, carecem de adaptações e estas jamais existirão por parte daqueles que estão melhor instalados (ou alguém já ouviu falar de donos de escravos abolicionistas?).
Quinto, os partidos deveriam ser um meio de participação política… mas são um fim em si mesmos. A política, per se, trabalha em prol do desenvolvimento da sociedade; os políticos trabalham em prol da sua promoção esquecendo que o maior interesse humano é gregário.
Sexto, preocupa-me a enorme limitação de liberdades por parte das instituições. Será por medo? E que deduções tirar de um Estado com medo que nos limita “para nosso bem”? Os maiores inimigos da liberdade têm sido os grandes carniceiros da História. Não é pelo risco de haver quem se atire do nono andar que temos de ser todos obrigados a viver no rés-do-chão…
Sétimo, a política já não é a organização da vida dos cidadãos. Tornou-se, para uns, opressiva; para outros, um projecto de marketing. É esta a suprema ambição de um governante?
Assim, arriscamo-nos a que os abstencionistas ganhem as eleições. Arriscamo-nos àquela frase humorística do escritor açoriano Álamo de Oliveira: “Se os abstencionistas ganharem as eleições, eles que formem governo!” É a piada mais séria que já ouvi.