Recentemente, assisti a um documentário sobre “criatividade”. Esta característica, a que não é exagero apelidar de motor da evolução, está na base de toda a criação, seja ela artística ou científica – pois mesmo um matemático terá de ter tido curiosidade para procurar a determinação das regras x e y. Não existem dúvidas, pois, de que é a criatividade que permite o avançar do Homem.
Porém, ser criativo implica romper com o estabelecido. O conformismo, oposto da criatividade por natureza própria e, logo, motor da estagnação, é uma força igualmente poderosa. Não é totalmente maléfico visto que sem determinadas normas de encaixe, haveria um colapso estrutural e social muito perturbador. Por isso, temos governos, finanças, transportes, direito penal. O problema é quando as instituições se tornam absolutas e, ao invés de servir o Homem, ditam a vida do mesmo – afogando o seu próprio criador. Mal comparado, é como um vício: a princípio, é bom porque temos controlo sobre o mesmo; mas quando é o “prazer” que controla quem dele usufrui, onde está o ganho?
Somos bombardeados com a ideia de que devemos motivar a imaginação dos nossos filhos e de que devemos ter mais iniciativa e empreendedorismo nas nossas profissões, mas a verdade é que qualquer tentativa de um estudante para expressar a sua opinião ou de um professor para ser mais criativo na exposição da matéria (ou mesmo de incluir outro tema para pôr os alunos a discutir e pensar) é olhada de lado e vista como “esquisita, desregrada, invulgar”. O coro geral é de que “se deve pôr cobro a isso.”
Porque terá a sociedade tanto medo do que, ao mesmo tempo, apregoa como mais desejável? Palpita-me que esta pergunta nos leva direitinhos ao âmago do problema do conhecimento e da maçã roubada do Jardim do Éden. Lamentavelmente, não temos tempo nem espaço para explorar esse receio profundo que sempre faz com que as mentes mais inovadoras e brilhantes sejam castradas no seu tempo de vida para serem louvadas alguns séculos depois.
Mas gostava de deixar aqui alguns pontinhos sobre a necessidade de conformismo que assola o Homem enquanto ser grupal e apaga no indivíduo (às vezes por decreto) a chama evolutiva. Para além das normas socio-culturais a que involuntariamente obedecemos em larga escala mesmo quando afastados da nossa sociedade, existem diversos factores que estão ligados ao conformismo, entre eles a nossa “natural” obediência a figuras de autoridade, necessidade de segurança estrutural, tendência para fazer parte de um grupo, necessidade de aprovação e de reciprocidade. Tudo muito humano, básico e compreensível. Talvez por isso seja mais difícil entender os indivíduos “dissidentes” – a expressão de opiniões próprias traz desconforto à organização social porque, afinal, aí está alguém que luta por si próprio. E o que seria de toda a estrutura se, subitamente, se percebesse que todos os homens têm a capacidade inata de se valerem por si? Consequentemente, ninguém balança o barco. E aquele que se levantar, recebe logo um empurrãozinho acidental: ou entra na forma ou cai ao mar.
Se sabemos que “Existem muitas maravilhas, mas a maior de todas elas é o Homem” desde Sófocles, é porque, precisamente, já os Antigos Gregos reconheciam que a capacidade de criar é o milagre maior de toda a Terra. E não é verdade que estamos muito precisados de mudanças, e talvez mesmo de milagres?