Quantas vezes já ouviram dizer:
“Sobre isso não me pronuncio porque tenho amigos dos dois lados da barricada…”
ou “Não tenho opinião porque vejo vantagens e desvantagens nas posições de
ambos” ? Muitas. De facto, cada vez está mais na moda ser neutro.
As pessoas neutras não gostam que
lhes chamem neutras, isso não, porque a própria palavra é insonsa, incolor e
atípica. Preferem ser denominadas diplomáticas, palavra sonora e de conotação
sensata, racional, equilibrada, com um certo travo refinado e elegante. Porém,
essa tentativa esconde em si mesma um desconhecimento da diplomacia. A
diplomacia não é só representação; implica negociação e, dentro desta, um papel
necessariamente duplo (como, aliás, a palavra “diplomacia” indica).
Mas um papel duplo está longe de
ser neutro… Aliás, a duplicidade é uma faculdade que implica certa
desonestidade à mistura – feita de modo tão requintado, no caso dos diplomatas,
que parece ser mais desejável do que a honestidade pura e crua. Henry Wotton,
um diplomata inglês do século XVII, deu uma definição célebre da diplomacia
aquando de uma missão sua: “Um embaixador é um homem honesto que é enviado para
o estrangeiro para mentir para o bem do seu país.” Logo, a neutralidade tem
pouco a ver com esta postura tão delicada quanto perigosa. A diplomacia é a
postura assumida pelo negociador astuto, cujos interesses em jogo ninguém
ignora. É tão complexo ser um verdadeiro diplomata que a espécie entrou em
extinção, sendo correntemente substituída pela hipocrisia simpática, que faz
imenso furor mas não traz nenhuma consequência positiva porque, ao contrário da
diplomacia, não resolve nenhuma questão.
A neutralidade é uma postura
essencialmente egoísta. Por excelência, é o lugar que alguns ocupam quando
deflagram conflitos entre dois outros partidos. Deste modo, asseguram que
nenhum desses partidos os atacam, na eventualidade do conflito se agravar. É um
direito, sem dúvida, mas não revela grande coluna vertebral porque se depreende
um receio expresso em afirmar as suas convicções (independentemente das razões
que estejam na base do medo).
Enquanto direito bélico, a
neutralidade é um conceito com regras muito específicas. Quem escolhe ser
neutro, não pode fazer concessões nem tão pouco passar informações a nenhum dos
oponentes em causa. É por isso que hoje se questiona tanto a alegada
neutralidade da Irlanda na Segunda Grande Guerra, sendo certo que passou
preciosas informações aos Aliados, e da Suiça, que não deixou de conceder certos
benefícios aos nazis.
Pessoalmente, o que mais me
surpreende num indivíduo que se diz neutro é a facilidade e rapidez com que
assume sempre a opinião do vencedor de uma contenda quando ela termina. Segundo
os neutros, nunca tiveram outra facção e apenas por pudor é que antes não se
revelaram.
Mas a convicção não tem pudores
nem é independente de valores. Não se veste e despe consoante a estação. A
convicção não é camaleónica. Uma “convicção” que age assim é um
vira-casaquismo, dando origem a um vulgar “tacho”. E consta que foi o “tacho”
que afundou o país.