... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 26, 2012

Neutros



Quantas vezes já ouviram dizer: “Sobre isso não me pronuncio porque tenho amigos dos dois lados da barricada…” ou “Não tenho opinião porque vejo vantagens e desvantagens nas posições de ambos” ? Muitas. De facto, cada vez está mais na moda ser neutro.

As pessoas neutras não gostam que lhes chamem neutras, isso não, porque a própria palavra é insonsa, incolor e atípica. Preferem ser denominadas diplomáticas, palavra sonora e de conotação sensata, racional, equilibrada, com um certo travo refinado e elegante. Porém, essa tentativa esconde em si mesma um desconhecimento da diplomacia. A diplomacia não é só representação; implica negociação e, dentro desta, um papel necessariamente duplo (como, aliás, a palavra “diplomacia” indica).

Mas um papel duplo está longe de ser neutro… Aliás, a duplicidade é uma faculdade que implica certa desonestidade à mistura – feita de modo tão requintado, no caso dos diplomatas, que parece ser mais desejável do que a honestidade pura e crua. Henry Wotton, um diplomata inglês do século XVII, deu uma definição célebre da diplomacia aquando de uma missão sua: “Um embaixador é um homem honesto que é enviado para o estrangeiro para mentir para o bem do seu país.” Logo, a neutralidade tem pouco a ver com esta postura tão delicada quanto perigosa. A diplomacia é a postura assumida pelo negociador astuto, cujos interesses em jogo ninguém ignora. É tão complexo ser um verdadeiro diplomata que a espécie entrou em extinção, sendo correntemente substituída pela hipocrisia simpática, que faz imenso furor mas não traz nenhuma consequência positiva porque, ao contrário da diplomacia, não resolve nenhuma questão.

A neutralidade é uma postura essencialmente egoísta. Por excelência, é o lugar que alguns ocupam quando deflagram conflitos entre dois outros partidos. Deste modo, asseguram que nenhum desses partidos os atacam, na eventualidade do conflito se agravar. É um direito, sem dúvida, mas não revela grande coluna vertebral porque se depreende um receio expresso em afirmar as suas convicções (independentemente das razões que estejam na base do medo).

Enquanto direito bélico, a neutralidade é um conceito com regras muito específicas. Quem escolhe ser neutro, não pode fazer concessões nem tão pouco passar informações a nenhum dos oponentes em causa. É por isso que hoje se questiona tanto a alegada neutralidade da Irlanda na Segunda Grande Guerra, sendo certo que passou preciosas informações aos Aliados, e da Suiça, que não deixou de conceder certos benefícios aos nazis.

Pessoalmente, o que mais me surpreende num indivíduo que se diz neutro é a facilidade e rapidez com que assume sempre a opinião do vencedor de uma contenda quando ela termina. Segundo os neutros, nunca tiveram outra facção e apenas por pudor é que antes não se revelaram.

Mas a convicção não tem pudores nem é independente de valores. Não se veste e despe consoante a estação. A convicção não é camaleónica. Uma “convicção” que age assim é um vira-casaquismo, dando origem a um vulgar “tacho”. E consta que foi o “tacho” que afundou o país.

Friday, October 12, 2012

Reflexão


Enquanto preceptor do adolescente que viria a ser Alexandre, o Grande, Aristóteles escreveu um conjunto de oito livros a que chamou “Política”. Aristóteles acreditava na política enquanto ciência cujo objectivo mais não era que contribuir para a felicidade humana. Assim, podia dividir-se a política em duas vertentes essenciais: a ética, que tratava da felicidade individual do cidadão, e a política efectiva, que tratava da felicidade colectiva da cidade (importa recordar que os gregos se organizavam em cidades-estado). Como se deduz, nesta visão filosófica, a política é indissociável dos costumes, e é apenas através da política que se pode conquistar o bem-estar.

Na sua “Política”, Aristóteles dissertou acerca da estratificação da sociedade grega da época – naturalmente diferente daquilo que hoje em dia a nossa sociedade apresenta, e mesmo eventualmente chocante aos olhos actuais no que ao papel da mulher diz respeito bem como à existência de escravos, embora neste ponto seja interessante notar a afirmação aristotélica de que escravos são, na verdade, todos os homens sem ideal próprio cuja finalidade é servir o ideal de outro homem, ou seja, há homens que são escravos pela sua própria natureza…

Porém, as grandes reflexões de Aristóteles acabam por recair na natureza constitucional, nomeadamente nas formas de governo que melhor serviriam o propósito do homem, propósito esse que é o “bem viver em conjunto”. “Viver em conjunto” sem que se viva “bem” de nada serve na concepção aristotélica.

Ora, se já na Macedónia Antiga se considerava que o Homem era um animal cívico, sendo essencial que se revisse no Estado que melhor o representasse, parece-me que é essencial que votemos hoje em dia. Sobretudo, porque é hoje muito claro que o Estado não se constitui na nobre base de claridade que Aristóteles previa, que não estamos piramidalmente organizados sendo governados por aqueles que são claramente os melhores de entre nós, que as acções tomadas não se dividem em “necessárias, úteis e honestas” nem os legisladores são os mais sábios e sensatos. Se a política não chegou a concretizar-se - e cada vez menos se concretiza - como a arte de bem viver em conjunto contribuindo para a felicidade do ser humano enquanto animal gregário, então é nosso dever dar-lhe a volta. E, para tal, temos no voto (mesmo no voto branco) um instrumento pacífico mas revelador do futuro que desejamos para nós e para os nossos filhos.

Por falar em futuro, a grande preocupação aristotélica dentro de um Estado de bem é a educação. Aristóteles não era apenas um preceptor de excelência, o que já seria dizer muito; foi a grande influência da vida de Alexandre, cuja personalidade – embora longe de ser unanimemente aclamada – criou um Império que uniu o Oriente ao Ocidente. Se é verdade que nos parece hoje criticável a eugenia patente nas ideias de Aristóteles e o seu excessivo pendor para a importância de pormenores físicos (talvez usuais em quem era filho de médico como ele era), a verdade é que é de louvar o modo como a formação deve, quanto a ele, ser soberana.  

Os governantes devem ser os mais admiráveis e, por conseguinte, os mais admirados; os mais justos; os mais honestos; os mais preocupados com o bem comum; os melhores de entre os cidadãos.  … E hoje em dia? Tenha uma palavra a dizer.