... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, September 27, 2013

Mudança, ma non troppo


Em Portugal, são raras as situações que façam renovar a confiança no sistema. A generalidade das pessoas encara isto como uma fatalidade, faz parte do fatum que assim seja – “que se há-de fazer, têm o poder na mão, quem está de fora é que fica mal.”. Quem está de fora é, afinal, a esmagadora maioria, já que Portugal não é um país de gente interventiva. Se os políticos raramente são políticos por ideologia, sendo de determinado partido como quem é do Benfica, por tradição ou rebeldia familiar ou, bem pior, para ter acesso a privilégios, a população, por sua vez, é apática ou envolve-se em manifestações cujo ruído é maior do que o sentido e que têm provado não conduzir a muito mais do que fotografias para colocar no Facebook.

Se alguém se dedicar a estudar hoje o Modo de Ser Português terá motivo para umas boas gargalhadas. Que outra nação teria perdido meses e meses a decidir se o ex-autarca (agora encerrado num estabelecimento prisional) Isaltino Morais podia ser cabeça de lista nestas eleições? Enquanto se pensava, fez-se a campanha com Isaltino em cartaz e discutiu-se como seria quando Isaltino re-assumisse a Presidência da Câmara, mas desta vez estando preso… Repare-se como estas realidades, que noutros locais seriam quase esquizofrénicas, encantam o povo português e, longe de o escandalizar, nem sequer o surpreendem! A possibilidade de eleger um preso foi encarada com naturalidade. Fiel a si mesmo, o povo não demorou para colocar Isaltino à frente nas sondagens.

Há um lado profundamente masoquista no português típico - um aspeto que ainda hoje foge à minha compreensão, mas que existe. Roubam-no, maltratam-no, mas ele dá a outra face e ainda desculpa o criminoso com um “coitado, tem cara de bom homem…” Que outro povo tem um provérbio ao bom estilo de “Quanto mais me bates mais gosto de ti?” Só o português… Ora, uma sociedade onde impera um fundo de masoquismo será bem governada por sádicos, criando-se, assim, uma relação simbiótica muito pouco saudável mas essencial. Por uma certa preguiça, o português, lato sensu, nem sabe bem o que faria se lhe fosse dada uma real oportunidade de mudar as coisas. Mudar?! Mas que sabemos nós do desconhecido?! Outro provérbio que só em Portugal se ouve é “antes diabo conhecido do que bem desconhecido”, o que sempre me fez pensar que qualquer espírito aventureiro morreu nas Descobertas.

Seria impensável o caso que se deu em Inglaterra com Chris Huhne, Ministro da Energia. Em 2003, era ainda deputado, teve uma multa por alta velocidade, assumida pela sua mulher. Anos depois, já Huhne era Ministro, a senhora lembrou-se de contar toda a verdade. Acontece que em Inglaterra é crime mentir à Justiça (em Portugal nem sequer levantam a sobrancelha, tal é o hábito), de modo que Huhne se demitiu, o casal foi condenado a 8 meses de cadeia e a uma multa de 120 mil libras cada um. Em Portugal pensava-se logo numa conspiração contra o Governo e contra o bom nome de Huhne -  coitadinho, só estava a andar depressa…  Mas  o Primeiro Ministro inglês só comentou sobre o caso que “era bom que todos soubessem que, por mais poderoso, ninguém foge ao braço da lei”. Até parece que David Cameron não conhece aqui o retângulo…

Custa-me entender os meus compatriotas. Mas, com estes espíritos acríticos, não me custa entender o Ministro Crato quando disse, sexta-feira, que o Inglês deixa de ser obrigatório no primeiro ciclo, mas afirmou na terça seguinte, que é absolutamente obrigatório. É que o Senhor Ministro parte da ideia correta de que o português engole tudo – quiçá até nos possa convencer que temos um prolema auditivo e “não o ouvimos bem”. Ainda bem que conservamos intactas as capacidades gráficas que nos permitem fazer um X nos boletins de voto, já que de mais, pelos vistos, não precisamos, para que continue tudo em paz e sossego.

Friday, September 13, 2013

Brincar às Casinhas


Ultimamente, voltaram à baila as notícias sobre meninas forçadas a casar na infância em alguns países islâmicos, nomeadamente o Iémen. Não é que a situação alguma vez tivesse parado de acontecer e agora ressurgisse em pleno… Simplesmente, isto das notícias também tem as suas modas e o que hoje faz parangonas amanhã deixa de ter interesse porque a sociedade per si é um bicho sedento de novidade, não propriamente de justiça.

O escândalo recente da noivinha de 8 anos, cuja noite de núpcias com o marido de 40 conduziram à sua morte em consequência de lesões sexuais, não tem nada de novo. As próprias Nações Unidas dizem que um quarto das meninas do Iémen casam na infância e é sabido que muitas morrem em consequência desses casamentos; outras, com mais sorte, lá vão (sobre)vivendo … já sem infância, naturalmente. Se perguntamos às Nações Unidas o que é feito do respeito à Carta Internacional dos Direitos da Criança, a resposta é que nem todos os países têm a mesma noção do que é uma criança. Embora esta resposta possa ser aceitável – ou, pelo menos, discutível - para jovens de 15 anos, não me parece possível que algum país detenha o conceito de que aos 8 anos já se é adulto! A problemática parece antes assentar numa tentativa de justificação do injustificável – fossem as meninas do Iémen poços de petróleo e o problema já estaria resolvido há muito…

Aqueles que chamam a atenção para o problema (e há mesmo estudos feitos no terreno pela Human Rights Watch) dizem que a maior parte das meninas casam com familiares, o que, longe de constituir agravante, parece tornar o caso mais aceitável aos olhos do poder instituído. Para além disso, as próprias meninas são educadas na ideia de que casar é o seu objectivo de vida e que, se não casarem cedo, nunca conseguirão fazê-lo, falhando assim toda uma existência, inclusive porque o seu casamento ajuda ou mesmo permite a subsistência das suas famílias de origem. Há quem chame a isto venda de carne humana ou prostituição forçada de menores, mas parece que também se pode chamar “casar com o tio para garantir o sustento do pai”. Morrer em consequência disto é uma honra. Aliás, estas mortes precoces (sacralizadas pelo casamento) previnem ainda, segundo dados do mesmo estudo, que se venham a verificar casos deploráveis de jovens que possam perder a virgindade sem estarem casadas, desonrando as suas famílias para sempre e privando-as de dinheiro. Portanto, “honrarás pai e mãe” mas pais não são obrigados a honrar os filhos – afinal,  o Corão e a Bíblia não são assim tão diferentes, tudo depende da interpretação, extrema ou suave.

No Iémen, a lei diz que, ainda que se tenha casado com uma criança, só se pode consumar o casamento quando ela chegar à puberdade. É uma lei utópica. Todo aquele que decide casar com uma criança tem, certamente, a vontade implícita de exercer poder sobre um ser mais fraco e não vai esperar pela satisfação de uma vontade tão básica quanto sádica.

Nujood Ali, com 10 anos de idade, tornou-se a mais jovem divorciada do Iémen em 2008 quando se queixou num Tribunal (aonde foi sozinha!) de que era violada repetidamente há um ano. O Tribunal lá lhe deu ordem para divórcio, mas teve de indemnizar o ex-marido – a quem nada aconteceu por violar uma criança.

Portanto, a lei do Iémen acredita que, lá no fundo, há crianças que consentem em atos sexuais, ou até que os provocam. As Nações Unidas acreditam que há locais onde aos 8 anos já não se é criança. E nós olhamos para as armas químicas da Síria porque o Presidente Obama disse que era para lá que devíamos todos olhar agora. Não há espaço para mais nada nas nossas cabeças porque ninguém nos deu ordem de pensamento – quanto mais de acção.