Em Portugal, são raras as
situações que façam renovar a confiança no sistema. A generalidade das pessoas encara
isto como uma fatalidade, faz parte do fatum
que assim seja – “que se há-de fazer, têm o poder na mão, quem está de fora é
que fica mal.”. Quem está de fora é, afinal, a esmagadora maioria, já que
Portugal não é um país de gente interventiva. Se os políticos raramente são
políticos por ideologia, sendo de determinado partido como quem é do Benfica,
por tradição ou rebeldia familiar ou, bem pior, para ter acesso a privilégios,
a população, por sua vez, é apática ou envolve-se em manifestações cujo ruído é
maior do que o sentido e que têm provado não conduzir a muito mais do que
fotografias para colocar no Facebook.
Se alguém se dedicar a estudar
hoje o Modo de Ser Português terá motivo para umas boas gargalhadas. Que outra
nação teria perdido meses e meses a decidir se o ex-autarca (agora encerrado
num estabelecimento prisional) Isaltino Morais podia ser cabeça de lista nestas
eleições? Enquanto se pensava, fez-se a campanha com Isaltino em cartaz e
discutiu-se como seria quando Isaltino re-assumisse a Presidência da Câmara,
mas desta vez estando preso… Repare-se como estas realidades, que noutros
locais seriam quase esquizofrénicas, encantam o povo português e, longe de o
escandalizar, nem sequer o surpreendem! A possibilidade de eleger um preso foi
encarada com naturalidade. Fiel a si mesmo, o povo não demorou para colocar
Isaltino à frente nas sondagens.
Há um lado profundamente
masoquista no português típico - um aspeto que ainda hoje foge à minha
compreensão, mas que existe. Roubam-no, maltratam-no, mas ele dá a outra face e
ainda desculpa o criminoso com um “coitado, tem cara de bom homem…” Que outro
povo tem um provérbio ao bom estilo de “Quanto mais me bates mais gosto de ti?”
Só o português… Ora, uma sociedade onde impera um fundo de masoquismo será bem
governada por sádicos, criando-se, assim, uma relação simbiótica muito pouco
saudável mas essencial. Por uma certa preguiça, o português, lato sensu, nem sabe bem o que faria se
lhe fosse dada uma real oportunidade de mudar as coisas. Mudar?! Mas que
sabemos nós do desconhecido?! Outro provérbio que só em Portugal se ouve é
“antes diabo conhecido do que bem desconhecido”, o que sempre me fez pensar que
qualquer espírito aventureiro morreu nas Descobertas.
Seria impensável o caso que se
deu em Inglaterra com Chris Huhne, Ministro da Energia. Em 2003, era ainda
deputado, teve uma multa por alta velocidade, assumida pela sua mulher. Anos
depois, já Huhne era Ministro, a senhora lembrou-se de contar toda a verdade. Acontece
que em Inglaterra é crime mentir à Justiça (em Portugal nem sequer levantam a
sobrancelha, tal é o hábito), de modo que Huhne se demitiu, o casal foi
condenado a 8 meses de cadeia e a uma multa de 120 mil libras cada um. Em
Portugal pensava-se logo numa conspiração contra o Governo e contra o bom nome
de Huhne - coitadinho, só estava a andar
depressa… Mas o Primeiro Ministro inglês só comentou sobre o
caso que “era bom que todos soubessem que, por mais poderoso, ninguém foge ao
braço da lei”. Até parece que David Cameron não conhece aqui o retângulo…
Custa-me entender os meus
compatriotas. Mas, com estes espíritos acríticos, não me custa entender o
Ministro Crato quando disse, sexta-feira, que o Inglês deixa de ser obrigatório
no primeiro ciclo, mas afirmou na terça seguinte, que é absolutamente
obrigatório. É que o Senhor Ministro parte da ideia correta de que o português
engole tudo – quiçá até nos possa convencer que temos um prolema auditivo e
“não o ouvimos bem”. Ainda bem que conservamos intactas as capacidades gráficas
que nos permitem fazer um X nos boletins de voto, já que de mais, pelos vistos,
não precisamos, para que continue tudo em paz e sossego.