Ultimamente, voltaram à baila as
notícias sobre meninas forçadas a casar na infância em alguns países islâmicos,
nomeadamente o Iémen. Não é que a situação alguma vez tivesse parado de
acontecer e agora ressurgisse em pleno… Simplesmente, isto das notícias também
tem as suas modas e o que hoje faz parangonas amanhã deixa de ter interesse
porque a sociedade per si é um bicho
sedento de novidade, não propriamente de justiça.
O escândalo recente da noivinha
de 8 anos, cuja noite de núpcias com o marido de 40 conduziram à sua morte em
consequência de lesões sexuais, não tem nada de novo. As próprias Nações Unidas
dizem que um quarto das meninas do Iémen casam na infância e é sabido que
muitas morrem em consequência desses casamentos; outras, com mais sorte, lá vão
(sobre)vivendo … já sem infância, naturalmente. Se perguntamos às Nações Unidas
o que é feito do respeito à Carta Internacional dos Direitos da Criança, a
resposta é que nem todos os países têm a mesma noção do que é uma criança.
Embora esta resposta possa ser aceitável – ou, pelo menos, discutível - para
jovens de 15 anos, não me parece possível que algum país detenha o conceito de
que aos 8 anos já se é adulto! A problemática parece antes assentar numa
tentativa de justificação do injustificável – fossem as meninas do Iémen poços
de petróleo e o problema já estaria resolvido há muito…
Aqueles que chamam a atenção para
o problema (e há mesmo estudos feitos no terreno pela Human Rights Watch) dizem
que a maior parte das meninas casam com familiares, o que, longe de constituir
agravante, parece tornar o caso mais aceitável aos olhos do poder instituído.
Para além disso, as próprias meninas são educadas na ideia de que casar é o seu
objectivo de vida e que, se não casarem cedo, nunca conseguirão fazê-lo,
falhando assim toda uma existência, inclusive porque o seu casamento ajuda ou
mesmo permite a subsistência das suas famílias de origem. Há quem chame a isto
venda de carne humana ou prostituição forçada de menores, mas parece que também
se pode chamar “casar com o tio para garantir o sustento do pai”. Morrer em
consequência disto é uma honra. Aliás, estas mortes precoces (sacralizadas pelo
casamento) previnem ainda, segundo dados do mesmo estudo, que se venham a
verificar casos deploráveis de jovens que possam perder a virgindade sem
estarem casadas, desonrando as suas famílias para sempre e privando-as de
dinheiro. Portanto, “honrarás pai e mãe” mas pais não são obrigados a honrar os
filhos – afinal, o Corão e a Bíblia não
são assim tão diferentes, tudo depende da interpretação, extrema ou suave.
No Iémen, a lei diz que, ainda
que se tenha casado com uma criança, só se pode consumar o casamento quando ela
chegar à puberdade. É uma lei utópica. Todo aquele que decide casar com uma
criança tem, certamente, a vontade implícita de exercer poder sobre um ser mais
fraco e não vai esperar pela satisfação de uma vontade tão básica quanto
sádica.
Nujood Ali, com 10 anos de idade,
tornou-se a mais jovem divorciada do Iémen em 2008 quando se queixou num Tribunal
(aonde foi sozinha!) de que era violada repetidamente há um ano. O Tribunal lá
lhe deu ordem para divórcio, mas teve de indemnizar o ex-marido – a quem nada
aconteceu por violar uma criança.
Portanto, a lei do Iémen acredita
que, lá no fundo, há crianças que consentem em atos sexuais, ou até que os
provocam. As Nações Unidas acreditam que há locais onde aos 8 anos já não se é
criança. E nós olhamos para as armas químicas da Síria porque o Presidente
Obama disse que era para lá que devíamos todos olhar agora. Não há espaço para
mais nada nas nossas cabeças porque ninguém nos deu ordem de pensamento –
quanto mais de acção.