... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, September 13, 2013

Brincar às Casinhas


Ultimamente, voltaram à baila as notícias sobre meninas forçadas a casar na infância em alguns países islâmicos, nomeadamente o Iémen. Não é que a situação alguma vez tivesse parado de acontecer e agora ressurgisse em pleno… Simplesmente, isto das notícias também tem as suas modas e o que hoje faz parangonas amanhã deixa de ter interesse porque a sociedade per si é um bicho sedento de novidade, não propriamente de justiça.

O escândalo recente da noivinha de 8 anos, cuja noite de núpcias com o marido de 40 conduziram à sua morte em consequência de lesões sexuais, não tem nada de novo. As próprias Nações Unidas dizem que um quarto das meninas do Iémen casam na infância e é sabido que muitas morrem em consequência desses casamentos; outras, com mais sorte, lá vão (sobre)vivendo … já sem infância, naturalmente. Se perguntamos às Nações Unidas o que é feito do respeito à Carta Internacional dos Direitos da Criança, a resposta é que nem todos os países têm a mesma noção do que é uma criança. Embora esta resposta possa ser aceitável – ou, pelo menos, discutível - para jovens de 15 anos, não me parece possível que algum país detenha o conceito de que aos 8 anos já se é adulto! A problemática parece antes assentar numa tentativa de justificação do injustificável – fossem as meninas do Iémen poços de petróleo e o problema já estaria resolvido há muito…

Aqueles que chamam a atenção para o problema (e há mesmo estudos feitos no terreno pela Human Rights Watch) dizem que a maior parte das meninas casam com familiares, o que, longe de constituir agravante, parece tornar o caso mais aceitável aos olhos do poder instituído. Para além disso, as próprias meninas são educadas na ideia de que casar é o seu objectivo de vida e que, se não casarem cedo, nunca conseguirão fazê-lo, falhando assim toda uma existência, inclusive porque o seu casamento ajuda ou mesmo permite a subsistência das suas famílias de origem. Há quem chame a isto venda de carne humana ou prostituição forçada de menores, mas parece que também se pode chamar “casar com o tio para garantir o sustento do pai”. Morrer em consequência disto é uma honra. Aliás, estas mortes precoces (sacralizadas pelo casamento) previnem ainda, segundo dados do mesmo estudo, que se venham a verificar casos deploráveis de jovens que possam perder a virgindade sem estarem casadas, desonrando as suas famílias para sempre e privando-as de dinheiro. Portanto, “honrarás pai e mãe” mas pais não são obrigados a honrar os filhos – afinal,  o Corão e a Bíblia não são assim tão diferentes, tudo depende da interpretação, extrema ou suave.

No Iémen, a lei diz que, ainda que se tenha casado com uma criança, só se pode consumar o casamento quando ela chegar à puberdade. É uma lei utópica. Todo aquele que decide casar com uma criança tem, certamente, a vontade implícita de exercer poder sobre um ser mais fraco e não vai esperar pela satisfação de uma vontade tão básica quanto sádica.

Nujood Ali, com 10 anos de idade, tornou-se a mais jovem divorciada do Iémen em 2008 quando se queixou num Tribunal (aonde foi sozinha!) de que era violada repetidamente há um ano. O Tribunal lá lhe deu ordem para divórcio, mas teve de indemnizar o ex-marido – a quem nada aconteceu por violar uma criança.

Portanto, a lei do Iémen acredita que, lá no fundo, há crianças que consentem em atos sexuais, ou até que os provocam. As Nações Unidas acreditam que há locais onde aos 8 anos já não se é criança. E nós olhamos para as armas químicas da Síria porque o Presidente Obama disse que era para lá que devíamos todos olhar agora. Não há espaço para mais nada nas nossas cabeças porque ninguém nos deu ordem de pensamento – quanto mais de acção.