... "And now for something completely different" Monty Python

Thursday, February 27, 2014

Igualdade de Género e os Meninos Coitadinhos


Ari Fleischer (julgo ser o ex-secretário de Imprensa de George Bush), escreveu um artigo há poucos dias no Wall Street Journal aconselhando Obama sobre a melhor forma de combater a desigualdade de rendimentos económicos, e logo a desigualdade social, nas famílias dos EUA. Segundo Fleischer, a receita é simples e consiste em aconselhar as mulheres a casarem-se - “Obama devia perder menos energia na redistribuição salarial e focar-se mais na grande causa da pobreza moderna: o desmembramento da família. Um homem como ele que foi educado por uma mãe sozinha e, contra todas as probabilidades, se tornou Presidente, é o homem indicado para abraçar esta causa.”

Fleischer prossegue o seu artigo a explicar que a pobreza na América aumenta em proporção com a quantidade de mães sozinhas. De facto, as pobres crianças filhas destas famílias “lideradas por mulheres” (sic) não são apenas financeiramente pobres; são também menos educadas academicamente e ainda têm menos hipótese de vir a ter modelos familiares tradicionais (diz Fleischer, embora apresente uma taxa tão alta de mães sozinhas que quase nos parece que a sua “tradição” está para desaparecer em breve).

 Fleischer ressalva que não é um tipo racista; ele explica que este problema da pobreza é transversal às etnias todas – as hispânicas, as negras e “até” (!!!) as brancas, sofrem deste drama. Note-se que as mulheres casadas de todas as etnias americanas estão num nível de pobreza entre os 3 e os 7%; já as solteiras ou divorciadas com filhos rondam os 22 a 36% de pobreza (dependendo da etnia, e escuso-me de mais comentários). Logo, segundo a teoria do ex-governante, não vamos lá com políticas económicas; o que é preciso para acabar com a miséria é casar esta gente sem valores. Bem ou mal casadas, não interessa. “Antes mortas que envergonhadas”, como se diz em certos locais dos Açores e, pelos vistos, também assim acreditam os Republicanos na América.

Fleischer tem razão quando diz que as mães solteiras são a faixa mais pobre de uma população. Não é novidade em nenhuma parte do mundo. Estudos vários o comprovam, seja em que lugar do mundo foram feitos. Em Portugal, são também elas que constituem o elo mais fraco (recentemente, a OMS dizia que 38% dos pobres em Portugal eram mães sozinhas mas, curiosamente, são também a faixa da população mais optimista e esperançosa no futuro). No entanto, a solução passa sim por políticas económicas e não por mandá-las casar. Aliás, a revista TIME respondeu a este repto de Fleischer com um artigo que dizia que uma mulher e sua prole não sobreviviam melhor por casar com um homem que ganhasse um ordenado mínimo…  Poderiam, sim, ter a vida que Fleischer preconiza se ela casasse com 4 homens que o auferissem, pelo que este esquema só funcionava se a Lei permitisse a poliandria. E que cansaço isso não seria para uma mulher, economicamente estável, porém arrasada pelas exigências do que significaria ter quatro “companheiros” de uma só vez.

Fora de brincadeiras, o erro de Fleischer começa já no apelo a Obama, um homem que, segundo as estatísticas de Fleischer, não teria educação académica nem família, nem valores nem dinheiro e seria sempre pouco mais que um vagabundo… já que foi educado por uma mãe sozinha, pobre porque independente, invulgar porque teve um filho com um negro e depois outro filho com um indonésio.


 Afinal, quem é Fleischer, mesmo? Porque Obama sei eu quem é. É o Presidente dos EUA. 

Friday, February 14, 2014

Uma Outra História?

Em Janeiro, celebraram-se 69 anos da libertação dos prisioneiros do campo da morte de Auschwitz. Em tempo histórico, foi ontem que morreram neste campo meio milhão de pessoas. Vinte sobreviventes entraram no campo novamente agora. Seriam crianças na época. Passar pelo horror e sair dele não os tornou insensíveis; mas tornou-os muito cheios de qualquer coisa indefinida, que não se chama coragem nem serenidade – talvez se chame firmeza. Apesar da sua frágil aparência, todos parecem completos como uma fénix; são um elemento que sofreu a destruição e se ergueu, maior. 

No portão do campo pode ler-se “Arbeit macht frei” (o trabalho liberta). Fora de contexto, parece uma boa frase. Aliás, há frases hitlerianas louváveis, retiradas do contexto e desconhecendo-se as acções praticadas a coberto dessa propaganda. Por exemplo: “Como cristão, não posso deixar que me enganem e é meu dever ser um lutador pela verdade e pela justiça!” É falso supor que era louco. Era, sim, um homem muitíssimo hábil, que usava a propaganda para conseguir focalizar as massas na crença ficcionada de que tinham um inimigo. “Uma vez criado esse inimigo, as pessoas tudo farão para o derrubar.” O sucesso de Hitler estava em saber utilizar a estupidez do homem médio a seu favor. Ele mesmo acreditava na “vantagem [que era] para o governante a falta de pensamento autónomo do povo” e que “a medida do sucesso era a vitória… Ninguém pergunta ao vencedor se ele é justo ou se ele foi verdadeiro.” A coberto de tal filosofia e das inflamadas paixões de quem se deixou cativar por ele, matou 7 milhões de pessoas… porque lhe apeteceu.

Embora as mortes e as várias torturas feitas a esses judeus, ciganos e homossexuais (os 3 grupos mais detestados, por ordem) estejam perfeitamente documentadas em vários tipos de fontes, existem, ainda hoje, organizações que se dedicam a espalhar a teoria de que o Holocausto nunca existiu e que tal “fabricação” se deve a uma tentativa de procurar atenção, difamar puros ideais por obscuras razões políticas, entronar gente que hoje ocupa lugares ditos de importância. A falta de sentido argumentativo é flagrante mas a teoria continua.

Esta ideia de que o Holocausto nunca existiu não é tão impopular como se possa pensar. Baseia-se, aliás, nos mesmos parâmetros, da propaganda de Hitler para ter sucesso: na falta de razão das massas, ou mais cruamente, na acefalia da generalidade das pessoas e em como é fácil convence-las “que o Inferno é o Paraíso e vice versa quando as palavras certas são usadas”.

Mas e as provas, e.g. os vídeos da época e os testemunhos dos sobreviventes? Segundo os defensores da teoria, na qual se incluem muitos académicos, é explicável: os vídeos são montagens, feitas por óbvias razões difamatórias de uma causa nobre que era o nacionalismo; os testemunhos são uma “alucinação colectiva” na melhor das hipóteses, e, na pior, um conluio de gente malévola. Gosto particularmente do argumento da alucinação colectiva, porque repare-se como estão a imputar aos sobreviventes do Holocausto exactamente o que aconteceu aos seguidores de Hitler, mas já diz o ditado: “deixa-me falar dos outros antes que falem de mim!”


A única razão para esta teoria ainda não ter vingado não é, ao contrário do que possam pensar, por ter falhas ou pela suprema razão de ser falsa em absoluto. A única razão para ser ainda uma teoria menor é que o Cinema apoia a ideia que o Holocausto existiu mesmo. Que se lixem as provas. Enquanto a maior fantasia deste mundo apoiar a História, a História está salva – mas só por causa disso. A sorte que temos em Spielberg ser judeu! Se ele não o fosse, a História já teria sido re-escrita e os carneirinhos engoliam esta outra versão, pastando mansamente.