Em Janeiro, celebraram-se 69 anos
da libertação dos prisioneiros do campo da morte de Auschwitz. Em tempo
histórico, foi ontem que morreram neste campo meio milhão de pessoas. Vinte
sobreviventes entraram no campo novamente agora. Seriam crianças na época.
Passar pelo horror e sair dele não os tornou insensíveis; mas tornou-os muito
cheios de qualquer coisa indefinida, que não se chama coragem nem serenidade –
talvez se chame firmeza. Apesar da sua frágil aparência, todos parecem completos
como uma fénix; são um elemento que sofreu a destruição e se ergueu,
maior.
No portão do campo pode ler-se
“Arbeit macht frei” (o trabalho liberta). Fora de contexto, parece uma boa
frase. Aliás, há frases hitlerianas louváveis, retiradas do contexto e desconhecendo-se
as acções praticadas a coberto dessa propaganda. Por exemplo: “Como cristão,
não posso deixar que me enganem e é meu dever ser um lutador pela verdade e
pela justiça!” É falso supor que era louco. Era, sim, um homem muitíssimo
hábil, que usava a propaganda para conseguir focalizar as massas na crença
ficcionada de que tinham um inimigo. “Uma vez criado esse inimigo, as pessoas
tudo farão para o derrubar.” O sucesso de Hitler estava em saber utilizar a
estupidez do homem médio a seu favor. Ele mesmo acreditava na “vantagem [que
era] para o governante a falta de pensamento autónomo do povo” e que “a medida
do sucesso era a vitória… Ninguém pergunta ao vencedor se ele é justo ou se ele
foi verdadeiro.” A coberto de tal filosofia e das inflamadas paixões de quem se
deixou cativar por ele, matou 7 milhões de pessoas… porque lhe apeteceu.
Embora as mortes e as várias
torturas feitas a esses judeus, ciganos e homossexuais (os 3 grupos mais
detestados, por ordem) estejam perfeitamente documentadas em vários tipos de
fontes, existem, ainda hoje, organizações que se dedicam a espalhar a teoria de
que o Holocausto nunca existiu e que tal “fabricação” se deve a uma tentativa
de procurar atenção, difamar puros ideais por obscuras razões políticas, entronar
gente que hoje ocupa lugares ditos de importância. A falta de sentido
argumentativo é flagrante mas a teoria continua.
Esta ideia de que o Holocausto
nunca existiu não é tão impopular como se possa pensar. Baseia-se, aliás, nos
mesmos parâmetros, da propaganda de Hitler para ter sucesso: na falta de razão
das massas, ou mais cruamente, na acefalia da generalidade das pessoas e em
como é fácil convence-las “que o Inferno é o Paraíso e vice versa quando as
palavras certas são usadas”.
Mas e as provas, e.g. os vídeos
da época e os testemunhos dos sobreviventes? Segundo os defensores da teoria,
na qual se incluem muitos académicos, é explicável: os vídeos são montagens,
feitas por óbvias razões difamatórias de uma causa nobre que era o
nacionalismo; os testemunhos são uma “alucinação colectiva” na melhor das
hipóteses, e, na pior, um conluio de gente malévola. Gosto particularmente do
argumento da alucinação colectiva, porque repare-se como estão a imputar aos
sobreviventes do Holocausto exactamente o que aconteceu aos seguidores de
Hitler, mas já diz o ditado: “deixa-me falar dos outros antes que falem de
mim!”
A única razão para esta teoria
ainda não ter vingado não é, ao contrário do que possam pensar, por ter falhas
ou pela suprema razão de ser falsa em absoluto. A única razão para ser ainda
uma teoria menor é que o Cinema apoia a ideia que o Holocausto existiu mesmo.
Que se lixem as provas. Enquanto a maior fantasia deste mundo apoiar a
História, a História está salva – mas só por causa disso. A sorte que temos em Spielberg
ser judeu! Se ele não o fosse, a História já teria sido re-escrita e os
carneirinhos engoliam esta outra versão, pastando mansamente.