... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, May 6, 2016

O Dia da Mãe


Havia uma miúda na escola que detestava o Dia da Mãe. Primeiro porque não tinha mãe e depois porque a escola obrigava todos os meninos a escreverem cartões não apenas à mãe mas "à melhor mãe do mundo", num total desprezo pela pedagogia e pela psicologia infantil e numa utópica crença de que todas as mães não só existiam mas eram, sem sombra de dúvida, fenomenais. Havia outros miúdos que tinham mãe, ao contrário desta menina, e que, portanto, nem sequer tinham a desculpa de tentar livrar-se do fatídico cartão dizendo que não a tinham. As professoras respondiam sempre: “Mas de onde é que nasceste?”. Contra esta resposta, não raro acompanhada de risos (como se fosse caso para rir!), não havia volta a dar. Mas como o cartão insistia que se escrevessem coisas incomparavelmente boas sobre as mães e eles, em boa verdade, não tinham nada de muito positivo para dizer, parecia-lhes uma coisa ridícula, se não mesmo perturbadora.

No Dia do Pai era a mesma história. Todos tinham de escrever cartões a pais inexistentes, ausentes, violentos, abusadores… enfim, chegado àquele dia todos tinham “o melhor pai do mundo!” segundo a escola desta menina.

O calendário tem destes dias de hipocrisia e de sacrifício, espécie de calvário interior infantil.

Até que a miúda descobriu que tinha algum talento para escrever. Jogava bem com as palavras, tinha imaginação e estilo. Tanto o seu talento era visível entre os colegas que passou a escrever as frases para os cartões de quase todos os meninos, mesmo dos que tinham mães das quais se orgulhavam. "Adoro-te, adoro-te" de tantas maneiras diferentes que disse com floreados de artista a muitas mães mas nunca usou na sua vida real por simples falta de oportunidade. "Podes escrever a mesma coisa em todos" diziam os colegas mas ela, não, não, aprumava aquilo e fez verdadeiras declarações de Amor a colos estranhos que nunca a embalaram. Nunca ninguém descobriu porque depois era tudo copiado com a letrinha de cada um e parecia sair da imaginação de cada filho. Não se pense que isto não alegrava também a menina, porque daqui resultava que se sentia menos só e mais feliz, ainda que o fim do dia fosse sempre amargo, porque nunca eram seus os abraços e as mãos dadas.

Um dia, já adulta, encontrou por acaso uma antiga colega com a mãe e, ao beijar a senhora por cortesia, pensou na ironia que tudo aquilo era mas claro que guardou para si. Não pode conter-se que não telefonasse, depois, à colega como se fosse para falar de trivialidades e disse "Recordas os cartões das mães?" E a colega: "Ai, nem me fales! A minha mãe guarda-os todos! Diz que nunca lhe disseram nada tão bonito como eu (como tu!!!) naqueles tempos!"...


E assim a menina descobriu que tinha feito tantas mães desconhecidas felizes com as suas palavras. Sobra-lhe uma ponta de pena que não tenha restado uma Mãe, qualquer uma, para si. Mas talvez seja tudo isto o Amor Incondicional que vem nos livros e que diz que amar os outros é dar sem esperar nada em troca. Ela chega à conclusão que, afinal, no seu caso, sempre soube o que isso é.