Havia
uma miúda na escola que detestava o Dia da Mãe. Primeiro porque não tinha mãe e
depois porque a escola obrigava todos os meninos a escreverem cartões não
apenas à mãe mas "à melhor mãe do mundo", num total desprezo pela
pedagogia e pela psicologia infantil e numa utópica crença de que todas as mães
não só existiam mas eram, sem sombra de dúvida, fenomenais. Havia outros miúdos
que tinham mãe, ao contrário desta menina, e que, portanto, nem sequer tinham a
desculpa de tentar livrar-se do fatídico cartão dizendo que não a tinham. As
professoras respondiam sempre: “Mas de onde é que nasceste?”. Contra esta
resposta, não raro acompanhada de risos (como se fosse caso para rir!), não
havia volta a dar. Mas como o cartão insistia que se escrevessem coisas
incomparavelmente boas sobre as mães e eles, em boa verdade, não tinham nada de
muito positivo para dizer, parecia-lhes uma coisa ridícula, se não mesmo
perturbadora.
No
Dia do Pai era a mesma história. Todos tinham de escrever cartões a pais
inexistentes, ausentes, violentos, abusadores… enfim, chegado àquele dia todos
tinham “o melhor pai do mundo!” segundo a escola desta menina.
O
calendário tem destes dias de hipocrisia e de sacrifício, espécie de calvário
interior infantil.
Até
que a miúda descobriu que tinha algum talento para escrever. Jogava bem com as
palavras, tinha imaginação e estilo. Tanto o seu talento era visível entre os
colegas que passou a escrever as frases para os cartões de quase todos os
meninos, mesmo dos que tinham mães das quais se orgulhavam. "Adoro-te,
adoro-te" de tantas maneiras diferentes que disse com floreados de artista
a muitas mães mas nunca usou na sua vida real por simples falta de
oportunidade. "Podes escrever a mesma coisa em todos" diziam os colegas mas ela, não, não, aprumava
aquilo e fez verdadeiras declarações de Amor a colos estranhos que nunca a
embalaram. Nunca ninguém descobriu porque depois era tudo copiado com a
letrinha de cada um e parecia sair da imaginação de cada filho. Não se pense
que isto não alegrava também a menina, porque daqui resultava que se sentia
menos só e mais feliz, ainda que o fim do dia fosse sempre amargo, porque nunca
eram seus os abraços e as mãos dadas.
Um dia, já adulta, encontrou por acaso uma
antiga colega com a mãe e, ao beijar a senhora por cortesia, pensou na ironia
que tudo aquilo era mas claro que guardou para si. Não pode conter-se que não
telefonasse, depois, à colega como se fosse para falar de trivialidades e disse
"Recordas os cartões das mães?" E a colega: "Ai, nem me fales! A
minha mãe guarda-os todos! Diz que nunca lhe disseram nada tão bonito como eu
(como tu!!!) naqueles tempos!"...
E assim a menina descobriu que tinha feito tantas
mães desconhecidas felizes com as suas palavras. Sobra-lhe uma ponta de pena
que não tenha restado uma Mãe, qualquer uma, para si. Mas talvez seja tudo isto
o Amor Incondicional que vem nos livros e que diz que amar os outros é dar sem
esperar nada em troca. Ela chega à conclusão que, afinal, no seu caso, sempre
soube o que isso é.