Finalmente, chegou a hora de
descansar!… Não sei se apaguei a luz da cozinha; devia levantar-me e ir ver…
tenho quase a certeza que apaguei. Se me levantar, certamente que não resisto a
comer qualquer coisa. Isso não vai ajudar ao meu enjoo. Porque será que dizem
que só se tem enjoos de manhã se os meus são à noite? Somos todas diferentes…
Por isso mesmo não acredito na religião, que mete todas as pessoas no mesmo
saco, muito menos creio num Deus que ama todos da mesma forma mas deixa
atrocidades acontecerem aos inocentes que nunca fizeram nada de mal. O que será
que acontece depois de morrermos? Não acontece nada, acaba o sopro da vida e
pronto. Mas então a vida não tem sentido nenhum! Claro que tem, a espécie
continua, assim como o progresso dela. Mas a verdade é que acredito na energia
do espírito, só não percebo muito bem como se manifesta na totalidade. Quem
falava imenso destas coisas era aquela minha colega do 5º ano… Onde será que
andará agora? Recordo perfeitamente aquele dia em que estávamos com imensa fome
e tirámos maçãs de uma árvore. Realmente, não devíamos ter tirado maçãs de uma
árvore que não sei de quem era. Será que isso é considerado roubo? Se for, será
que a causa é justificativa atenuante? Este problema é o início do enredo de Os Miseráveis. Mas aí era um bocado de
pão e não maçãs… O problema da sociedade, tal como está organizada, é o
capitalismo. Claro que o comunismo também não é solução. É preciso viver nos
dois sistemas para perceber que ambos são falácias. Eu podia ser como Thoreau e
ir para os bosques “viver deliberadamente para encontrar a profundidade”.
Tretas. Sempre detestei picadas de insetos, como é que viveria no bosque?
Porque será que as aranhas picam pessoas? Ao menos um mosquito pica para se
alimentar. Ao ritmo a que andam as alterações climáticas, qualquer dia não há
insetos. O ser humano é a criatura mais destrutiva que existe… Por isso, eu
devia ter juízo… é quase criminoso colocar mais um no planeta. Ademais, o
Planeta Terra está sobrepovoado. Mas agora há aquela ideia de colocarem pessoas
em Marte. Aposto que daqui a cinquenta anos vive lá gente. Talvez não, já me
enganei antes. E não foi pouco. Mais uma razão para ir ver se a luz da cozinha
está realmente apagada… Se me esqueci? Também não é grave. Seria mais fácil
dormir se não houvesse barulho. Incrível como o ressonar dele me incomoda. O
barulho dos carros lá fora também. Se calhar, mudar para o campo não é assim
tão má ideia. O cão de certeza que ia preferir. Mas eu não! Pfff… O cão e a
gata estão fixes como estão. Em qualquer sítio onde lhes deem comida, teto e
festas. Não têm qualquer problema no Universo. Metade dessa razão é porque têm
casa e comida assegurada sem precisar de trabalhar… A outra metade é porque são
independentes. Será que foi boa ideia ter casado novamente? A experiência vai
contra, mas a experiência muitas vezes demonstra que não quer dizer nada. Além
disso, uma experiência de um é igual a zero para efeitos estatísticos. Os
segundos casamentos costumam resultar mais do que os primeiros. Por exemplo, o
Saramago. Ah!!! Os pensamentos que se passam na minha cabeça antes de dormir
são um bocado parecidos com a pontuação do Saramago. Ou com uma canção dos
Beatles, tipo Penny Lane. Será que foram mesmo os Beatles a escrever aquilo? Afinal,
as mulheres é que pensam em muita coisa ao mesmo tempo. Quem pensaria numa
barbearia, bombeiros, a Rainha, peixe e batatas fritas tudo junto senão uma
mulher?… Peixe, que enjoo… Tenho mesmo de me levantar.
Friday, October 26, 2018
Thursday, October 11, 2018
O crítico de arte
O que é um crítico de cinema? É
um tipo que não conseguiu ser realizador e, eternamente frustrado, fala mal (ou
muito bem se o convidaram para um “pre screening”) de um filme. Isto era uma
piada – ou então nada mais que um reflexo da realidade – que se contava na
Escola de Artes Performativas onde andou uma amiga minha.
Se me pedem para analisar peças literárias,
sinto um certo desconforto, porque recordo sempre esta frase. Tanto pode estar
ali uma obra de arte ou um bocado de lixo, mas convenhamos que raramente o
crítico faz boa figura – porque é crítico, e quase o ouvimos a ranger os dentes
na sua aspiração de querer ser outra coisa, não raro exatamente autor. Não
estou certa? Então está bem. Vão lá perguntar às criancinhas se gostavam de ser
atores, atrizes, escritores, pintores, músicos… Estes desejos existem. Mas
quantas dizem: eu queria ser crítico de cinema, literatura, pintura, música?
Nenhuma. Imediatamente na nossa mente, está reservada a ideia de que o crítico
é aquele indivíduo que sabe um bocadinho daquela arte, sim senhor, sabe a
teoria da coisa, mas não tem qualquer lampejo de génio criativo que lhe permita
fazer cinema, escrever, pintar, compor, etc. Ou se tem, é medíocre, e por isso
faz vida a criticar os demais.
Apesar desta característica tida
como assente, todo o criativo sabe que deve ser extremamente delicodoce com os
críticos. Se não for, pode ser arrasado com críticas teóricas brutais,
insinuações terríveis e uma espécie de contra-marketing que funciona como a censura
da arte. Desta forma, o que o criativo faz é a cultura da hipocrisia, acabando
por dizer ao crítico que admira imenso o trabalho dele, i.e. criticar a arte, e
não raro diz que ninguém viu na sua obra o que ele (o crítico) viu. Esta última
parte é sempre certa, aliás, até porque o autor não raro se espanta com a
parafernália de truques e sentidos que outros encontram na sua obra e nos quais
ele nunca tinha pensado. Mas a obra desdobra-se para cada um e assim mesmo deve
ser.
Cria-se um círculo vicioso, à
maneira da TV dos anos 80 em que só havia um canal em Portugal, em que o Manel
do Programa X convidava o Zé do Programa Y sendo que depois o Zé do Programa Y
convidava o Manel do Programa X, e estas pessoas ficaram famosas e queridas de
todos: daí que tanta gente ainda hoje venere o Carlos Cruz e o Herman José,
apesar dos (enormes) pesares, nomeadamente em relação ao primeiro – dos quais
nem vou falar. Existe o mesmo ciclo na arte portuguesa, que é um meio
necessariamente pequeno: o autor convida o crítico, para compensar o crítico
desfaz-se em elogios ao autor, sendo que o autor tem de retribuir os elogios ao
crítico… e não se sai disto porque não há pessoas novas, espírito novo nesta
roda!
Porém, a internet ameaça de morte
os críticos. Espaço excessivamente democrático (com perdão da perigosa
hipérbole), a internet veio colocar ao crítico um problema: hoje, toda a gente
pesquisa e dá opinião, faz um blogue temático, mediatiza. O crítico perdeu
força, exceto para a camada intelectual de gente que vai aos lançamentos, às
estreias, enfim, a sua tribo. O crítico é uma espécie em extinção.
Secretamente, o autor suspira: “Ainda bem!”
Subscribe to:
Posts (Atom)