... "And now for something completely different" Monty Python

Friday, October 26, 2018

Monólogo Interno de uma Insomníaca



Finalmente, chegou a hora de descansar!… Não sei se apaguei a luz da cozinha; devia levantar-me e ir ver… tenho quase a certeza que apaguei. Se me levantar, certamente que não resisto a comer qualquer coisa. Isso não vai ajudar ao meu enjoo. Porque será que dizem que só se tem enjoos de manhã se os meus são à noite? Somos todas diferentes… Por isso mesmo não acredito na religião, que mete todas as pessoas no mesmo saco, muito menos creio num Deus que ama todos da mesma forma mas deixa atrocidades acontecerem aos inocentes que nunca fizeram nada de mal. O que será que acontece depois de morrermos? Não acontece nada, acaba o sopro da vida e pronto. Mas então a vida não tem sentido nenhum! Claro que tem, a espécie continua, assim como o progresso dela. Mas a verdade é que acredito na energia do espírito, só não percebo muito bem como se manifesta na totalidade. Quem falava imenso destas coisas era aquela minha colega do 5º ano… Onde será que andará agora? Recordo perfeitamente aquele dia em que estávamos com imensa fome e tirámos maçãs de uma árvore. Realmente, não devíamos ter tirado maçãs de uma árvore que não sei de quem era. Será que isso é considerado roubo? Se for, será que a causa é justificativa atenuante? Este problema é o início do enredo de Os Miseráveis. Mas aí era um bocado de pão e não maçãs… O problema da sociedade, tal como está organizada, é o capitalismo. Claro que o comunismo também não é solução. É preciso viver nos dois sistemas para perceber que ambos são falácias. Eu podia ser como Thoreau e ir para os bosques “viver deliberadamente para encontrar a profundidade”. Tretas. Sempre detestei picadas de insetos, como é que viveria no bosque? Porque será que as aranhas picam pessoas? Ao menos um mosquito pica para se alimentar. Ao ritmo a que andam as alterações climáticas, qualquer dia não há insetos. O ser humano é a criatura mais destrutiva que existe… Por isso, eu devia ter juízo… é quase criminoso colocar mais um no planeta. Ademais, o Planeta Terra está sobrepovoado. Mas agora há aquela ideia de colocarem pessoas em Marte. Aposto que daqui a cinquenta anos vive lá gente. Talvez não, já me enganei antes. E não foi pouco. Mais uma razão para ir ver se a luz da cozinha está realmente apagada… Se me esqueci? Também não é grave. Seria mais fácil dormir se não houvesse barulho. Incrível como o ressonar dele me incomoda. O barulho dos carros lá fora também. Se calhar, mudar para o campo não é assim tão má ideia. O cão de certeza que ia preferir. Mas eu não! Pfff… O cão e a gata estão fixes como estão. Em qualquer sítio onde lhes deem comida, teto e festas. Não têm qualquer problema no Universo. Metade dessa razão é porque têm casa e comida assegurada sem precisar de trabalhar… A outra metade é porque são independentes. Será que foi boa ideia ter casado novamente? A experiência vai contra, mas a experiência muitas vezes demonstra que não quer dizer nada. Além disso, uma experiência de um é igual a zero para efeitos estatísticos. Os segundos casamentos costumam resultar mais do que os primeiros. Por exemplo, o Saramago. Ah!!! Os pensamentos que se passam na minha cabeça antes de dormir são um bocado parecidos com a pontuação do Saramago. Ou com uma canção dos Beatles, tipo Penny Lane. Será que foram mesmo os Beatles a escrever aquilo? Afinal, as mulheres é que pensam em muita coisa ao mesmo tempo. Quem pensaria numa barbearia, bombeiros, a Rainha, peixe e batatas fritas tudo junto senão uma mulher?… Peixe, que enjoo… Tenho mesmo de me levantar.

Thursday, October 11, 2018

O crítico de arte


O que é um crítico de cinema? É um tipo que não conseguiu ser realizador e, eternamente frustrado, fala mal (ou muito bem se o convidaram para um “pre screening”) de um filme. Isto era uma piada – ou então nada mais que um reflexo da realidade – que se contava na Escola de Artes Performativas onde andou uma amiga minha.

 Se me pedem para analisar peças literárias, sinto um certo desconforto, porque recordo sempre esta frase. Tanto pode estar ali uma obra de arte ou um bocado de lixo, mas convenhamos que raramente o crítico faz boa figura – porque é crítico, e quase o ouvimos a ranger os dentes na sua aspiração de querer ser outra coisa, não raro exatamente autor. Não estou certa? Então está bem. Vão lá perguntar às criancinhas se gostavam de ser atores, atrizes, escritores, pintores, músicos… Estes desejos existem. Mas quantas dizem: eu queria ser crítico de cinema, literatura, pintura, música? Nenhuma. Imediatamente na nossa mente, está reservada a ideia de que o crítico é aquele indivíduo que sabe um bocadinho daquela arte, sim senhor, sabe a teoria da coisa, mas não tem qualquer lampejo de génio criativo que lhe permita fazer cinema, escrever, pintar, compor, etc. Ou se tem, é medíocre, e por isso faz vida a criticar os demais.

Apesar desta característica tida como assente, todo o criativo sabe que deve ser extremamente delicodoce com os críticos. Se não for, pode ser arrasado com críticas teóricas brutais, insinuações terríveis e uma espécie de contra-marketing que funciona como a censura da arte. Desta forma, o que o criativo faz é a cultura da hipocrisia, acabando por dizer ao crítico que admira imenso o trabalho dele, i.e. criticar a arte, e não raro diz que ninguém viu na sua obra o que ele (o crítico) viu. Esta última parte é sempre certa, aliás, até porque o autor não raro se espanta com a parafernália de truques e sentidos que outros encontram na sua obra e nos quais ele nunca tinha pensado. Mas a obra desdobra-se para cada um e assim mesmo deve ser.

Cria-se um círculo vicioso, à maneira da TV dos anos 80 em que só havia um canal em Portugal, em que o Manel do Programa X convidava o Zé do Programa Y sendo que depois o Zé do Programa Y convidava o Manel do Programa X, e estas pessoas ficaram famosas e queridas de todos: daí que tanta gente ainda hoje venere o Carlos Cruz e o Herman José, apesar dos (enormes) pesares, nomeadamente em relação ao primeiro – dos quais nem vou falar. Existe o mesmo ciclo na arte portuguesa, que é um meio necessariamente pequeno: o autor convida o crítico, para compensar o crítico desfaz-se em elogios ao autor, sendo que o autor tem de retribuir os elogios ao crítico… e não se sai disto porque não há pessoas novas, espírito novo nesta roda!

Porém, a internet ameaça de morte os críticos. Espaço excessivamente democrático (com perdão da perigosa hipérbole), a internet veio colocar ao crítico um problema: hoje, toda a gente pesquisa e dá opinião, faz um blogue temático, mediatiza. O crítico perdeu força, exceto para a camada intelectual de gente que vai aos lançamentos, às estreias, enfim, a sua tribo. O crítico é uma espécie em extinção. Secretamente, o autor suspira: “Ainda bem!”