O que é um crítico de cinema? É
um tipo que não conseguiu ser realizador e, eternamente frustrado, fala mal (ou
muito bem se o convidaram para um “pre screening”) de um filme. Isto era uma
piada – ou então nada mais que um reflexo da realidade – que se contava na
Escola de Artes Performativas onde andou uma amiga minha.
Se me pedem para analisar peças literárias,
sinto um certo desconforto, porque recordo sempre esta frase. Tanto pode estar
ali uma obra de arte ou um bocado de lixo, mas convenhamos que raramente o
crítico faz boa figura – porque é crítico, e quase o ouvimos a ranger os dentes
na sua aspiração de querer ser outra coisa, não raro exatamente autor. Não
estou certa? Então está bem. Vão lá perguntar às criancinhas se gostavam de ser
atores, atrizes, escritores, pintores, músicos… Estes desejos existem. Mas
quantas dizem: eu queria ser crítico de cinema, literatura, pintura, música?
Nenhuma. Imediatamente na nossa mente, está reservada a ideia de que o crítico
é aquele indivíduo que sabe um bocadinho daquela arte, sim senhor, sabe a
teoria da coisa, mas não tem qualquer lampejo de génio criativo que lhe permita
fazer cinema, escrever, pintar, compor, etc. Ou se tem, é medíocre, e por isso
faz vida a criticar os demais.
Apesar desta característica tida
como assente, todo o criativo sabe que deve ser extremamente delicodoce com os
críticos. Se não for, pode ser arrasado com críticas teóricas brutais,
insinuações terríveis e uma espécie de contra-marketing que funciona como a censura
da arte. Desta forma, o que o criativo faz é a cultura da hipocrisia, acabando
por dizer ao crítico que admira imenso o trabalho dele, i.e. criticar a arte, e
não raro diz que ninguém viu na sua obra o que ele (o crítico) viu. Esta última
parte é sempre certa, aliás, até porque o autor não raro se espanta com a
parafernália de truques e sentidos que outros encontram na sua obra e nos quais
ele nunca tinha pensado. Mas a obra desdobra-se para cada um e assim mesmo deve
ser.
Cria-se um círculo vicioso, à
maneira da TV dos anos 80 em que só havia um canal em Portugal, em que o Manel
do Programa X convidava o Zé do Programa Y sendo que depois o Zé do Programa Y
convidava o Manel do Programa X, e estas pessoas ficaram famosas e queridas de
todos: daí que tanta gente ainda hoje venere o Carlos Cruz e o Herman José,
apesar dos (enormes) pesares, nomeadamente em relação ao primeiro – dos quais
nem vou falar. Existe o mesmo ciclo na arte portuguesa, que é um meio
necessariamente pequeno: o autor convida o crítico, para compensar o crítico
desfaz-se em elogios ao autor, sendo que o autor tem de retribuir os elogios ao
crítico… e não se sai disto porque não há pessoas novas, espírito novo nesta
roda!
Porém, a internet ameaça de morte
os críticos. Espaço excessivamente democrático (com perdão da perigosa
hipérbole), a internet veio colocar ao crítico um problema: hoje, toda a gente
pesquisa e dá opinião, faz um blogue temático, mediatiza. O crítico perdeu
força, exceto para a camada intelectual de gente que vai aos lançamentos, às
estreias, enfim, a sua tribo. O crítico é uma espécie em extinção.
Secretamente, o autor suspira: “Ainda bem!”